Sonhos
de vidro
Dando
continuidade a uma tradição de 700 anos, artesãos
cultivam na ilha de Murano, próxima a Veneza, na Itália,
a técnica de produção de cristais de
vidro, atraindo artistas de todo o mundo. Essa arte, passada
de geração em geração, muitas
vezes dentro das famílias, veio parar num cenário
improvável: a "cracolândia", território
que se notabilizou, em São Paulo, pelo tráfico
de crack.
Ao buscar
artesãos para ajudá-la a compor peças
de vidro e cristal para suas obras, a artista plástica
Debora Muszkat notou a escassez de mão-de-obra qualificada.
"Um cliente me fez uma grande encomenda, mas não
tinha quem a executasse. Não queria dispensar o trabalho."
Dessa
escassez surgiu a idéia da Oficina de Vidro, um projeto
para recrutar jovens de baixa renda e ensiná-los a
técnica de Murano, formando profissionais aptos a produzir
e a ensinar, que, assim, passam a ter fonte de renda. O sinal
do sucesso veio na primeira exposição pública
neste ano: faturaram R$ 1.500, vendendo pequenas peças,
que custavam, em média, R$ 2.
Na busca
de um espaço para as oficinas, Debora ganhou da Secretaria
Estadual da Cultura uma sala improvisada no térreo
da Sala Júlio Prestes, sede da Orquestra Sinfônica
de São Paulo, fronteira da "cracolândia".
Os jovens postam-se em bancadas e moldam as peças multicolores,
espalhadas pelo salão.
Naquela
região, exuberante no passado, chegavam pelos trilhos
de trem imigrantes italianos que se tornaram os mestres de
jovens artesãos, concentrados no Liceu de Artes e Ofícios.
Dali saíram as mãos que deram forma às
estátuas e à arquitetura paulistana.
Iniciada
em janeiro, a primeira turma de aprendizes que estabeleceu
a conexão Murano-Cracolândia forma-se neste mês.
Patrícia Souza Andrade, de 17 anos, é uma prova
de que o projeto já começa a frutificar. Ela
já consegue algum dinheiro e está disposta a
seguir carreira de artesã. "O bom de fazer as
peças é que a gente vai moldando cada uma delas
com paciência e cuidado." Está pensando
mais longe e vai tentar montar seu ateliê.
Viver
do artesanato também é o sonho de Leile Lilian
da Costa, outra formanda. "Nunca me imaginei fazendo
vidro, mas acho que nasci para a coisa. Sou paciente, vou
com cuidado e não fico desesperada quando alguma coisa
sai errada." Essa é a atitude que está
empregando para montar seu projeto pessoal: através
do vidro, aprendeu a ver, com outros olhos, a vida.
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