|
No
Brasil do “lobby-ao-contrário”, em que o industrial, o banqueiro e
o latifundiário só precisam de um número de telefone para se fazer
ouvir em Brasília, o grande mérito do MST foi o de amplificar a voz
daqueles que nunca foram apresentados à agenda telefônica.
Organizados, os sem-terra usaram a retórica de que dispunham: o grito.
Notados, passaram a constranger o governo. Aqui e lá fora. Converteram-se
em evidência ambulante de que passava da hora de Brasília começar
a pagar a chamada dívida social. Uma dívida que o professor Cardoso
ajudara a diagnosticar.
O noticiário sobre o quadro alarmante do campo fez com que o tucanato
migrasse da inércia para a promessa. Foram necessárias algumas mortes
para que as boas intenções fossem, finalmente, convertidas em cifrões.
No rastro dos empréstimos públicos, vieram as cooperativas do MST.
São hoje sete dezenas de organizações do gênero espalhadas pelo país.
Um manto diáfano de mistério cerca os livros contábeis de tais organizações.
Uma notícia de jornal, como se sabe, levou o governo a encomendar
a auditagem das cooperativas. Já foram escarafunchadas as contas da
Coagri (Paraná) e da Cocamp (São Paulo). Outras 68 entidades estão
sob investigação.
O tema, por ora apenas insinuado, vem desnorteando o MST. Ante as
primeiras evidências de que suas cooperativas protagonizam gestos
de grossa incompetência e, pior, de desbragada má-fé, os caciques
do movimento se calam. O silêncio ensurdecedor.
Entre quatro paredes, tramam uma estratégia que, se for adiante, pode
enredar o MST num irreversível processo de auto-desmoralização. Planeja-se
invocar a suspeição do trabalho de auditoria, feito por funcionários
públicos pendurados ao organograma da pasta do ministro-candidato
Pedro Malan.
Um detalhe anula o plano: os relatórios produzidos até aqui pelos
auditores, acomodam também o governo no banco dos réus. O papelório
deixa a administração FHC em péssima situação, especialmente o Incra
e o Banco do Brasil. Anota, sem rodeios, que o governo aprova projetos
inviáveis, não fiscaliza convenientemente a aplicação do dinheiro,
permite que recursos destinados aos assentados sejam desviados no
meio do caminho e libera empréstimos novos a cooperativas inadimplentes.
Ou o MST põe na rua um bom lote de explicações, ou logo ficará conhecido
como Movimento dos Sem-Transparência. Se vier com subterfúgios e meias-palavras,
terá dificuldades para continuar questionando FHC e a sua social-democracia
de meia-tigela.
Os líderes do MST não devem satisfações ao governo. Eles precisam
prestar contas ao contribuinte e, sobretudo, aos trabalhadores rurais
que dizem representar. João Pedro Stédile, sempre tão eloqüente, ainda
há de pronunciar meia dúzia de palavras a esse respeito.
Leia colunas anteriores
05/09/2000 - Neocolonizador
29/08/2000 - Código
para o baixo funcionalismo
22/08/2000 - FHC
II, a caída em si
15/08/2000 - Toda legalidade será castigada
08/08/2000 - Entre
a moda e o prato de sopa
|