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Gideon Rachman

Mesmo bagunça democrática do Reino Unido é preferível ao autoritarismo da China

Investir cada vez mais poder nas mãos de um líder cujo julgamento já se mostrou errático é fórmula de desastre

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Gideon Rachman
Londres | Financial Times

Sentado no salão da conferência do Partido Conservador britânico em Birmingham na semana passada, minha mente vagou para outra conferência de partido que está prestes a começar, em Pequim.

O 20º Congresso do Partido Comunista Chinês será tudo o que a conferência do Partido Conservador britânico não foi: coreografado, disciplinado e unido em apoio a um líder todo-poderoso. É quase certo que Xi Jinping será nomeado para um terceiro mandato de secretário-geral —potencialmente preparando o terreno para que ele governe por toda a vida.

Quaisquer que sejam seus sentimentos particulares, os delegados do partido e a mídia chinesa elogiarão o líder Xi.

A primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, discursa em congresso do Partido Conservador - Toby Melville - 5.out.22/Reuters

O contraste com Liz Truss, a nova primeira-ministra britânica, não poderia ser mais claro. Sua conferência do partido foi um desastre. Os colegas estavam revoltados, a imprensa, desdenhosa e os mercados, em turbulência. Seu grande discurso foi interrompido por provocadores. Os delegados que viajavam de e para a conferência foram impedidos por uma greve ferroviária. Truss está no poder há pouco mais de um mês e já há especulações de que ela poderá ser forçada a sair até o Natal.

Visto de Pequim, tudo isso parece evidência de um argumento que o próprio Xi frequentemente defende: "O leste está em ascensão e o oeste está em declínio". Na visão do líder chinês, uma das principais razões dessa mudança histórica é o contraste entre a ordem do sistema político chinês e o caos da democracia liberal ocidental.

Na era pré-Xi, a linha do Partido Comunista tendia a ser que a democracia liberal não era apropriada para a China e que todas as sociedades deveriam poder se desenvolver à sua maneira. Mais recentemente, entretanto, Pequim partiu para a ofensiva ideológica. Está promovendo a ideia de um "modelo China" que o resto do mundo poderia imitar de maneira lucrativa.

Ao longo dos anos, ouvi muitos executivos ocidentais suspirarem de inveja pela capacidade da China de planejar a longo prazo. Truss e seus colegas conservadores admitem que é difícil construir uma nova infraestrutura no Reino Unido. Mas a China construiu milhares de quilômetros de novas rodovias e ferrovias de alta velocidade nos últimos 20 anos (e, curiosamente, as greves não são um grande problema nas ferrovias do país).

Em Birmingham, Truss enfatizou que seu objetivo era "crescimento, crescimento, crescimento". Isso também é algo que a China conhece um pouco. Como observa o Banco Mundial, "desde que a China começou a abrir e reformar sua economia, em 1978, o crescimento do PIB foi em média superior a 9% ao ano, e mais de 800 milhões de pessoas saíram da pobreza".

O sucesso do modelo chinês deve fornecer o cenário perfeito para Xi afirmar sua pretensão de governar no futuro distante. Mas, de modo inconveniente para ele, o crucial congresso deste mês ocorre num momento em que as começam a aparecer rachaduras no modelo chinês.

Um dos argumentos frequentemente apresentados em favor do autoritarismo chinês é que ele proporciona estabilidade política, o que permite um planejamento a longo prazo e um ambiente de negócios previsível. Mas, sob Xi, a formulação de políticas se tornou muito menos previsível.

Sua determinação de que o Partido Comunista deve monopolizar o poder o levou a entrar em conflito com algumas das empresas mais inovadoras e geradoras de riqueza da China. As políticas de Xi ajudaram a eliminar surpreendentes US$ 2 trilhões do valor das ações de tecnologia chinesas. No mês passado, foi anunciado que, pela primeira vez desde 1990, a economia chinesa deverá crescer mais lentamente do que as do restante da Ásia.

Os frequentes bloqueios exigidos pela cada vez mais controversa política de Covid zero de Xi aumentaram as tensões sociais e deprimiram a demanda do consumidor. Enquanto isso, as políticas de segurança agressivas de Xi —no mar do Sul da China e em Taiwan— contribuíram para uma forte deterioração das relações com os EUA.

Isso significa que a China agora está presa numa guerra comercial intensificada com Washington. A repressão de Xi a Hong Kong causou o êxodo de mais de 100 mil moradores, muitos dos quais escolheram viver no inferno que é o Reino Unido moderno.

Enquanto isso, a quebra há muito prevista do mercado imobiliário chinês está finalmente acontecendo (enquanto o Reino Unido construiu poucas casas, a China construiu demais). Isso ameaça a riqueza corporativa e pessoal e a estabilidade do sistema financeiro chinês.

Em uma sociedade democrática, um líder com o histórico duvidoso de Xi estaria aberto a contestação e deposição. Na China de hoje, porém, é impossível ter um debate aberto sobre o que Xi acertou ou errou. Sua recondução nesta semana é principalmente um sinal de seu sucesso em centralizar o poder e suprimir a oposição.

Só para garantir, houve uma intensificação da repressão no período que antecedeu o congresso. Ao contrário de Truss, seu discurso não será interrompido por pessoas gritando: "Quem votou nisso?"

Manifestantes do Greenpeace exibem cartaz com a pergunta 'quem votou por isso?' em conferência do Partido Conservador britânico, em Birmingham - Toby Melville - 5.out.22/Reuters

As frequentes mudanças de líder em Londres fazem o país parecer instável. Uma nova mudança de primeiro-ministro confirmará essa impressão e não será garantia de que tempos melhores estão próximos.

A bagunça britânica é, no entanto, muito menos assustadora e perigosa do que o modelo chinês. Xi já é o líder chinês mais poderoso desde Mao Tse-tung. Ele sairá do congresso do partido com ainda mais autoridade. Mas investir cada vez mais poder nas mãos de um líder cujo julgamento já se mostrou errático é uma fórmula de desastre. Basta perguntar aos russos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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