NOSSOS
COLUNISTAS

Amir Labaki
André Singer
Carlos Heitor Cony
Carlos Sarli
Cida Santos
Clóvis Rossi
Eduardo Ohata
Eleonora de Lucena
Elvira Lobato
Gilberto Dimenstein
Gustavo Ioschpe
Helio Schwartsman
José Henrique Mariante
Josias de Souza
Kennedy Alencar
Lúcio Ribeiro
Luiz Caversan
Magaly Prado
Marcelo Coelho
Marcelo Leite
Marcia Fukelmann
Marcio Aith
Melchiades Filho
Nelson de Sá
Régis Andaku
Rodrigo Bueno
Vaguinaldo Marinheiro

Amir Labaki
labaki@uol.com.br
  19 de outubro
  A Rosa Púrpura de Canby
  Cinema de Woody perde seu pioneiro defensor

Uma destas conspirações poéticas faz com que o atual retorno de Woody Allen às telas brasileiras coincida com a morte de um de seus mais fiéis admiradores na crítica americana, Vincent Canby. Entre 1969 e 1993, Canby foi o crítico titular do "The New York Times".

Fomos apresentados em 1991 durante um coquetel no festival de Cannes. Era meu batismo na Croisette. Canby me contou que era sua despedida. Disse-me que o festival era indispensável mas exigia energias de jovens. Como eu, completei em pensamento.

Pouco tempo depois, Canby trocava o cinema pelo teatro. A experiência como dramaturgo bissexto o autorizava. Resenhou peças, sem uma regularidade precisa, para o "NYT", em geral no caderno de artes de domingo. No período que passei em Nova York como correspondente cultural desta "Folha" (1998/99), lembro de Canby criticando sobretudo a pirotecnia crescente do teatro americano. O câncer levou-o no último final de semana, aos 76 anos.

Vincent Canby foi uma referência importante para minha geração de críticos de cinema.

Tinha um estilo sóbrio e elegante. Não poderia ser maior o constraste com sua maior concorrente, a deliciosamente exagerada Pauline Kael.

Praticamente durante o mesmo período, Canby escrevia as principais resenhas do jornal mais influente dos EUA, enquanto cabia a Kael alimentar polêmicas a partir do insuperável semanário "The New Yorker".

Ele era apolíneo, ela, dionisíaca. Canby sempre usava terno e gravata. Seus textos, nunca. Enquanto as resenhas de Kael procuravam recriar a experiência de cada filme por meio de um fluxo memorialístico arrebatador, as de Canby preferiam, com bom humor, contextualizar as obras na cena corrente e na trajetória de seu autor. Dos textos de Kael lembramos logo da estética; dos de Canby, impunha-se de pronto uma ética.

Se Kael foi decisiva para o reconhecimento da geração de Altman, De Palma e Scorsese, Canby defendeu junto ao público novaiorquino o cinema de autores tão particulares e distintos como Fassbinder, James Ivory, Spike Lee -e, sobretudo, Woody Allen. Ao preparar a mais recente biografia do cineasta (The Unruly Life of Woody Allen, Scribner, 2000), Marion Meade não hesitou em colher um longo depoimento de Canby, fazendo-lhe justiça como pioneiro defensor da obra cinematográfica iniciada com "Um Assaltante Bem Trapalhão" (1969).

Meade lembra que foi Canby que, vendo "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (Annie Hall, 1977), definiu Allen como "o Ingmar Bergman da América".

Woody tomou o elogio ao pé da letra, para bem (A Outra, 1988) e para mal (Interiores, 1978). Mesmo no segundo caso, Canby dedicou nada menos que quatro artigos ao filme. Duas décadas depois, admitiu: "Não gostei do filme na época. Não era sua forma natural. Contudo, mais tarde passei a gostar mais (do filme) pois fazer "Interiores" exigiu muita coragem".

Sua sucessora como crítica titular no "NYT", Janet Maslin, que passou o cetro no ano passado, dedicou a Canby um belo obituário na edição da última segunda. Dois trechos chamaram-me a atenção. Maslin lembra a publicação por Canby de um diário de nove dias de trabalho em 1975. É um precioso testemunho de uma disciplina que parece perdida pela crítica jornalística.

Noutro trecho, Maslin cita um artigo de Canby sobre as diferenças entre o crítico e o público como espectadores de cinema. O próprio reconhecimento da distinção é já uma lição anti-demagógica. Assim escreveu Canby:

"A diferença não é que os críticos sejam mais espertos do que qualquer um. Muito longe disto. Talvez tenham um pouco mais de sorte, ao menos por estarmos fazendo, na maioria dos casos, aquilo de que gostamos. A diferença tem parcialmente a ver com as memórias dos filmes -todos os tipos- que se acumulam na mente dos críticos, automaticamente, como placa nos dentes.

Contudo, a diferença tem principalmente a ver com níveis de tolerância.

Estes, acho, explicam, mais do que qualquer coisa, as grandes cisões que dividem frequentemente os gostos dos críticos daqueles do público pagante".

Vá aos cinemas assistir, finalmente, "Celebridades" e, a partir de amanhã na Mostra, "Poucas e Boas", respectivamente o antepenúltimo e penúltimo filmes de Woody. Nestes dias, nesta terra, cada sessão deles ergue uma prece para Canby.

Leia colunas anteriores
12/10/2000 -
Oscar 2001: Rio dá as cartas
05/10/2000 - Greve
28/09/2000 -
Eles tu eu
21/09/2000 - Oscar 2001: a largada
14/09/2000 - Amazon à Brasileira


| Subir |

Biografia
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A - Todos os direitos reservados.