Chico César conta que nunca sentiu medo e fez tudo que gostaria quando menino

'Digo para as crianças negras que os sonhos não têm tamanho', ensina o músico

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São Paulo

Francisco César Gonçalves, o Chico César, é compositor, cantor, e se formou jornalista na faculdade. Seu primeiro disco foi lançado em 1994 e chama-se "Aos Vivos". O último tem o nome de "O Amor É um Ato Revolucionário", e saiu em 2019. Ele conversou com a Folhinha neste Dia da Consciência Negra para falar sobre sua infância, seus sonhos e como conquistou a carreira que tanto quis.​

Eu nasci no sertão da Paraíba, numa cidadezinha muito pequena que se chama Catolé do Rocha. Nasci na zona rural, no sítio, me criei no mato. Quer dizer, nasci na cidade, mas até os oito anos de idade vivi na zona rural. Sou o sétimo filho, o caçula de uma família de sete, e sempre fui muito amado na minha infância pelos meus pais, pelo meu único irmão homem, pelas minhas irmãs, pela minha família.

Na minha casa, além da minha mãe, do meu pai e dos sete filhos, morava também uma tia chamada Maria, irmã da minha mãe, que viveu com a gente até o final da vida. A minha mãe, que já faleceu, me contava que, a partir dos três anos de idade, eu comecei a querer muito ir pra escola. Como todas as minhas irmãs e meu irmão já iam, eu ficava sozinho com ela em casa, e eu chorava porque queria ir.

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Chico César olhava as capas dos discos que vendia no trabalho e se imaginava em uma delas - José de Holanda/Divulgação

Acabei indo para a escola quando já tinha cinco anos de idade. Era uma escola na zona rural, eu ia caminhando por dentro do mato e tal. Quando eu não tinha aula, brincava o tempo todo. Fui uma criança muito amada, não apenas pela minha família, mas também pelas outras pessoas, e não me lembro de ter sentido preconceito comigo, particularmente.

Eu sabia, via que eu era diferente porque eu era negro, da zona rural, então as pessoas da cidade olhavam diferente, mas nada de fato me marcou ou me traumatizou. Os adultos, os jovens, me pegavam, e botavam no colo, me pediam pra ler porque eu era conhecido como "o menino que lê".

Sempre fiz tudo que eu queria na vida, sendo um menino negro. Estudava num colégio de freiras alemãs, com uma bolsa de estudo, porque aquela minha tia que morava na casa com minha família lavava a roupa dessas freiras e eu ganhei esta bolsa. Com oito anos, comecei a fazer algo que eu também queria, que era trabalhar numa loja de discos e livros. Deixei a casa dos meus pais e fui morar na cidade.

Eu vendia discos e via a foto dos artistas na capa do disco, e via como as pessoas que iam comprar os discos olhavam aquelas capas, e as contracapas, com admiração e um sentimento de amor, e eu desejava muito ser um artista de música quando eu crescesse. Eu pensava "quero ser uma pessoa que as pessoas vão olhar a capa e ficar imaginando o que tem dentro, que música tá soando nesse disco".

Então, já criança, eu participava de programas de calouro. Ganhava bola canarinho, brinquedo, jipe de plástico. E, com oito anos, montei um grupo com outras crianças, o Super Som Mirim.

Nunca tive medo de nada, engraçado isso. E muitos dos artistas que eu admirava eram negros: Gilberto Gil, Jorge Ben, Tim Maia, Luis Melodia, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, João do Valle, a orquestra do maestro Erlon Chaves, que também era negro, Wilson Simonal, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra. Eles eram negros e conseguiram. Eu era negro e também ia conseguir.

Eu percebia que havia um caminho aberto tanto para artistas quanto para esportistas negros, mas eu queria —e ainda quero— é que os negros possam ocupar as administrações, a presidência da República.

Quando eu tinha meu grupo, com nove anos, eu já estava realizando meu sonho. Porque a vida não é um produto que você quer, algo que você quer conquistar. Você quer viver, e eu estava vivendo cantando com meus amigos.

Eu digo para as crianças negras que os sonhos não têm tamanho. É importante você ser feliz mais do que realizar coisas que você julga grandes. Você pode ser feliz fazendo coisas simples e discretas junto com as pessoas que você ama, você pode ser feliz trabalhando na Nasa e indo à Lua, mas você pode ser feliz sendo um professor, dando aula no seu bairro, na sua comunidade. Não tenha medo de ser você mesmo. Isso é o mais importante.

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