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Folha, 100 Cartas para o futuro

É preciso apontar as mentiras que autoridades estão dizendo

Isso se faz reforçando a ênfase no que é real em contraponto ao que é falso

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Camila Mattoso
Camila Mattoso

É diretora da Sucursal de Brasília. Antes, foi editora do Painel. Está na Folha desde 2015, tendo ingressado como repórter na editoria de Esporte. Cobriu as Copas do Mundo do Brasil e da Rússia e as Olimpíadas do Rio e de Tóquio.

Este texto faz parte da série Cartas para o Futuro, em que colunistas, repórteres e editores da Folha imaginam os cenários das suas respectivas áreas de atuação em 2031.

Brasília, 19 de fevereiro de 2021.

Oi, Manu. Você tentou engatinhar pela primeira vez esses dias, fiquei imaginando quando você começar a andar, o que vai encontrar pela frente.

A sua mãe Renata, minha melhor amiga, foi muito corajosa de te ter agora. Nessa mesma data, daqui a dez anos, vou abrir essa carta pra você.

Vou te mostrar as notícias dos nossos dias, no meio de uma pandemia. Tanta coisa acontecendo, acho que você não vai acreditar no que vai ler.

No meio de tantos absurdos reais, tem muita coisa que você não vai mesmo poder acreditar. As chamadas fake news invadiram nosso mundo. Nos grupos de WhatsApp, nas redes sociais, nos almoços de família.

Há dez anos, em 2011, quando eu saía da faculdade de jornalismo, a principal discussão sobre o futuro dessa profissão era se o jornal impresso ia acabar.

Ilustração mostra pessoa lendo jornal a distância
Um lugar em que os fatos eram tratados como mentiras e as notícias falsas eram celebradas. - Catarina Pignato

A Manu de dez anos não vai saber do que se trata, mas te explico. O papel era uma coisa muito bonita. Era como se fosse um livro, cheio de páginas, sem capa dura, enorme, barulhento, que dobrava, que tinha um cheirinho todo peculiar –e que sujava todos os dedos durante a leitura.

Enquanto debatíamos isso, a gente não se deu muito conta de que as ameaças ao jornalismo —e ao mundo, às instituições, à democracia— eram outras.

Uma montanha de gente preferindo mergulhar em um universo em que a verdade é feita de ideologia, de teorias e de conspirações, de crença e de descrença.

Um lugar em que os fatos eram tratados como mentiras e as notícias falsas eram celebradas.

Imagina você, Manu-de-dez-anos, que um presidente da República, que tinha como um dos lemas uma passagem bíblica que diz “conhecereis a verdade e ela vos libertará”, seria um incentivador dessa onda.

Sei que vai poder soar fake aí em 2031, mas é verdade.

A gente tem muita coisa para atravessar até chegar o dia de te ler essas palavras. Seria inútil tentar traçar o futuro, tentar adivinhar o que pode acontecer, mas o que posso te dizer, Manu, é que desde esse dia que te escrevo a gente já sabia qual era o melhor caminho para percorrer.

Felizmente, um dos efeitos desse tsunami de desinformação foi uma reação firme e robusta no sentido de reafirmar os pilares do bom jornalismo.

Nunca antes foi tão importante a busca pela verdade, apesar de todas as nossas imperfeições, defeitos e erros, com as ferramentas, a ética e os métodos que gerações e gerações de jornalistas nos ensinaram.

Houve um aperfeiçoamento, inclusive, do modo de tratar a notícia. Chamando as coisas pelos nomes que elas têm, apontando as mentiras que autoridades estão dizendo, reforçando a ênfase no que é real, concreto, verdadeiro, em contraponto ao que é falso, enganoso e mentiroso. Não se pode abrir mão disso.

Um dos efeitos desse tsunami de desinformação foi uma reação firme no sentido de reafirmar os pilares do bom jornalismo

Camila Mattoso

Editora da Folha

O debate sobre jornal impresso é página virada em 2031. O reforço no investimento para defesa e prática do jornalismo profissional e de qualidade é a chave principal pra sair desse quarto escuro.

E como não acreditar que vai dar certo, não é Manu?

Suas mães Carolina e Renata me matariam.

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