Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Descrição de chapéu China Rússia

Congresso comunista na China revela versão contemporânea da 'kremlinologia' soviética

Observadores de regimes comunistas se apegam a escassas sinalizações para revelar realidade política

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Principal evento do hermético cenário político chinês, o Congresso do Partido Comunista corresponde, apesar da pompa e grandiosidade ritualística, a uma diminuta janela entreaberta para tentativas de radiografar lutas internas por poder e a direção dos ventos ideológicos.

A última edição, encerrada no domingo passado, alimentou análises, em muitos momentos, a resgatar uma versão contemporânea da "kremlinologia", nome de leituras da misteriosa e opaca cúpula dirigente soviética.

Com acesso limitado a fontes de informação oficiais e impossibilitados de acompanhar de perto uma dinâmica palaciana, observadores empenhados em esquadrinhar regimes comunistas se apegam a escassas sinalizações com chances de revelar a realidade política. E a cena do congresso, com o ex-líder Hu Jintao conduzido a se retirar da mesa a acomodar lideranças partidárias, alimentou uma torrente de análises.

O ex-líder chinês Hu Jintao fala com o atual dirigente, Xi Jinping, ao ser levado para fora do Grande Salão do Povo no Congresso do Partido Comunista Chinês - Tingshu Wang - 22.out.22/Reuters

O episódio, numa imagem a rodar o mundo e duração de apenas cerca de um minuto, chamou a atenção por dois aspectos. Primeiro, por quebrar a liturgia bolchevique de um congresso engessado, com passos ensaiados e funcionando com precisão e rigor de um relógio suíço. Em segundo lugar, por envolver o todo-poderoso Xi Jinping e seu antecessor, Hu Jintao.

Na versão oficial, Hu enfrentaria problemas de saúde, motivo da saída em meio aos trabalhos e diante de várias câmeras. Análises enxergaram uma tentativa de exibição de força de Xi, ao escantear importante liderança partidária.

O debate se estenderá indefinidamente. Fato é que o atual líder, ao término do evento, emergiu como se imaginava: com um terceiro mandato à frente do Partido Comunista e intensificando a centralização do comando, transformando-se no dirigente mais poderoso desde Deng Xiaoping, patriarca das reformas econômicas iniciadas em 1978.

Do ponto de vista da análise, oferece mais consistência a leitura atenta do discurso de abertura da confabulação comunista. E proliferam, por exemplo, levantamentos sobre a frequência com que determinadas expressões apareceram na fala a ecoar no salão do Grande Palácio do Povo, em Pequim.

"Segurança nacional" despontou como expressão mais marcante, registrou estudo do think tank americano CSIS, ao ser repetida 91 vezes na fala de quase duas horas. O mesmo Xi, no mesmo momento do congresso de 2017, recorreu a tais palavras em 54 oportunidades.

Descrita na retórica oficial como "alicerce do rejuvenescimento nacional", a expressão embute a preocupação do Partido Comunista em conseguir se equilibrar no poder enquanto avançam as reformas econômicas e surge uma sociedade mais urbana, com mais classe média e, portanto, um cenário mais desafiador para manutenção do regime de partido único.

Nos desafios históricos de desvendar a esgrima entre dirigentes de um universo de características bolcheviques, desponta a história de Myron Rush (1922-2018), destacado "kremlinologista".

Corria o ano de 1955, com uma luta sangrenta em Moscou pela sucessão do ditador Josef Stálin (1878-1953). Ávido leitor da imprensa soviética, Rush percebeu que, a partir de determinado momento, a expressão "primeiro-secretário", usada para descrever o cargo partidário de Nikita Khruschev, passou a ser grafada, no início, com letra maiúscula.

Rush cravou então o resultado da luta pela sucessão no Kremlin. Era o sinal da vitória de Khruschev. O "kremlinólogo" havia acertado.

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