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Folha, 100 Cartas para o futuro

Entramos na década do instante decisivo

Economia verde, diversidade e combate à desigualdade não podem ser só marketing

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Alexa Salomão

É repórter especial em Brasília e foi editora de Mercado, é pós-graduada em Finanças pela UFRGS, com MBA pela FIA-FEA/USP.

Este texto faz parte da série Cartas para o Futuro, em que colunistas, repórteres e editores da Folha imaginam os cenários das suas respectivas áreas de atuação em 2031.

O fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson criou o conceito de “instante decisivo” para a imagem. Chamou assim aquele momento único em que todos os elementos prosaicos e personagens anônimos estão alinhados, em exata harmonia, para retratar a essência da condição humana e da história.


O próprio Cartier-Bresson ensinava que a identificação da derradeira fração de segundo exige do fotógrafo um conjunto de habilidades, a maioria subjetiva. O olhar de quem registra a cena —a capacidade de ver— seria o atributo mais importante para se chegar ao clique que interessa.

O retrato em preto e branco que ele fez, em 1932, do homem saltando sobre uma imensa poça atrás da estação ferroviária Saint-Lazare, em Paris, é o símbolo mais preciso de sua definição para o instante decisivo. O personagem está no ar. Quem vê a foto sabe que a placitude ficou presa naquele momento. Na sequência, a lâmina d’água foi tocada e desfeita. Sabemos que o espelho se quebrou mesmo sem nunca ter visto essa cena.

Recorro a essa analogia porque acho que estamos naquele ponto em que se dará um instante decisivo de proporções históricas —para o bem e para o mal. Seriam correlatos momentos como Johannes Gutenberg imprimindo a primeira página da Bíblia, Thomas Edison girando o interruptor da lâmpada incandescente e Henry Ford acionando o botão da linha de produção em série.

ilustração de dedo apertando enorme botão vermelho
Cápsula do tempo Economia - Catarina Pignato

Nesta década, vamos presenciar a proliferação do 5G em escala global, que tende a levar o trabalho a um nível de automação só visto até agora em filmes de ficção científica. E vamos ter de buscar funções alternativas para os seres humanos sem qualificação.


O carro como o conhecemos vai morrer, e há prenúncios até de um novo ciclo de viagens espaciais.
Grandes companhias terão de se reinventar diante da ascensão de startups, fintechs e de seus aplicativos que trazem tudo na palma da mão. E vamos ter de produzir comida e economizar água com mais eficiência porque haverá mais um bilhão de bocas no planeta.

Em resumo, criar vacinas em menos de um ano ​para um vírus desconhecido, como vimos acontecer, é apenas o começo do que está por vir.

Estamos naquele ponto em que se dará um instante decisivo de proporções históricas

Alexa Salomão

Editora de Mercado



O grande desafio será reconhecer o instante decisivo. Ou seja, acertar o momento em que deixará de tratar a economia verde como marketing para adotá-la no cotidiano. Definir as circunstâncias em que vai abolir a alta incessante do lucro ao acionista como métrica dominante de sucesso empresarial.

Saber a hora em que a diversidade deverá estar na estrutura dos negócios e não apenas nos discursos dos homens brancos e héteros que estão no comando. Identificar o momento de sair da inércia social e atuar para deter o alargamento do fosso social e estancar a criação de novas formas de desigualdades que vão surgir.

Receio, porém, que um grande número de observadores, que não está treinando o olhar para este novo momento, não vai saber quando dar o clique.

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