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ACM
contra FHC é duelo do estilo Lacerda com o jeito PSD
O ataque de ACM a FHC na segunda-feira,
quando afirmou a correspondentes estrangeiros no Rio que o presidente
"tem sido tolerante para manter essa aliança", referindo-se implicitamente
ao fato de o PMDB estar envolvido em acusações de corrupção, repõe
um confronto de alto interesse para os cidadãos em geral e para
os que gostam de política em particular.
A relação de amor e ódio entre o presidente da República e o atual
presidente do Senado atravessou todo o período em que o tucano está
no Planalto. Comandante do PFL - embora não inquestionável, como
vem demonstrando as atitudes de Jorge Bornhausen - ACM procura fazer
valer o peso do seu partido na aliança com o PSDB que conduziu FHC
à presidência em 1994.
Dono de uma maneira impetuosa e destemida de agir, por vezes pareceu
que ACM mandava no país, tendo, para muitos, chegado a dominar FHC
no primeiro mandato. Com a entrada do PMDB na aliança, a partir
de 1998, o poder de ACM sofre um enfraquecimento relativo, uma vez
que FHC passa a contar com outro ponto de apoio congressual.
O ataque de segunda-feira é uma pressão para que FHC se desfaça
do PMDB e volte a ficar só com o PFL (leia-se a ACM) como aliado
no Parlamento. O que daria novamente ao senador da Bahia a condição
de controlar FHC. Este é um dos aspectos principais da guerra sem
quartel que ACM move contra Jader Barbalho, o qual, juntamente com
os deputados Geddel Vieira Lima (BA) e Michel Temer (SP), mais o
senador Renan Calheiros (AL) e o ministro dos Transportes Eliseu
Padilha, controla o PMDB.
Essa disputa é importante, em primeiro lugar, porque está a influenciar
a definição do quadro sucessório, o qual interessa a todos os cidadãos.
Já comentei, na semana
passada, os reflexos da guerra ACM-Jader no Senado sobre a sucessão
presidencial. No entanto, convém repetir. Os mais fortes pré-candidatos
do PSDB, Tasso Jereissati e José Serra, alinharam-se com um dos
grupos. Tasso fechou com ACM e Serra obteve o apoio dos peemedebistas.
Do ponto de vista programático, muita água ainda vai correr debaixo
da ponte até as candidaturas presidenciais definirem-se de fato,
mas hoje esse alinhamento significa que Serra está à esquerda de
Tasso, embora ambos preparem um discurso econômico desenvolvimentista
e voltado para o social. Porém como Tasso é empresário e ACM está
à direita do PMDB isso ajuda Serra a compor uma proposta com abertura
para a esquerda, como se pode observar na reportagem da revista
República.
O segundo motivo de interesse é científico. Há duas grandes escolas
de liderança na política brasileira. A pessedista e a udenista.
A clivagem corta partidos e ideologias. Não se trata apenas de que
ACM é originário da UDN. Existem políticos, como José Sarney, que
embora originários da UDN, adotam uma postura PSD. Sarney é um conciliador
por natureza. Outros, como Leonel Brizola, que era do PTB e antilacerdista
doente, têm no sangue o gene da radicalização.
Duas as marcas de Carlos Lacerda,
o maior líder que a UDN teve: a violência verbal contra os inimigos
e a tendência a radicalizar sem limite quando o que estava em jogo
era o poder. Veja-se até onde Brizola foi capaz de levar o conflito
com o governador Garotinho.
Pois bem, ACM é um lacerdista. Não mede atos e palavras. Quando
identifica um inimigo, faz o que for necessário para derrotá-lo.
Não descansa enquanto o outro não está no chão. Depois, não oferece
prêmio de consolação. É tudo ou nada. Age pelo medo. Divide, não
soma.
Pode soar como uma maneira temerária de se conduzir na política.
E é. ACM está sempre à beira de um ataque de nervos. Traz, contudo,
imensa vantagem, a da liderança explícita. Ao falar claro, alto
e sem papas na língua, o cacique da Bahia orienta, conduz, arregimenta.
O resultado é: lançou FHC em 1993, como bem lembrou Eliane
Cantanhêde, e já lançou o que pode ser o próximo presidente,
Tasso Jereissati. Como Fernando Henrique é um político com características
exatamente opostas, algo que eu chamaria provisoriamente de pessedismo
weberiano, ou seja a procura de exercer a arte da conciliação do
modo mais racional e desencantado possível, seu governo foi visto
inúmeras vezes como sombra de ACM. Até que ponto foi, de fato, ou
não, requereria uma análise que não é possível fazer aqui.
No entanto foi visto como tal, o que não deve ser nada agradável
para FHC. Afinal, um político como ele não quer apenas deter o poder
por algum tempo. Quer passar à história como um grande líder nacional.
Como diria Maquiavel, quer a honra e glória.
O desfecho do caso no Senado tem, portanto, esse interesse extra.
O de saber como terminará o duelo entre essas duas figuras, ACM
e FHC, que encarnam estilos opostos de liderar.
Livro da semana
"Para entender o Brasil", da editora Alegro. Coletânea de nomes
variados - de Rachel de Queiroz a Francisco Gros - sobre os mistérios
do país.
Vejam trecho do depoimento do jornalista Zuenir Ventura: "Há pouco
tempo começou a ser detectado nas favelas cariocas um fenômeno novo,
ainda quase imperceptível. Só registra quem tem boas antenas. Trata-se
de um rancor crescente daquelas populações contra a posição que
ocupam dentro do nosso quadro social tão injusto.
(...)
O rancor das populações faveladas (...) não alcançou um nível que
faça o morro descer, não tem ainda massa crítica. Mas já há sinais
de que é uma identidade que vem se formando, uma maneira de se verem,
aos outros setores da população e ao próprio país".
Verso pop da semana
"Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito home"
Rita Lee e Zélia Duncan, em Pagu.
Errei
Alertado por Francisco Reimão da Costa, corrijo o verso de Jorge
Benjor da semana passada:
Olha aí, meu bem
Prudência e dinheiro no bolso
Canja (e não caldo) de galinha não faz mal a ninguém.
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