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Hoje tormenta, futebol foi trunfo para presidente do Chile se eleger

Criticado por atletas, Piñera mudou legislação e chegou a ser dono do Colo-Colo

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São Paulo

Se atualmente jogadores de futebol chilenos se posicionam majoritariamente contra o atual presidente do país, Sebastián Piñera, 69, na onda de protestos que toma conta do país, anos atrás o esporte foi um dos trunfos do político para chegar ao poder.

Em 2006, após perder as eleições presidenciais para Michelle Bachelet, Piñera se tornou dono do Colo-Colo. Quatro anos depois, quando conseguiu se eleger pela primeira vez, levou o presidente do clube, Gabriel Ruiz-Tagle, para ser diretor nacional de Esporte e depois ministro da pasta.

Pouco importou o fato de ser um torcedor conhecido do rival Universidad Católica. O empresário sempre viu o futebol como um negócio.

Protestante com a camisa do Colo-Colo e uma máscara escrito "sem mais mortes", durante as manifestações contra o presidente Piñera, no Chile
Protestante com a camisa do Colo-Colo e uma máscara escrito "sem mais mortes", durante as manifestações contra o presidente Piñera, no Chile - Martin Bernetti - 29.out.2019/AFP

“Era evidente sua intenção de usar o Colo-Colo como plataforma política. É a equipe mais popular do país, e ele a usou para alcançar os setores populares e transformar sua imagem de empresário milionário e oligarca”, afirma Nicolás Vidal, autor do livro “Cambio de Juego”, que conta histórias do futebol chileno.

Senador de 1990 a 1998, Piñera articulou em sua passagem pelo Parlamento a revisão da lei que aumentou radicalmente os impostos dos clubes de futebol e o embrião do projeto que obrigaria todos a se tornar Sociedades Anônimas Desportivas (SADP), o modelo escolhido para o clube-empresa chileno.

“Todos os clubes, praticamente sem exceção, tornaram-se inadimplentes”, disse o presidente do Colo-Colo de 1994 a 2002, Peter Dragicevic.

Foi Dragicevic quem, em seu último ano na presidência, decretou a quebra do Colo-Colo. Piñera aproveitou a ocasião para impulsionar seu discurso de modernização do futebol. “Esse projeto de lei [que cria a SADP] é absolutamente necessário para que, de uma vez por todas, o futebol profissional chileno saia da crise”, disse à época.

Piñera recebe homenagem no Colo-Colo, após ser eleito presidente do Chile, em 2010
Piñera recebe homenagem no Colo-Colo, após ser eleito presidente do Chile, em 2010 - Divulgação

“Isso quer dizer que ele foi responsável por iniciar a transformação institucional do futebol chileno, que passou de ser administrado pelos clubes esportivos para as empresas privadas”, diz Rodrigo Soto Lagos, professor-pesquisador do núcleo de esporte, cultura e sociedade do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais e docente da Universidade Andrés Bello, no Chile.

A nova regulamentação das organizações desportivas profissionais do país foi aprovada em maio de 2005, quando Piñera já participava da corrida presidencial.

“Desde 2002, ele tem interesse em converter o futebol em um negócio privado, o que aconteceu em 2005. No ano seguinte, comprou as ações do Blanco y Negro (S.A. do Colo-Colo). Ele conhecia a regulamentação, foi quem impulsionou a lei, há um evidente conflito de interesses [em sua atuação]”, opina Lagos.

Já no início de seu primeiro governo, Piñera viu o futebol virar um problema, ao ser acusado de interferir na eleição da Federação Nacional de Futebol Profissional do Chile (ANFP), o que o forçou a vender suas ações do Colo-Colo.

O então presidente da associação, Harold Mayne-Nicholls, tentava criar regras mais rígidas para os clubes-empresa. Foi derrotado pelo aliado de Piñera, Sergio Jadue, também vice-presidente da Conmebol durante a Copa América disputada no país em 2015.

A troca no comando da entidade afetou o trabalho do técnico Marcelo Bielsa no comando da seleção chilena. Contratado por Nicholls, Bielsa se negou a apertar a mão do presidente do país após a Copa do Mundo de 2010 e renunciou ao cargo em 2011, depois de desentendimentos com Jadue.

O cartola chileno é investigado nos Estados Unidos no escândalo de corrupção da Fifa, no mesmo processo que condenou o ex-presidente da CBF José Maria Marin. No final de outubro, ele conseguiu pela oitava vez postergar seu depoimento às autoridades americanas.

Bilionário, Piñera foi dono de um canal de televisão, enriqueceu introduzindo o cartão de crédito no país e também esteve envolvido em negócios de empresas aéreas.

O perfil ligado aos negócios e à bola lembra Mauricio Macriex-mandatário do Boca Juniors, presidente da Argentina e que recentemente perdeu para Alberto Fernández sua tentativa de reeleição.

“Ambos reconhecem o capital simbólico dos clubes e dos torcedores do futebol para campanhas políticas e relações de clientelismo”, afirma Lagos.

“A diferença é que Macri se fez conhecido por meio da presidência do Boca e então aproveitou sua popularidade para lançar sua carreira política. Piñera era um político conhecido e usou o Colo-Colo para consolidar uma carreira que já existia havia um bom tempo", diz Vidal.

Nas últimas semanas, as ruas do país foram tomadas por protestos contra o governo Piñera, e ao menos 20 pessoas morreram. As manifestações começaram por conta do aumento no preço das passagens de metrô e se transformaram em críticas relacionadas à desigualdade social.

Têm sido comuns nos atos a presença de torcedores vestidos com as camisas dos três principais clubes do país: Universidad do Chile, Universidad Católica e Colo-Colo.

Este último, inclusive, abriu as portas de seu estádio Monumental na última quinta-feira (31) para a realização de uma audiência pública sobre a situação atual do país e tem usado as redes sociais para alimentar o debate com declarações de torcedores.

Um detalhe chama a atenção. A conta do Twitter utilizada para divulgar e repercutir a ação é a do Club Social y Deportivo Colo-Colo, o clube. Já o perfil do Blanco y Negro, a S.A., se limita a dar parabéns a jogadores e divulgar informes sobre resultados das equipes de futebol.

Até o momento, a final da Libertadores de 2019, entre Flamengo e River Plate (ARG), está mantida na capital do país, Santiago, em 23 de novembro.

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