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Trapalhadas
à parte, as eleições norte-americanas serviram
de pretexto para uma catarata de elogios à democracia no império.
Justos, aliás, em se considerando que manter por mais de 200
anos ininterruptos o sistema democrático não é
uma façanha trivial.
Pena
que, em meio aos elogios, tenham faltado os reparos indispensáveis
ao comportamento nada democrático do império fora
de suas fronteiras. Por mera coincidência, na segunda-feira,
enquanto o assunto ainda era a contagem/recontagem dos votos da
Flória, o governo norte-americano divulgava documentos que
admitem, pela primeira vez, o que todo mundo já sabia ou
intuia há muito tempo: houve uma enorme participação
norte-americana no golpe que derrubou o governo constituticional
de Salvador Allende, no Chile, em 1973.
Detalhe:
um documento de 1970 diz que o presidente dos EUA (então
Richard Nixon) era partidário de "arruinar drasticamente
a economia chilena".
É
importante saber que, em 1970, Allende acabara de ser eleito. Portanto,
não podia ser acusado de "comunizar" o país,
pretexto que seria frequentemente esgrimido pela direita para justificar
o injustificável, ou seja, a conspiração para
derrubar um governo legítimo. Não obstante, Nixon
(o império) já queria arruinar o país, só
para evitar o exemplo de um governo socialista, o primeiro a chegar
ao poder a bordo das urnas e não das armas.
Não
seria exagerado dizer que os Estados Unidos são, portanto,
cúmplices das maciças violações aos
direitos humanos que foram praticadas no Chile depois do golpe que
derrubou Allende. Da mesma forma, apoiaram (e são, portanto,
igualmente cúmplices) de governos semelhantes na Argentina,
Brasil, Bolívia, Paraguai, América Central e por aí
vai.
Para
não mencionar os Suhartos, Ferdinand Marcos e outros ditadores
do mesmo calibre que ou chegaram ao poder apenas pela ação
clandestina dos EUA ou nele se mantiveram adotando mecanismos repressivos
que o império jamais contestou (a não ser quando o
comunismo já deixara de existir).
Com
toda essa lista de pecados na sua coluna de débitos, ainda
assim há que se reconhecer que os Estados Unidos, em geral
mais tarde do que deveriam, acabam por fazer um mea culpa, como
agora, no caso chileno. Aliás, justiça se faça:
não fosse a ação firme da diplomacia norte-americana
no plebiscito de 1989 (que decidiria sobre a permanência ou
não de Pinochet no poder), teria havido uma fraude que permitiria
a continuidade da ditadura.
Pior,
pois, que os pecados do império são os pecados dos
seus súditos latino-americanos que, salvo contadas exceções,
jamais reconheceram suas culpas e confessaram seus crimes.
Leia
colunas anteriores
08/11/2000 - O
império é pragmático
1º/11/2000 - Falsos brilhantes
25/10/2000 - Bateu, publicou
18/10/2000 - Terrorismo e Colonialismo
04/10/2000 - As urnas, vistas de longe
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