Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Cinco discursos políticos podem ser boa leitura no Dia de Ação de Graças

Data ecoa resultado das midterms e remete à tradição de transição pacífica entre mandatários

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The New York Times

Sempre aprecio o Dia de Ação de Graças, mas terei prazer especial na festa deste ano, à luz das midterms. Elas trouxeram à tona algo belo, decente e de importância vital na alma dos EUA. Foi uma disposição de defender o cerne da democracia —a capacidade de transferir o poder de maneira pacífica e legítima— quando ele esteve sob ameaça iminente de Donald Trump e seus imitadores.

Tivéssemos perdido nosso engajamento com a obrigação solene de um partido entregar o poder a outro sem confusão, estaríamos completamente perdidos hoje, como país. Em vez disso, a democracia foi reafirmada.

Um número suficiente de americanos —eleitores republicanos, democratas e independentes que se pautam por seus princípios— examinaram as cédulas e rejeitaram quase todos os principais trumpistas negacionistas eleitorais que eram candidatos aos mais importantes cargos estaduais e federais.

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Americano arruma mesa para celebração do Dia de Ação de Graças, em Kingston, no estado de Nova York - Lauren Lancaster - 27.nov.19/The New York Times

Por "terem usado as ferramentas da democracia para proteger a democracia", conforme o Vox, eles reconectaram o país com algo profundo —o princípio de que perdedores devem admitir a derrota com elegância e passar para a etapa seguinte, enquanto vencedores devem ganhar com elegância e governar. Para festejar essa tradição, ofereço cinco leituras para a mesa do Dia de Ação de Graças.

Discurso de despedida do presidente George Washington

  • 19.set.1796. Washington explica que não buscaria um terceiro mandato e apresenta as lições mais importantes que aprendera

A unidade do governo que os torna um só povo agora é cara também aos senhores. E é justo que assim seja; pois ela é um dos pilares principais da construção de sua independência real, o esteio de sua tranquilidade em casa, de sua paz no exterior, de sua segurança, de sua prosperidade, da própria liberdade que os senhores tanto prezam.

Os senhores devem estimar corretamente o imenso valor que sua união nacional tem para sua felicidade coletiva e individual. [...] Com motivos tão potentes e evidentes em favor da união afetando todas as partes de nosso país [...] sempre haverá razão para desconfiar do patriotismo daqueles que possam em qualquer parte esforçar-se para enfraquecer seus elos.

A base de nossos sistemas políticos é o direito do povo de redigir e alterar suas constituições de governo. Mas a obediência à Constituição que existe em qualquer momento dado, enquanto não for modificada por um ato explícito e autêntico do povo inteiro, é dever sagrado de todos. A própria ideia do poder e do direito do povo de estabelecer um governo pressupõe o dever de cada indivíduo de obedecer ao governo estabelecido.

Discurso de Al Gore admitindo sua derrota

  • 13.dez.2000. Al Gore reconhece o resultado depois de a Suprema Corte declarar a vitória de George W. Bush na eleição presidencial de 2000

Boa noite. Momentos atrás conversei com George W. Bush e o parabenizei por se tornar o 43º presidente dos Estados Unidos. [...] Quase um século e meio atrás, o senador Stephen Douglas disse a Abraham Lincoln, que acabara de derrotá-lo para a Presidência: "O sentimento partidário deve ceder ao patriotismo. Estou com o senhor, presidente, e que Deus o abençoe".

Bem, nesse mesmo espírito, digo ao presidente eleito Bush que o que resta de rancor partidário precisa agora ser posto de lado e que Deus abençoe sua administração deste país. Nem ele nem eu previmos essa estrada longa e difícil. É certo que nenhum de nós dois desejava que isso acontecesse. Mas aconteceu e agora se encerrou, tendo sido resolvido, como deve obrigatoriamente ser, por meio das instituições honradas de nossa democracia.

A Suprema Corte dos EUA se pronunciou. Que não reste dúvida: embora eu discorde fortemente da decisão da corte, eu a aceito. Aceito o caráter final desse resultado, que será ratificado na próxima segunda-feira pelo Colégio Eleitoral. E hoje, em nome de nossa unidade como um povo e em nome da força de nossa democracia, ofereço meu reconhecimento de derrota.

Também aceito minha responsabilidade, que cumprirei incondicionalmente, de honrar o novo presidente eleito e fazer todo o possível para ajudar a unir os americanos na realização da visão grandiosa que nossa Declaração de Independência delineia e que nossa Constituição afirma e defende.

Estes são os EUA, e nós priorizamos o país, não o partido; ficaremos unidos atrás de nosso novo presidente. […] Quanto à batalha que se encerra, acredito que, como disse meu pai certa vez, "por dura que possa ser a perda, a derrota serve tão bem quanto a vitória para moldar a alma e deixar a glória brilhar".

E agora, meus amigos, para usar uma frase que eu certa vez dirigi a outros: é hora de eu ir embora.

Pronunciamento de George W. Bush em sua vitória

  • 13.dez.2000. Bush aceita o reconhecimento da derrota de Al Gore

O vice-presidente Al Gore e eu investimos nossos corações e esperanças em nossas campanhas. Demos tudo de nós. Compartilhamos emoções semelhantes, de modo que compreendo como esse momento deve ser difícil para o vice-presidente Gore e sua família. Ele possui um histórico eminente de serviços prestados ao nosso país como deputado, senador e vice-presidente.

Nesta noite recebi um telefonema cortês do vice-presidente. Concordamos em nos encontrar em Washington no começo da próxima semana e concordamos em fazer tudo que está ao nosso alcance para curar as feridas de nosso país após essa disputa tão arduamente travada.

Nesta noite quero agradecer aos milhares de voluntários e funcionários de campanha que trabalharam tão arduamente em meu nome. Também saúdo o vice-presidente e seus apoiadores por travarem uma campanha cheia de entusiasmo. E agradeço a ele por um telefonema que sei que foi difícil fazer.

Tenho outra coisa a pedir a vocês, a pedir a cada americano. Peço que vocês orem por esta grande nação. Peço suas orações pelos líderes de ambos os partidos. Agradeço a vocês por suas orações por mim e minha família e peço que orem pelo vice-presidente Gore e por sua família.

Trecho do livro de memórias de Barack Obama

  • 27.abr.2011. Obama compartilha seis palavras com sua equipe

Em seu livro de memórias "Uma Terra Prometida", o ex-presidente Barack Obama relembrou o episódio, ocorrido depois de dar uma entrevista coletiva na Casa Branca anunciando a divulgação de sua certidão de nascimento completa, para acabar com as declarações falsas, mas perturbadoras, feitas por Trump e outros "pregoeiros de parque de diversões" de que ele não teria nascido nos EUA:

"Saí pela porta deslizante que leva de volta às salas da equipe de comunicações, onde encontrei um grupo de membros juniores de nossa assessoria de imprensa que tinham assistido à minha fala num monitor de TV. Todos pareciam estar na casa dos 20 anos. Alguns deles haviam trabalhado em minha campanha; outros haviam entrado para a administração apenas recentemente, atraídos pela ideia de servir a seu país. Parei e fiz contato olho a olho com cada um deles.

'Somos melhores que isso', falei. 'Lembrem-se disso.'"

Fala de Liz Cheney em audiência pública sobre o 6 de Janeiro

"Nesta noite vou descrever para vocês algo do que nosso comitê trouxe à tona e destacar as descobertas iniciais que vocês verão nesse mês de audiências. Enquanto vocês ouvem isso, todos os americanos devem guardar em mente o seguinte fato: na manhã de 6 de janeiro, a intenção do presidente Donald Trump era continuar sendo presidente dos Estados Unidos, apesar do resultado legítimo da eleição de 2020, violando sua obrigação constitucional de abrir mão do poder.

Ao longo de vários meses, Donald Trump comandou e coordenou um plano sofisticado em sete partes para derrubar a eleição presidencial e impedir a transferência do poder presidencial. Em nossas audiências vocês verão evidências de cada elemento desse plano.

Há uma razão por que as pessoas que servem em nosso governo prestam um juramento de obediência à Constituição. Como reconheceram os fundadores da nação, a democracia é frágil. As pessoas em cargos de confiança pública têm o dever de defendê-la —de adiantar-se quando uma ação se faz necessária. […] Esse juramento deve significar alguma coisa.

Nesta noite, digo o seguinte a meus colegas republicanos que defendem o indefensável: chegará um dia em que Donald Trump terá partido, mas a desonra de vocês vai permanecer."

Em julho de 2021, entrevistei Liz Cheney diante de uma plateia. Embora discordássemos sobre muitas questões de política pública, fiquei profundamente impressionado com a disposição dela de arriscar sua cadeira no Congresso para defender a Constituição contra os ataques de Trump —algo que tão poucos republicanos estavam dispostos a fazer.

No final, simplesmente balancei a cabeça e perguntei como era possível que havia apenas uma Liz Cheney. Ela respondeu simplesmente balançando a cabeça.

Bem, acabou ficando claro que Cheney tinha muito mais apoiadores do que pensávamos. As midterms mostraram que a mensagem dela —e de outros líderes íntegros— foi ouvida por americanos em número suficiente para fazerem uma diferença. E ela foi ouvida precisamente porque representa algo de profundo na história de nosso país. Por isso, temos muito a agradecer neste ano.

Deus abençoe os EUA, e um feliz Dia de Ação de Graças.

Tradução de Clara Allain

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