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Sou
de um tempo em que os guris aprendiam duas coisas básicas. Na igreja,
a renunciar ao diabo, ao mundo e à carne. Nos estádios, a detestar
a seleção argentina. Odiavamos aqueles gringos de camisa azul e
branco, calção preto, pernas branquelas, que representavam nosso
maior e talvez único inimigo visível no planeta.
Perdíamos as copas Rocas na escalação. Como resistir aos
Massantonios, Sastres, Pederneras, Peuceles, Della Mattas? Fomos
terceiros do mundo na Copa de 38. Mas os últimos da face da Terra
quando, logo depois, a Argentina nos enfiou acachapantes cinco a
zero.
Em São Januário, numa rixa memorável, zero a zero no placar, o juiz
marca pênalti contra a Argentina. Em sinal de protesto, os argentinos
( que os locutores de rádio chamavam de portenhos) saíram
de campo. A penalidade seria cobrada contra o gol vazio. E aí foi
o drama: ninguém queria bater o pênalti. As canelas nacionais tremiam
diante da possibilidade de a bola não entrar no arco abandonado.
Erguera-se na linha divisória do gol a muralha de nosso pânico.
Nunca fiz muita fé na camaradagem neoliberal entre brasileiros e
argentinos, que afinal, formam a base de sustentação do Mercosul.
Não gosto de azarar. Mas, sinceramente, acho que na primeira marcação
de um pênalti duvidoso, num gol feito em impedimento clamoroso durante
um jogo de campeonato mundial ou regional, a fraternidade entre
os dois povos irmãos pode ir pelos ares.
Daí que, em relação aos nossos queridos vizinhos, embora reconhecendo
que sou espírito de porco, acho que devemos seguir o conselho de
Floriano Peixoto: confiar desconfiando. Desconfio que eles fazem
o mesmo.
Leia colunas anteriores
16/5/2000 -
Maiúscula e minúscula
11/5/2000 -
Assunto pessoal: as mãos
09/5/2000 - O macaco e o galho
04/5/2000 - Vizinhos
e internautas
02/5/2000 -
Dos
deuses antigos
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