Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Descrição de chapéu China

Vietnã mantém pragmatismo com EUA, mas sinaliza encanto com fórmula da China

Líder do país comunista visita Pequim, mas mudanças econômicas podem ameaçar modelo político

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Nguyen Phu Trong, principal dirigente vietnamita, atravessou salões do Grande Palácio do Povo, em Pequim, a 31 de outubro, como primeiro líder estrangeiro recebido por Xi Jinping após o encerramento do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, concluído nove dias antes. A deferência iluminou prioridades e movimentos geopolíticos nos palcos global e do Sudeste Asiático.

O Vietnã contemporâneo, ainda governado pelo Partido Comunista fundado por Ho Chi Minh (1890-1969) e com as profundas cicatrizes de um dos conflitos bélicos mais icônicos da Guerra Fria, seguiu o exemplo da China e embarcou em reformas responsáveis por engendrar uma das economias mais dinâmicas do cenário asiático.

O vietnamita Nguyen Phu Trong e o chinês Xi Jinping em cerimônia em Pequim - Yao Dawei - 31.out.22/Xinhua

Iniciada em 1986 sob o nome de "doi moi" (renovação, em vietnamita), a metamorfose resultou na criação de uma "economia socialista de mercado", rótulo oficial de um sistema alicerçado numa ousada abertura econômica acompanhada da manutenção do poder nas mãos do partido. Os vietcongues do século 21 passaram a seguir a trilha desenhada por Deng Xiaoping (1904-1997), mentor das mudanças chinesas.

Em Bancoc, poucos dias depois de seu colega secretário-geral do PC ser recepcionado por Xi, o presidente do Vietnã, Nguyen Phuc, reuniu-se com Kamala Harris, durante um fórum diplomático. Hanói sinalizava assim a manutenção da política pendular entre Pequim e Washington.

A atual flexibilidade diplomática contrasta com a rigidez da Guerra Fria, quando o Vietnã, após o triunfo comunista em 1975, encaixou-se definitivamente na órbita soviética e proporcionou a Moscou presença em estratégicos mares do Sudeste Asiático, conexão entre os oceanos Pacífico e Índico.

Porém, a debacle soviética, com a desintegração de 1991, levou o PC vietnamita a rever a cartilha. Prevaleceu, no plano doméstico, a opção por replicar a alquimia chinesa, enquanto na dimensão geopolítica verificou-se a aproximação com os EUA.

Com relações diplomáticas recuperadas em 1995, no governo Bill Clinton, Hanói avançou na estratégia de engajamento com o ex-inimigo. Almejava investimentos para impulsionar a decolagem econômica. E buscava um aliado para ajudar na desafiadora tarefa de conter o aumento do peso político, econômico e militar do gigantesco vizinho setentrional chamado China.

Rivalidades sino-vietnamitas culminaram em batalhas, por exemplo, já no século 10. Num passado recente, em 1979, uma invasão ordenada por Deng viu, ao final dos combates, os dois lados cantando vitória.

O pragmatismo do Vietnã esmaece traumas históricos e abre espaço para laços econômicos com a China, importante parceiro comercial. E, recentemente, o viés político desponta nas relações bilaterais, com festejada reunião entre os camaradas Nguyen Trong e Xi Jinping.

No âmbito político, o diálogo se aprofunda impulsionado por desafio comum: a manutenção do monopólio do poder nas mãos do Partido Comunista em sociedades como a chinesa e a vietnamita, cada vez mais modeladas por ascensão de classes médias e urbanização.

E Xi certamente detalhou ao visitante vietnamita o plano de voo: incrementar as doses de autoritarismo, para evitar a perda de controle, apesar de concessões às vezes inevitáveis, a exemplo das mudanças de Pequim nas ações de enfrentamento da pandemia.

No poder desde 2011, Nguyen sinaliza seguir os passos de Xi. A pergunta é até quando o modelo político de Hanói e de Pequim resistirá às profundas transformações sociais trazidas pelo trepidante crescimento econômico.

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