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Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Danielle Brant

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Esquerda tem que se reaproximar de sertanejos, diz coordenador de mobilização popular de Lula

João Paulo Rodrigues, líder nacional do MST, diz que campanha petista deverá ter forte componente emocional

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São Paulo

Coordenador nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), João Paulo Rodrigues é uma das novas lideranças da esquerda mais próximas de Lula (PT) nos últimos anos. Foi um dos últimos convocados pelo ex-presidente para visitá-lo em seu período na prisão e, mais recentemente, fez parte do enxuto time de convidados ao casamento com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja.

Sua trajetória no movimento sem terra e a proximidade com o petista o alçaram à posição de responsável pela mobilização popular na coordenação de campanha do petista. Na função, ele tem o papel de intermediar a relação do núcleo político-partidário com os movimentos populares e elaborar estratégias de disseminação do nome de Lula para além dos marcos da comunicação oficial.

João Paulo Rodrigues, coordenador do MST e membro da coordenação de campanha do Lula, durante entrevista entrevista à Folha
João Paulo Rodrigues, coordenador do MST e membro da coordenação de campanha do Lula, durante entrevista entrevista à Folha - Bruno Santos/ Folhapress

Em entrevista à Folha, Rodrigues avalia que o bolsonarismo consolidou-se como uma cultura forte, alicerçada no agronegócio, nos clubes de tiro e nos músicos sertanejos. Para contrapor-se a ela, diz, será necessário construir uma candidatura com forte componente emocional, apoio de artistas e uma estética própria. Ele defende que a esquerda tente atrair parcela dos sertanejos.

Sobre o MST, diz que o movimento reduziu drasticamente ocupações sob Jair Bolsonaro (PL) porque nunca houve perspectiva de que fossem assentados neste governo, mas que o grupo não perdeu força. Em caso de vitória de Lula, prevê dificuldades econômicas para que o novo governo avance na reforma agrária e no crédito no campo e advoga pela criação de um ministério da Agricultura e dos Alimentos.

O MST avalizou a escolha de Geraldo Alckmin (PSB) como vice de Lula (PT). Como está a relação hoje? Acho que tem uma relação muito cordial da parte dele e com muitas surpresas. Ele sempre teve um discurso voltado para a questão fiscal. Era a grande preocupação dele. Se você for ver a fala que ele fez na indicação dele e do Lula em São Paulo para a candidatura, ele já coloca menos tinta na questão fiscal e já coloca na questão social. Acho que ele ajustou com muita rapidez o discurso dele.

Ele mudou? É cedo para dizer isso. Perguntei para ele na semana passada: ‘o que o senhor está vendo agora deste lado da política?’ Ele pensou e disse: ‘aqui vocês estão mais próximos do povo, e eu estou me sentindo mais próximo do povo’. Alckmin teve um banho de povo em quatro meses que não teve como governador ou candidato. Esse banho fez ele mudar. Mas é cedo para dizer o que mudou no olhar dele sobre governo e gestão pública. Mudou a sensibilidade.

Qual será seu papel na campanha do Lula? Fui convidado a coordenar, junto com mais outras duas companheiras, a equipe nacional de mobilização. A campanha tem cinco grandes áreas executivas: a comunicação, a tesouraria, a equipe de agenda, o programa de governo e a equipe de mobilização. É um tripé, movimento popular, movimento sindical e partido, justamente para ajudar a organizar a área de mobilização.

O que o sr. está pensando em termos de estratégia de mobilização? O primeiro é constituir uma equipe nacional, que será formada por dois grandes espaços. Primeiro, os partidos aliados. Cada partido indicará um dirigente. Uns com mais experiência, como PCdoB, outros que ainda não sabem como fazer mobilizações.

O segundo são os setoriais políticos. São mais ou menos 13 que envolvem organizações da classe trabalhadora. Movimentos da cidade, juventude, LGBTQIA+, igualdade racial, evangélicos e inter-religiosos, entre outros. Também nos interessa a articulação com as organizadas antifascistas.

Queremos ter todos os meses o sábado de mutirão com Lula, fazendo tudo, desde a bandeira vermelha, branca ou colorida na janela até adesivaço, bandeiraço, trabalho de base. E isso vai criando um clima, o povo tem que se mostrar.

O ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), vice na pré-candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), vice na pré-candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Zanone Fraissat-12.abr.2022/Folhapress

Como será a relação com os artistas? Acho que vamos ter que envolver mais esse campo da arte, pensar em uma estética. Queremos fazer uma campanha que seja mais colorida, que tenha mais arte, para ter uma estética bonita. Não queremos uma campanha que seja só comício em carro de som.

Vamos ter que enfrentar um inimigo que avançou na comunicação e avançou muito na cultura. O bolsonarismo é uma cultura forte. Uma cultura da arma, dos clubes de tiro. A cultura do sertanejo com Bolsonaro leva músicas.

A cultura tem que ter produção de conteúdo, responder o que na prática é esperança, o que é o amor. Traduzir isso na campanha.

E como fazer isso? Vamos ter que transformar em uma campanha que trabalha o componente emocional. Uma combinação da campanha de 1989 com a campanha de segundo turno da Dilma [Rousseff] contra o Aécio [Neves, PSDB], em 2014. Foram os dois momentos altos de campanha, de movimento de rua. Esse é o desafio para ganhar corações e mentes.

Não é mais factível fazer campanha só com pauta de reivindicação econômica. Uma nova geração, o novo time da política, quer mais do que isso.

Estamos com uma ideia de que em todos os estados que Lula visitar vai fazer encontro estadual com povo da arte e da cultura. No Rio Grande do Sul foi assim já, uma coisa linda e que não tinha antes. E essa é uma contribuição da Janja, essa sensibilidade de falar com artistas, não só com movimento cultural. Tem que falar com Daniela Mercury, com Paulinho da Viola. Essa é uma novidade.

Estamos avançando, mas olhe o exemplo dos alimentos saudáveis. É uma posição política, mas você pode fazer ela de várias formas. Desde os jantares solidários com Lula, encontros de chefs com Lula, distribuição de comida com Lula. Fazer coisas no cotidiano que dão mais conteúdo de mobilização popular.

Como vocês encaram a relação entre Bolsonaro, o agronegócio e o sertanejo e como isso será abordado durante a campanha? O sertanejo é uma produção cultural importante, é arte e tem muita gente séria. Nosso povo gosta, eu sou um amante dela. Hoje, você tem duas grandes expressões da cultura na contradição brasileira. Uma delas é o funk, que é a contradição produzida nas periferias brasileiras.

O sertanejo está muito atrelado a uma política de hegemonia cultural. Eles têm os produtos, o agro, a música, os deputados e todo um jeito de lidar com a população. Foi um projeto pensado. Você não pode falar mal do agro para uma empregada doméstica no interior do país. Ela diz que é agro, porque come do agro, que os amigos trabalham no agro de peão, que ouve as músicas do agro nas grandes feiras agropecuárias. Tudo isso que deu na estética do agro.

O Bolsonaro se apossou dessa política de maneira oportunista. O Bolsonaro é um 'milico' do litoral, não tem nada a ver com terra. O Bolsonaro foi com o objetivo de ganhar dinheiro, e o agro, com o objetivo de ter arma e dinheiro. Dois grupos oportunistas que se juntaram.

E qual é a alternativa que a campanha pode apresentar? Nós precisamos, no próximo período, trazer uma parte do sertanejo para a esquerda. Isso faz falta. O funk está muito mais progressista. Nas décadas de 1970 e 1980, foi o samba. Agepê, Martinho da Vila. A cultura de resistência da periferia hoje é o funk. Já foi o rap, na década de 1990. No interior, foi migrando da música caipira até chegar no que tem hoje, que é o que tem de mais conservador, uma nova geração que não quer saber de nada, só de ganhar dinheiro. E o Bolsonaro dando ideologia para eles, o que é grave. A esquerda precisa olhar para isso.

Volta, Zezé Di Camargo e Luciano, a fazer campanha com a gente. Precisamos ter figuras como essas. Precisamos identificar como lidar com isso. O que não podemos é jogar todos para o lado de lá. Aí é erro. Temos que dividi-los. Temos que ter o agro dos alimentos com a gente. Deixar com eles só os sertanejos dos improdutivos. Eles pegaram todo o sertanejo. Temos que trazer para cá. Então volta Zezé di Camargo e Luciano, como figura de linguagem.

Como vai ser a articulação com artistas na campanha? Cuidadosa. Não queremos que seja uma relação utilitarista. Será uma relação deles conosco, e não o contrário. Queremos os artistas na campanha, mas queremos que participem do debate, que falem, por exemplo, de alternativas à Lei Rouanet. Eles têm que falar sobre isso, não queremos que só emprestem a voz. Eles que vão definir a relação conosco, e nós vamos achar meios de inclui-los nas pautas.

"Estamos comprometidos com a soberania alimentar, com o avanço da reforma agrária e com a elevação da produtividade de alimentos". Esse é o trecho do esboço de programa de governo do Lula a respeito do tema prioritário do MST, a reforma agrária. O que mais precisa conter a versão final do programa? O programa do campo tem que ter democratização das terras e produção de alimentos. Temos que ter Ministério da Agricultura e dos Alimentos. Agricultura não pode ser produzir só eucalipto e cana de açúcar. Isso é legal, mas prioritário é comida para a população, baixar preço dos alimentos em abundância.

Temos o problema climático, diminuiu a área plantada e temos problemas de infraestrutura. O Brasil vai ter que resolver isso. E tem a questão ambiental, que vamos ter que tratar com muito carinho. Por exemplo, as frutas produzidas no Brasil utilizam uma taxa significativa de veneno, mesmo os pequenos agricultores. O grosso da proposta da reforma agrária passa pelo tripé alimentos, terra e ambiente.

A Folha fez uma reportagem mostrando que líderes do agro colocam o 'combate ao MST' como um dos motivos para apoiarem Bolsonaro. Ao mesmo tempo, a campanha tenta estabelecer uma ponte com o agronegócio. Como conciliar isso? Acho que o agro que quer se relacionar com o Lula já se relacionou com o MST por 12 anos. Ele aumentou sua produção, o MST aumentou a sua quantidade de gente assentada e nem por isso houve problema. O agro que não quer relacionar com o Lula e quer com o Bolsonaro é o que quer acabar com o MST. Esse setor não nos interessa. É o setor atrasado da agricultura, dos latifúndios improdutivos. É o mesmo que quer matar índio, poluir rio e desmatar a Amazônia.

O MST tem tranquilidade em dizer que é importante que o Lula procure setores da agroindústria. O setor que só vende grãos para exportação pouco interessa para o Brasil. É meia dúzia de fazendeiros que tem 70% do que se produz no agro. Agora, o povo do frango, dos suínos, da fruticultura, do arroz, é o setor que no passado era chamado de agroindústria. Tem que ter política pública bem resolvida para eles.

Agronegócio é um modelo ideológico que produz monocultura e exportação de commodities. Eu brinco e chamo os pequenos de agronegocinho. Não exportam, o problema deles é resolver o problema do mercado nacional. Queremos fazer ponte com o setor agroalimentar.

Segundo os balanços do Incra, apenas 11 invasões de terras aconteceram no ano passado. Em 2020 foram seis. Em 2019, sete. São números que destoam muito em relação aos presidentes anteriores. Por que houve essa redução tão drástica? Três motivos. O primeiro, as famílias só ocupam a terra se a perspectiva de ela sair. Ninguém vai lá, ocupa e vai embora. O Bolsonaro disse no começo do governo que não iria assentar. Fizemos esse debate e decidimos que não vamos expor as famílias à violência do bolsonarismo só para dizer que existimos. O segundo, a pandemia.

O terceiro motivo é que utilizamos esse período para organizar os assentamentos existentes com a parte da produção agrícola. Tínhamos dificuldade de implementar uma nova matriz tecnológica, que pudesse pegar assentamento e transformar numa produção de alimentos agroecológicos.

Foram longos quatro anos sem fazer ocupações de terra, mas isso em nada mudou o tamanho do MST.

Qual é a expectativa do MST em relação a um novo governo Lula? Acho que vai ser um governo fantástico do ponto de vista político. Um governo mais democrático, vai fazer um debate sobre soberania e democracia. Vai entrar em uma fase crescente de politizar uma nova geração. Vai ter que formar em quatro anos uma nova geração de gestores.

Agora, tenho dúvida se será um governo melhor do ponto de vista econômico. O Bolsonaro quebrou o país. Nós não vamos ter maioria para resolver no curto prazo as questões econômicas. É um governo que vai ser melhor do que o do Bolsonaro, mas que não vai ter as mesmas condições de crescimento de 7% ao ano.

Por isso, não tenho expectativa de que o Lula vá resolver da noite para o dia o problema da terra e do crédito. A conta não fecha. Agora, que ele vai trazer a questão agrária e do meio ambiente para o centro da pauta eu não tenho dúvida.

João Paulo Rodrigues, coordenador do MST e membro da coordenação de campanha do Lula, durante entrevista à Folha
João Paulo Rodrigues, coordenador do MST e membro da coordenação de campanha do Lula, durante entrevista à Folha - Bruno Santos/Folhapress

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