Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Congresso do Partido Comunista deve aprofundar paradoxo da China sob Xi Jinping

Líder espera impedir repetição soviética para governar com mão de ferro uma sociedade em transformação

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Em cenário vintage, a resgatar um ritualismo bolchevique do século 20, o Partido Comunista inaugura neste domingo (16) seu 20º Congresso Nacional, marco histórico no enfrentamento do chamado "paradoxo chinês".

O evento deve anunciar a ampliação de poderes nas mãos de Xi Jinping, empenhado em manter a elite partidária no poder —tarefa cada vez mais desafiadora, devido ao avanço de mudanças profundas no país, como a expansão de classe média, a urbanização e os avanços tecnológicos.

Visitantes em frente a telão exibindo discurso do líder Xi Jinping em exposição em Pequim - Noel Celis - 12.out.22/AFP

Desde a chegada ao poder, em 2012, Xi descreveu sua missão histórica. Por um lado, manter a China na trilha de uma das mais relevantes transformações movidas a economia de mercado do panorama contemporâneo, a fim de recolocar o país na condição de potência global, status vivido séculos atrás. Por outro, acompanha a empreitada evitar a perda do férreo controle político do Partido Comunista sobre uma sociedade cada vez mais urbana, cosmopolita, tecnológica.

E o fantasma do esfarelamento do poder assombra Xi Jinping com uma referência histórica: o destino da União Soviética.

Já em dezembro de 2012, poucos meses após sua ascensão, Xi alertou para as "lições históricas" oriundas do vizinho setentrional. "Por que a União Soviética se desintegrou? Por que o Partido Comunista soviético colapsou? Uma razão importante é que seus ideais e convicções sofreram questionamentos", sustentou o dirigente durante viagem à província de Guangdong, segundo relatos divulgados à época pela mídia estrangeira.

Xi, no empenho doutrinário, defendeu a "disciplina leninista" na província a concentrar atualmente cerca de 300 mil milionários e com trepidante atividade industrial e tecnológica. Agora, às vésperas do Congresso do PC, a retórica bolchevique voltou a circular com intensidade na China em transformação.

Por ocasião do aniversário da revolução liderada por Mao Tse-tung em 1949, no último dia 1º, o líder exortou, em texto publicado numa revista partidária, os mais de 92 milhões de filiados ao PC a priorizarem a "missão histórica" e a se prepararem para as "grandes lutas" do futuro. "Nosso partido deve estar unido para liderar o povo a enfrentar os grandes desafios de forma efetiva, defender-se dos grandes riscos, superar as grandes barreiras e resolver grandes contradições", escreveu.

Na dinâmica política doméstica, Xi segue caminhos baseados na experiência soviética. Análises políticas em Pequim apontam Mikhail Gorbatchov, pai da glasnost, como responsável pela debacle, ao flexibilizar o ambiente partidário e permitir a ascensão de um rival oriundo do próprio Politburo, Boris Ieltsin.

A disputa de poder entre Gorbatchov e Ieltsin contribuiu decisivamente para a desintegração da URSS e do PC soviético, em 1991. O hoje líder chinês brande o exemplo dos tempos da glasnost para, de forma implacável, impedir o surgimento de focos de contestação ao regime, no plano partidário ou da sociedade.

Usa o argumento da "unidade partidária" para obter um eventual terceiro mandato à frente do PC e romper tradição implementada por Deng Xiaoping, arquiteto das reformas iniciadas em 1978, de limitar a dez anos a permanência no poder de um secretário-geral.

Xi Jinping, em mais cinco anos de mandarinato, assume o desafio de administrar o aprofundamento do "paradoxo chinês", ou seja, governar com mão de ferro uma sociedade com mais classe média, mais urbana e com mais tecnologia. O resultado desse processo será fundamental para o desenho do século 21.

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