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Nova moda entre paulistanos, 'hot ioga' carece de evidências científicas

Prática pode ser danosa para pessoas com doenças cardíacas, pressão alta ou problemas nas articulações

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São Paulo

Um novo tipo de exercício tem conquistado os paulistanos. Em salas ambientadas com baixa iluminação, controle de umidade e ajuste de temperatura a 40ºC ocorre a prática da chamada hot ioga. Segundo os entusiastas, a modalidade contribui para a eliminação de toxinas e a flexibilidade do corpo, bem como a própria realização das posturas.

A prática, porém, carece de evidências científicas que atestem esses benefícios. E para algumas pessoas com problemas prévios de saúde, pode até ser perigosa.

Segundo especialistas, o calor pode provocar vasodilatação, elevando a pressão sanguínea. Em pessoas com condições prévias como hipertensão arterial ou problemas cardíacos, sintomas como desmaios, arritmias e palpitações podem ser agravados.

Mulher fazendo posição de yoga
Mulher durante prática de ioga - Adobe Stock

Não há evidência científica que comprove que a prática de hot ioga elimine toxinas e impurezas.

"Isso de eliminar impurezas é bobagem. Não existem estudos científicos que afirmam isso, mas, para além da ausência de evidência, do ponto de vista fisiológico, não há nenhuma ativação de determinados mecanismos para eliminação de toxinas", afirma o cardiologista José Roberto Fonseca, do Hospital Samaritano em São Paulo e do Hospital Nipo-Brasileiro.

Ele ressalta que pessoas com condições cardíacas prévias ou pressão alta devem, primeiro, procurar um médico para avaliar se estão liberadas para o exercício. "Como a prática exige fazer posições e trabalha força, resistência e aumenta a frequência do coração, pode ter também um aumento da pressão e a desidratação no ambiente quente."

O hot ioga não é um tipo novo de ioga. Criada na década de 1970 pelo instrutor e mestre indiano Bikram Choudhury acusado de praticar assédio sexual e estuprar alunas—, a prática, batizada originalmente de Bikram Yoga (em homenagem ao seu criador) tem como objetivo replicar o clima indiano ao longo de 26 posturas em salas com temperatura de até 41ºC e 40% de umidade relativa do ar.

A modalidade se tornou febre nos Estados Unidos durante os anos 1990 e 2000. Após o escândalo de abuso sexual, porém, muitos estúdios tentaram dissociar a prática de Bikram Choudhury, e o hot ioga é hoje uma versão "atenuada", com mais posições da modalidade Vyniasa do ioga, que foca a sincronia da respiração com os movimentos.

Leandro Baroni Pontes, professor de educação física e mestre pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP), lembra que a prática de exercícios de mobilidade e flexibilidade contribui para o alongamento. "Não há nenhuma evidência do benefício do aquecimento da sala para maior flexibilidade. O que ocorre nessa prática é um aquecimento passivo devido à alta produção de calor, semelhante ao efeito de tomar um banho quente", diz.

Ele também atua como profissional no The Pilates Studio e ressalta a importância de acompanhamento para a prática de atividade física.

"É importante passar com um profissional antes da prática, já que existem questões individuais quanto ao limite do alongamento muscular e, no caso do ioga e suas variações, aqueles que possuem patologias músculo-esqueléticas, como rompimento parcial de tendões, fraturas ósseas com menos de três meses, inflamação ou degeneração de discos vertebrais, precisam passar por uma avaliação clínica", afirma.

Na literatura científica há poucas pesquisas sobre hot ioga.

Estudo de 2019 publicado na revista da Associação Americana do Coração analisou se a prática de hot ioga ajudava a reduzir a pressão sanguínea em indivíduos com histórico de hipertensão arterial. Após 12 semanas praticando três ou mais vezes por semana, os praticantes tiveram uma queda na pressão sistólica média de 126 mmHg para 121, e diastólica de 82 para 79 mmHg.

O estudo, porém, avaliou apenas dez adultos, um número muito baixo e sem relevância estatística, avalia Fonseca. "Do ponto de vista estatístico, é irrisório. Fora que o observado foi algo já esperado, que é a redução da pressão em um ambiente aquecido", afirma.

Segundo Ana Clara Ribeiro Gazeta, reumatologista e mestranda na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a prática de ioga por si só já traz benefícios como melhora do equilíbrio, da flexibilidade e dos níveis de estresse e ansiedade.

"Como em qualquer tipo de atividade física, existe um risco de lesão caso haja excesso de treino, com um alerta para pessoas com hipermobilidade —muito comum em estúdios de ioga—, que precisam proteger as articulações com maior atenção", explica.

Ela lembra, ainda, um caso reportado de convulsões devido à ingestão em excesso (3,5 litros) de líquidos para repor os sais perdidos na aula. "Como existe uma perda considerável de líquidos [pelo suor], existem os riscos de alterações momentâneas do equilíbrio fisiológico, mas eles são de importância mínima quando avaliada a literatura médica."

HOT IOGA NO BRASIL

O hot ioga apareceu no Brasil em 2013 com a marca Hot Yoga, ainda inspirada na técnica de Bikram. Uma década depois, a Vidya Studio, que faz parte do Grupo Smart Fit, já se espalhou pelo país com unidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Goiânia. Segundo a empresa, há mais de cem mil usuários cadastrados na base de dados, e a receita mensal das franquias é de R$ 100 mil a R$ 150 mil.

A empresa afirmou, em nota, que a prática "potencializa todos os benefícios obtidos do ioga tradicional" e que o "calor deixa o exercício ainda mais eficaz, estimulando o organismo a funcionar ainda mais intensamente". Disse, também, que a sala aquecida "diminui os níveis de adrenalina e noradrenalina e os sintomas de depressão (...), aumenta a circulação sanguínea e diminui a pressão arterial". "Por conta do ambiente com alta temperatura, promove maior gasto calórico, facilitando a queima de gordura", acrescentou.

Por fim, disse que, como toda atividade física, "existem pessoas que são mais sensíveis a temperaturas elevadas (...) com maior risco de passar mal durante a prática, sofrendo com náuseas e tonturas durante a maioria ou todas as aulas" e que a prática é contraindicada para gestantes. Entre as recomendações estão hidratação antes e depois da prática, fazer refeições leves pelo menos de uma a duas horas antes e usar roupas leves e confortáveis.


DICAS PARA A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA

Antes da prática

  • Consultar um médico para ver a necessidade de exames para avaliar, por exemplo, condições cardiovasculares prévias
  • Se tiver diagnóstico hipertensão ou doença cardiovascular, passar por acompanhamento com seu cardiologista para liberação da prática
  • Caso tenha alguma vez sofrido com rompimento de tendões ou articulações, fraturas ósseas ou outras condições que podem danificar o sistema músculo-esquelético, como osteoporose, passar também por avaliação médica

Durante a prática

  • Seguir as recomendações do profissional de educação física para a prática correta das posturas
  • Manter-se sempre hidratado
  • Evitar o uso de roupas quentes ou de tecidos que não permitam a transpiração
  • Ao menor sinal de mal-estar, parar imediatamente a prática e procurar assistência médica

Depois da prática

  • Repor os sais perdidos com a ingestão de bebidas com alta concentração de eletrólitos, mas cuidado com a ingestão em excesso (hiperidratação)
  • Fazer refeições leves e, de preferência, evitar alimentos gordurosos ou que provoquem ainda mais aumento de temperatura
  • Procurar não fazer o chamado "overtraining", que é o excesso de atividade física em um mesmo dia
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