Museu
da antidecoração
A artista
plástica Vera Fraga Leslie vivia numa aprazível
casa de frente para o mar, em Niterói. Estava acostumada
ao ritmo de província: velhos na calçada jogando
conversa fora, crianças brincando nas ruas e passarinhos
adornando as árvores. Brisa, cheiro de mar, pôr-do-sol.
Obrigada a acompanhar o marido, mudou-se, há dez anos,
para um apartamento em São Paulo, ao lado de uma barulhenta
obra. "Era a própria visão do inferno",
lembra.
Ficava
especialmente incomodada com as montanhas de lixo produzidas
pela cidade, a começar das obras em torno do prédio
em que morava. Nesse anos, mais do que conviver com o lixo,
aprendeu a ver beleza nele. Transformou caixas de ovos, garrafas
plásticas, tampinhas, barras de ferro ou retalhos de
tecidos em vasos, lustres, mesas e quadros. Muitas das peças
são brincadeiras inspiradas nos objetos de desejo da
classe média paulistana.
Fez da
reciclagem elemento do que batizou de antidecoração,
uma idéia solitária, marginal, numa cidade tomada
pelo culto das grifes. "O sofá não precisa
mudar de cor de acordo com aquilo que diz a moda", ensina.
A proposta é simples: quem determina o que é
belo não é o decorador nem a revista de moda,
mas a criatividade de cada um, num jogo de composição
de espaços e de objetos, muitos deles reaproveitados.
Na guerra
de guerrilha contra o império das grifes e o predomínio
dos decoradores como os detentores do "bom gosto",
Vera escreveu um livro - intitulado "Lugar Comum"-
para difundir a idéia de que a beleza está na
identidade individual. E resolveu fazer de sua própria
casa um misto de museu com uma espécie de laboratório
da antidecoração.
Na semana
passada, a artista plástica decidiu abrir sua casa-museu
à visitação pública virtual, colocando-a
na Internet (www.lugarcomum.art.br). "O importante é
brincar com todas as regras e descongelar os preconceitos,
seguindo a imaginação", aconselha. "É
indispensável uma boa dose de humor."
Da pacata
e discreta casa em frente à praia à sua casa
atual, com elementos do caos urbano, Vera aprendeu a gostar
do "inferno": "A capacidade de brincar com
todas as regras é minha melhor lição
de São Paulo".
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