NOSSOS
COLUNISTAS

Amir Labaki
André Singer
Carlos Heitor Cony
Clóvis Rossi
Eleonora de Lucena
Elvira Lobato
Gilberto Dimenstein
Gustavo Ioschpe
Helio Schwartsman
Josias de Souza
Kennedy Alencar
Lúcio Ribeiro
Luiz Caversan
Magaly Prado
Marcelo Coelho
Marcelo Leite
Marcia Fukelmann
Marcio Aith
Nelson de Sá
Vaguinaldo Marinheiro

Gustavo Ioschpe
desembucha@uol.com.br"
  12 de novembro
Muito a leste, e já se chega ao oeste
 
   

Frente a esse espetáculo tragicômico que estão sendo as eleições presidenciais da auto-proclamada mais importante nação do planeta, reinam gritos de ultraje e clamores pedindo o abandono do arcaico método de colégio eleitoral, ou protestos querendo novas eleições no condado de Palm Beach. Olham-se as árvores, mas não se vê a floresta.

Porque o que há de realmente interessante nessas eleições americanas é o fato de, em uma nação de mais de 250 milhões de habitantes, a diferença entre os candidatos não passar de mais de 200 mil votos em todo o país e menos de mil na Florida, que finalmente decidirá as eleições.

Só há igualdade assim de votos em duas circunstâncias: ou quando os candidatos representam ideais radicalmente opostos em uma sociedade claramente fragmentada (como foram as eleições de 1996 em Israel, quando Netanyahu ganhou de Shimon Peres por menos de 30 mil votos devido ao racha da sociedade israelense frente ao processo de paz, ou até as eleições americanas de 1960, entre o progressista Kennedy e o direitista atávico Nixon) ou quando ambos candidatos são incrivelmente similares em uma sociedade sem muitas divisões.

As eleições americanas de 2000 são exemplo claro do último. Mas o fenômeno é mais curioso, porque Gore e Bush não são iguais - politica, ideologica e intelectualmente - nem a sociedade americana é tão homogênea quanto parece de fora. O que ocorre aqui é que a política americana deixou de ser um exercício onde idealistas tratam de convencer seus liderados de que sua visão de mundo é a mais correta, para se transformar num lamentável circo onde posicionamentos são desmembrados em "issues" ("questões") e o trabalho do candidato passa a ser decifrar com mais acuidade as dezenas, centenas de pesquisas de opinião sobre o que pensa de cada "issue" cada microgrupo de eleitores. O segundo passo do exercício é então adotar a semântica correta para dirigir-se aos eleitores da forma como eles querem, usando palavras-chave que são testadas em sessões de "focus groups", onde marqueteiros políticos conversam com pequenos grupos de eleitores e testam suas reações aos mais diversos tópicos e os termos usados para tratá-los. (Pra quem se interessa, vale a pena ler artigo a respeito, na edição de política da New Yorker publicada em fins de outubro).

O processo de elaboração de campanha e, posteriormente, plano de governo, ficou pavorosamente parecido com o método usado por uma Procter and Gamble da vida para lançar um novo produto no mercado. O líder supremo da nação deixou de ser um líder e passou, assim, a seguidor. O fato de Gore e Bush estarem virtualmente empatados é fruto de ambos terem rezado pela mesma cartilha.

Essa corrupção, sim, é que é importante de ser notada sobre essas eleições. Mostra que a sofisticação e o excesso de dinheiro devotados à arte da campanha política acabaram desvirtuando o processo democrático e a política como um todo. Rousseau já dizia, em seu Contrato Social, que há uma diferença básica entre a soma dos desejos individuais de uma população e o que é melhor para todos, o bem comum. É justamente essa desconexão que legitima e exige um corpo político, representantes, leis. Os americanos avançaram tanto na democracia que chegaram à tirania: a tirania do centro, da média, do medíocre. Se esforçaram tanto por não perder o voto de ninguém que acabam representando um espantalho, um fantasma, que é a média. O que não só é pobre, como é perigoso. Afinal na média, como já disse alguém, o ser humano tem um seio e um testículo.

* * *

Mais um capítulo da tragédia que virou essa eleição: em 1960, Kennedy ganhou de Nixon com o que hoje se acredita ser sido uma fraude em Chicago, estado de Illinois. Quem engendrou a fraude foi um certo Mr. Daley. Esse ano, Gore pode perder por uma aparente sacanagem na Florida, a despeito das declarações de seu chefe de campanha de que os democratas continuarão a lutar nas cortes para reaver votos equivocadamente anulados. Seu chefe de campanha, Bill Daley, vem a ser filho do Daley de Chicago. Aqui se fez, aqui se paga.

* * *

Em tempo: em 1960, Nixon sabia que havia sido garfeado. Mas, em um dos poucos momentos de grandeza de uma vida vil, deixou o escândalo passar para não prejudicar a instituição da Presidência. A se confirmar a vitória de Bush na Florida, é certo que essa concessão colocará o peso de um mamute sobre os ombros de Gore para que desista da batalha legal e vá pra casa.

* * *

Além de litigiosa, a sociedade americana tem como sua característica inquestionável a hipocondria. Pois não deu outra: já tem psiquiatra diagnosticando "Post-Election Anxiety", perturbação psíquica que causa no sofredor a compulsão de ficar pensando no seu voto e achar que votou no candidato errado, sem querer.

Leia colunas anteriores
05/11/2000 - Ou é burro, ou é mais esperto do que imaginamos
29/10/2000 - Primeiro, derrubemos a família. Depois...à revolução
22/10/2000 - A um passo do genocídio
15/10/2000 -
A culpa é de quem ?
08/10/2000 - Aos derrotistas... Oh! O Fracasso


| Subir |

Biografia
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A - Todos os direitos reservados.