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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Parcerias e articulação com Estado dão escala a ações sociais, diz dirigente de fundação

Para Mariana Almeida, da Tide Setubal, pandemia chamou atenção de empresas e doadores para desigualdades

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São Paulo

A devastação causada pela pandemia do coronavírus estimulou uma onda de doações do setor privado para ações sociais neste ano. A Associação Brasileira de Captadores de Recursos contabilizou mais de R$ 6,5 bilhões em contribuições, vindas de 554 mil doadores.

Para a economista Mariana Almeida, superintendente da Fundação Tide Setubal, a crise sanitária chamou a atenção das pessoas para desigualdades que desde sempre marcaram a sociedade brasileira e levou organizações como a que ela integra a buscar novas estratégias para enfrentá-las.

Lançado pela fundação em parceria com a plataforma de financiamento coletivo Benfeitoria e outras organizações, o programa Matchfunding Enfrente captou mais de R$ 7 milhões para projetos nas periferias das grandes cidades, contribuindo com R$ 2 para cada R$ 1 arrecadado na internet.

Mulher jovem sorrindo para a câmera no corredor da área externa de uma casa com paredes de tijolos aparentes.
A economista Mariana Almeida, superintendente da Fundação Tide Setubal, que apoiou organizações nas periferias das grandes cidades durante a pandemia. - Renato Stockler/Na Lata/Folhapress

O que as doações na pandemia ensinaram ao terceiro setor? Pessoas que já investiam na área social aceleraram doações e iniciaram um processo de questionamento de suas premissas. Outras começaram a doar na pandemia e agora procuram se estruturar para fazer isso melhor.

Por décadas, a filantropia buscou se afastar do assistencialismo para investir em ações de caráter mais estratégico. A pandemia mostrou que a assistência ainda é muito necessária para uma grande parcela da população, que era invisível até mesmo para organizações que trabalham há muito tempo nessa área.

Não dá para transformar as pessoas em empreendedoras de uma hora para outra se estão passando fome, ou se nunca tiveram condições básicas para ter acesso à educação.

A pandemia também mostrou a importância de trabalhar em rede e ampliar conexões. E deixou claro que, para ganhar escala, muitas iniciativas precisam ter articulação com o Estado e envolvimento com políticas públicas.

Como? Não se resolve tudo só com dinheiro. Nunca vamos conseguir arrecadar o suficiente para resolver problemas como a fome, ou a falta de acolhimento para a população que vive na rua. Mas podemos criar ferramentas que ajudem o Estado a identificar necessidades e desenvolver uma lógica mais eficaz para a distribuição de seus serviços.

Quem são os novos doadores? Há pessoas de classe média, sem grandes posses, que se mobilizaram para doar parte do salário, com contribuições de pequeno valor, mas contínuas. São pessoas que tiveram sua sensibilidade despertada para a questão social e acham que precisam fazer algo mesmo sem possuir renda muito elevada.

Nas classes mais altas, muita gente não sabia o que fazer nem tinha identificação forte com causas específicas, mas estava disposta a ajudar na emergência, principalmente na distribuição de alimentos e no apoio ao sistema de saúde.

Como manter o engajamento dessas pessoas? Elas estão mais atentas para as nossas desigualdades. Ficou claro que a situação já era ruim antes e ninguém estava vendo. Todo mundo sabia que a falta de saneamento básico era um problema, mas a pandemia fez perceber que muita gente não tinha como lavar as mãos em casa para se proteger.

Há também uma preocupação maior com outros temas, como as dificuldades de acesso à internet, que prejudicaram muitas crianças com o fechamento das escolas.

O que aprenderam com a seleção dos projetos que ajudaram a financiar? É sempre dolorido escolher, ainda mais numa pandemia. Mas ficou mais claro que é importante desburocratizar os nossos processos de seleção. É cruel exigir desses grupos uma infinidade de documentos e formulários para depois dizer que não haverá dinheiro.

Ampliar redes de contato com as comunidades que queremos atingir também foi muito importante, porque permitiu acelerar processos numa situação de emergência e identificar bons projetos que estavam fora do nosso radar. Às vezes, com uma rede pequena, você perde ótimos projetos porque os responsáveis simplesmente não conseguem preencher um formulário.

Muitas organizações também se surpreenderam com a capacidade de arrecadar fundos em suas redes e sensibilizar as pessoas com suas histórias. Muitas nem imaginavam como os mecanismos de financiamento coletivo podem ser importantes. Recebemos doações de 36 países diferentes.

As doações diminuíram nos últimos meses? Houve uma queda entre agosto e setembro. Muitos doadores trabalharam como se a pandemia fosse um evento de curto prazo, concentrando esforços nos primeiros meses. Houve uma acomodação, mas não estamos na estaca zero. Antigos e novos doadores já começaram a pensar no próximo ano.

Há algo que os governos deveriam fazer? Não perseguir nem deslegitimar o terceiro setor já ajudaria bastante. As organizações sociais demonstraram força neste ano, mas muitos continuam tratando o setor como se fosse uma fonte de desvios. Perdemos muito tempo com isso. O melhor seria tirar o máximo da relação de cooperação que essas organizações desenvolveram com governos locais na pandemia.

As empresas também foram chacoalhadas. Estão refletindo sobre o que produzem e como produzem, e seu impacto na sociedade. Algumas passaram a produzir coisas diferentes. Muitas estão percebendo que podem contribuir de outras formas também.

Mariana Neubern de Souza Almeida, 38

Formada em economia e relações internacionais, é mestre em economia pela PUC de São Paulo e doutora pela USP. Trabalhou com projetos de economia solidária e ocupou cargos de direção e assessoria na Prefeitura de São Paulo, na gestão Fernando Haddad (PT), de 2013 a 2016.

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