Saiba como lidar com as cobranças da família ao virar vegetariano ou vegano

'De onde vai vir a proteína?' é pergunta comum que pode irritar, mas que dá para responder sem comprar briga; veja dicas

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São Paulo

Comer é um ato social, já que ao redor da mesa a gente conversa e compartilha coisas, da comida às experiências. É também por isso que, quando alguém da família decide adotar uma dieta diferente da maioria, é possível que as coisas fiquem um pouco esquisitas, especialmente no começo.

"Como assim o Fulano não está mais comendo carne? De onde vai tirar a proteína?" dirão os tios em alguma mensagem no grupo da família no WhastApp. E pais e mães menos informados sobre nutrição poderão logo em seguida entrar em pânico caso o filho ou filha corte mesmo os animais e/ou seus derivados do prato.

PF do novo restaurante Quincho tem arroz, feijão, couve, farofa, vinagrete de maxixe, banana-da-terra e ovo frito
Prato servido no restaurante especialista em receitas vegetarianas Quincho, e que mostra que dieta sem carne não é necessariamente sinônimo de só 'comer salada' - Bibo Balestra/Divulgação

A nutricionista Rachel Francischi, autora do livro "Vegetarianismo e Veganismo em Nutrição Materno-Infantil" (editora Senac), diz que é cada vez mais frequente receber em seu consultório adolescentes que tomam a iniciativa de parar de comer carne, independentemente da companhia da família.

Ela diz que são dois os principais motivos desses pacientes: a questão ética pelo modo como os animais são tratados até virarem alimentos para o ser humano, e reflexos ambientais do consumo de proteína animal.

"Esses jovens vêm de lares que são onívoros, e isso traz muita preocupação para os responsáveis sobre como eles vão garantir o aporte nutricional necessário nessa fase de crescimento e desenvolvimento tão importante", diz Rachel —em outras palavras, o surto sobre de onde virá a proteína.

"É importante o jovem esclarecer que é perfeitamente possível uma alimentação isenta de animais ser saudável e promover o crescimento de um jovem. A carne é uma escolha, não uma necessidade", afirma a nutricionista.

A chef e mentora em alimentação plant-based Luisa Mafei, que assina o blog Terra Vegana na Folha, começou sua transição para o vegetarianismo por volta dos 12 anos de idade. Aos 27 anos ela se tornou vegana, e há seis meses voltou a ingerir pontualmente ovos e laticínios.

Ela conta que essa transição de uma dieta para outra pode ser dura. "Muitas vezes é um processo muito solitário, especialmente quando você é o único da família que quer fazer isso. Nem sempre a gente se sente confortável em comer uma comida completamente diferente num evento ou num restaurante, por exemplo", diz.

Sentir saudade de comer carne nesse começo pode ser comum, especialmente entre os que gostavam do sabor e da textura. Luisa lembra que há produtos que mimetizam peixes, frangos e carnes bovinas que podem ajudar na adaptação ao novo cardápio.

"Muitas vezes eles não são os mais saudáveis, mas podem ser interessantes para o paladar. Quem vai cozinhar suas refeições do zero também pode recorrer à páprica defumada e à fumaça líquida, que devem ser usadas com moderação. Não são supersaudáveis, do mesmo modo que o churrasco também não é", compara.

Também podem acontecer os furos na nova dieta, quando, por qualquer que seja o motivo, os alimentos que tinham sido cortados voltam excepcionalmente ao prato em alguma ocasião. "A gente tem a memória afetiva das comidas, e elas vão continuar existindo no mundo e talvez nos despertando vontade", diz Luisa.

Nesses momentos, vale tentar lembrar o que moveu a decisão de cortar aqueles produtos da dieta, seja o sofrimento animal ou a crise climática. Mas, caso ainda assim a comida pareça irresistível, Luisa sugere que a exceção seja aberta, sem culpa.

Mudar para uma dieta vegetariana ou vegana, ela diz, pode parecer um bicho de sete cabeças no começo, mas é só questão de variar e compor pratos diferentes. A nutricionista Rachel Francischi lembra que é fundamental ter um planejamento do novo cardápio, para que ele seja balanceado.

A proteína que tanto preocupa alguns adultos deve aparecer nos pratos do almoço e do jantar, só que vinda de fontes vegetais. "Esse grupo é o protagonista do cardápio vegetariano e é composto de feijão, grão de bico, soja, e das farinhas feitas deles que geram, por exemplo, almôndegas de lentilha, pastas como o homus etc", lista Rachel.

O feijão, aliás, é o alimento mais nutritivo que existe depois do leite materno, diz a nutricionista.

O outro grupo essencial é o de legumes e verduras. "Aí é comer alface, cenoura, tomate, brócolis, abobrinha... Esse medo de os filhos ficarem sem proteína é muitas vezes sem fundamento, só é preciso ter uma dieta variada. Até porque, quem come refrigerante e salgadinho também pode ser vegetariano, só que vai ter uma série de prejuízos."

Prato vegetariano da Comedoria Gonzales, no Mercado de Pinheiros
Prato vegano com legumes e verduras - Divulgação

Luisa Mafei sugere que um bom começo seria passar a ir ao supermercado com os adultos e ajudar nas compras dos alimentos. Nos restaurantes, quando estiver todo mundo junto, também vale não ter vergonha de perguntar ao garçom se é possível fazer substituições nos pratos, trocando carnes por legumes e cereais, por exemplo.

"Também é válido pesquisar restaurantes vegetarianos e convidar os pais para irem todos ao menos uma vez por mês. Assim, o jovem vai se sentir incluído e mostrar que esse momento da partilha ainda é possível", diz Luisa.

"Em casa, é legal assumir o papel de cozinheiro e fazer o acordo de que a família vai ao menos provar sua comida. De repente, eles percebem que uma bolonhesa feita com tofu e cogumelos também é saborosa e pode entrar no menu da família."

Por fim, a nutricionista Rachel recomenda consultar um especialista em nutrição ao menos uma vez, preferencialmente na hora de desenhar a nova dieta. É ele quem vai mostrar, por exemplo, a importância do consumo de cálcio, seja com derivados do leite ou com fontes vegetais, e também da suplementação da vitamina B12.

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