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Cobranças sobre a 'geração do quarto' só aumentam vontade que jovens têm de ficar mais lá dentro

Adolescentes dizem que privacidade, diversão e não ter que dar satisfação estão entre principais motivos para 'viver trancados'

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São Paulo

Dentro do seu quarto, na zona leste de São Paulo, Pedro A. F., 15 anos, compõe e grava raps. Ele também gosta de jogar no computador e desenhar. Essas atividades costumam tomar cerca de sete horas —se somadas às horas que Pedro usa para dormir, dá algo como mais da metade do dia fechado ali no seu refúgio.

Pedro A. F., 15 anos, em seu quarto em São Paulo - Mathilde Missioneiro/Folhapress

A porta do quarto tem chave, mas ele não consegue trancá-la porque há um cabo lan passando de um cômodo para o outro. "Até dá para tirar, mas é que eu coloquei ali porque a internet travava às vezes", diz.

Pedro mora com a mãe. De vez em quando, ela aparece para uma visita. "Eu encosto a porta, gosto de privacidade e de ninguém me perturbando. Minha mãe entra direto, mas gostaria que ela batesse antes, porque eu posso estar gravando ou em um campeonato", afirma.

"Acho que só saio [do quarto] pra comer", ri Pedro. Ele diz que sua mãe já reclamou bastante desse hábito dele, mas que hoje é mais tranquila. "Eu sentia que eles [os adultos] não entendem que é legal ficar lá sozinho com seus amigos na chamada. Porque acho que isso não era normal na época de adolescência deles. Se eu pudesse, diria pra me deixarem em paz [risos]."

Fernanda B., 13 anos, acha que passa "em torno de 40% de um dia" em seu quarto. Ela diz que só não fica mais ali dentro porque não passa muito tempo em casa. E que, quando está lá, gosta de usar o celular e dormir.

"Não tranco [a porta], nem tranca tem", ri. No quarto de Fernanda, os adultos precisam bater antes de entrar. Ela prefere assim, para ter "mais privacidade". "Eu saio para as refeições ou para sair de casa, quando vou pra escola etc."

Ela diz que seus responsáveis reclamam desse isolamento. "Acho que eles têm razão, mas algumas vezes eu estou cansada e só quero um tempo sozinha. Eles acham que nós não estamos aproveitando a vida direito. Às vezes, é melhor me deixar um pouco no quarto, pois depois vou sair. Ficar insistindo só me dá mais vontade de ficar lá dentro."

"Geração do quarto" é o nome que o educador e psicólogo Hugo Monteiro Ferreira dá aos adolescentes que, como Pedro e Fernanda, preferem passar horas no quarto em vez de conviver com os adultos da casa em outros cômodos.

Ele entrevistou 3.115 jovens entre 11 e 18 anos em cinco capitais brasileiras e escreveu um livro sobre a pesquisa. As atividades favoritas entre os adolescentes ouvidos são: ficar na internet, assistir a séries no streaming, conversar no WhatsApp, participar de games e ler livros.

"No quarto, esses meninos e meninas sentem pertencimento. Ficar no quarto, separado da família, é não precisar disfarçar sua orientação sexual, sua opinião política, seu medo de fracasso, seu anseio por liberdade, sua confusão mental, sua vontade de descobertas. O quarto é um lugar mais aconchegante do que os locais nos quais sempre há alguém a quem dar satisfação", diz Hugo em entrevista ao Folhateen.

Claro que em todas as gerações sempre foi comum que os jovens curtissem seu cantinho da paz —atualmente, com quartos ainda mais cheios de eletrônicos, o apelo é ainda maior. Mas vale saber que, se os adolescentes são sempre parecidos, os adultos também são, e podem repetir antigos padrões.

"Alguns [adultos] são negligentes e nem se importam, acham até bom, pois os livra de responsabilidades. Outros, autoritários, veem como uma afronta, um desrespeito, uma desobediência, e querem arrancar os meninos do quarto e ameaçam punições e castigos. Há adultos que entendem que faz parte da idade, e que, quando o tempo passar, as coisas vão mudar. Estes não são negligentes, são permissivos", diz Hugo.

"E há os adultos que percebem que algo não vai bem, que ficar tempo tanto no quarto, usar excessivamente as telas, evitar contatos sociais e falar quase nada sinaliza que é preciso chegar perto, tentar ouvir, puxar conversa, saber o que se passa. De modo geral, esse último exemplo de adulto pede ajuda para ajudar o adolescente que está no quarto."

O que preocupa Hugo é a saúde mental dos adolescentes. Ele escreve em "A Geração do Quarto - Quando Crianças e Adolescentes nos Ensinam a Amar" (ed. Record, R$ 49,90, 154 páginas) que nem sempre quem passa muito tempo dentro do quarto sofre de ansiedade e depressão, mas que, quando há ou houve episódios de bullying, autolesão ou algo do tipo, aí uma luz amarela pode se acender.

"É preciso saber discernir. No primeiro caso, estar no quarto é um ato comum para pessoas que buscam privacidade. No segundo caso, estar no quarto implica comportamento autodestrutivo e sintomatologia depressiva. Nesse caso, o quarto é um pedido de socorro, um quadro preocupante que precisa ser acompanhado."

Se você se identifica com este segundo grupo e sente que talvez precise de ajuda, converse com um responsável em quem confie, seja um familiar ou alguém da escola. E, se sentir que há espaço para trocar ideia em casa, ensine à sua família o que você gostaria de ter quando sai um pouco do seu quarto.

"É importante que os jovens se sintam respeitados, que sejam ouvidos e possam expressar opinião. Eles querem sair do quarto, o problema é que, quando saem, não encontram fora o que têm encontrado dentro", afirma Hugo.

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