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  11 de agosto
  Panela velha, comida boa
 

Era uma vez uma moça casamenteira que enfim achou ter achado a sua cara-metade. Estava juntando o seu farnel, compondo um quase container a ser transportado, com objetos, roupas, enxoval de cama, mesa, banho e utensílios domésticos. O destino traçado a ser endereçado este baú de lembranças da vida a "um", era a casa do já imutável, fixado e estabelecido, futuro marido. Num momento de dúvida crucial, a moça requisitou o auxílio de uma incondicionalmente amiga-para-toda a hora. Não sabia se cabia juntar aos pertences, objetos velhos, porém significativos, que tem sido fiéis ao longo de quase trinta anos de vida. Abrindo a porta do armário da cozinha, pra variar embaixo da pia (o chamado "gabinete"), ela exibe o escorredor de arroz de plástico bege com rachadura no lado esquerdo, uma pequena panelinha de metal com aqueles cabos pretos parafusados, que quando distraidamente queimados permitem que o cheiro invada sem piedade todos os compartimentos do lar agarrando-se como chicletes em todos recém-lavados fios de cabelos. Fazia parte também deste "ser ou não ser", uma leiteirinha (sem cabo), onde a noiva aquecia água em noites de frio, para fazer seu chá de erva-cidreira, melhor companhia para um destes filmes comerciais interrompido a cada dez minutos com o "plim-plim" de um comercial.
O que deixava a moça tão confusa na hora de apanhar seus apetrechos, era a fixação do quase marido por objetos de Design, por panelas de procedência francesa Le Creuset, facas de cozinha alemãs Sollingen, louças de mesa Noritake, copos de vinho Riedel,sem contar o fogão Smeg com char-broiler acoplado e a coifa Gaggenau. Imãs de geladeira ela decidiu por não levar. Imãs são objetos pessoais e auto-biográficos. É que nem escova de dente, cada um com a sua. Estes objetos que se agarram em portas de geladeiras, descrevem o sumo de cada proprietário. Após trocas incansáveis de opiniões, já instaurada a polêmica entre as duas amigas que divergiam intelectualmente quanto à questão, decidiu-se empacotar a leiteria e a panela, já que o escorredor era por demais poluidor visual, até mesmo para a ainda atual cozinha da noiva. Compraria-se um novo, ou o arroz seria processado no estiloso escorredor do futuro marido. A amiga argumentava em tom psicanalítico que não se devia abrir mão da própria história e que pessoas que só possuem coisas novas e de grifes, que só se apegam ao visualmente correto, sem nunca cometerem deslizes estéticos, são na verdade pessoas fúteis desinteressantes, previsíveis e desprovidas de vínculos afetivos. A amiga dona da panela ficou um pouco incomodada com a avalanche de frases feitas e insinuantes da amiga convidada. Achou que estava sendo sutilmente alertada pela colega no que se referia não ao transporte dos objetos, mas ao transporte da sua alma e corpinho ao apartamento do rapaz.
Panelas, facas, escorredores, escumadeiras, sanduicheiras, colheres de pau, suportes de mesa e abridores de latas tem suas utilidades. A noiva os levou.O vento levou o casamento pelos ares. Agora as amigas numa tarde em que o trabalho lhes deu folga, trocam receitas do melhor macarrão, tomam chá de erva cidreira assistindo sessão da tarde e no radinho de pilha da cozinha, a diarista ouve e canta "não me interessa se ela é coroa, panela velha é que faz comida boa".

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