Descrição de chapéu Todo mundo lê junto férias

Uso do celular nas férias aumenta para socializar e ter diversão, dizem crianças

'Desligue e Abra', do escritor Ilan Brenman, sugere deixar aparelho de lado e investir em brincadeiras

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São Paulo

Um videozinho engraçado aqui, uma thread polêmica ali, um post de terror, uma partidinha… e, quando a gente vê, aquilo que era para ser uma checadinha rápida no celular, acabou se transformando em horas gastas olhando para a tela do aparelho. Vai dizer se essa descrição não se parece com as férias de alguém que você conhece.

"Eu tenho usado mais o celular durante as férias porque eu tenho mais tempo livre. Jogos eu não jogo muito no celular, eu jogo mais no computador. Mas eu vejo muito filme, série, e assisto vídeo no celular. Eu vejo uns filmes de cachorrinho fofinho, sabe esses filmes? E eu também vejo séries de super-heróis", conta Isaac R. A. S., de 10 anos.

Isaac R. A. S., 10 anos, diz que os livros são se refúgio, mas que às vezes não consegue deixar de usar o celular emprestado da mãe - Zanone Fraissat/Folhapress

No município em que ele mora, diz Isaac, não há muitas coisas legais para se fazer na rua. A casa onde ele vive com os pais fica em Francisco Morato, a cerca de 30 quilômetros do centro de São Paulo.

"Aqui não tem muito lugar pra ir, não tem livraria, parque. Sou filho único e nas casas do lado não tem crianças da minha idade, então eu tenho que usar muito a imaginação aqui em casa pra brincar", explica.

Ele diz que é "bem criativo" e até inventa seus próprios jogos, além de gostar muito de ler. Mas, mesmo assim, a tentação do eletrônico tem sido grande nas férias da escola. Isaac não tem um aparelho próprio, e pega emprestado o da sua mãe, Luciana.

"Ela e meu pai falam pra eu sair um pouco do celular e eu aceito, porque eu sei que não pode passar muito tempo no celular. E, quando eu saio do celular, eu sei me divertir. Eu desenho, faço coisas com materiais recicláveis e também leio bastante, porque a minha mãe é professora e eu gosto de acompanhar ela."

Luciana diz que a família criou em casa uma biblioteca rica em bons títulos, da qual Isaac tira proveito sempre que pode. "Querendo ou não, os livros são um dos meus refúgios", define o menino.

Recentemente, ele leu "Desligue e Abra" (editora Moderna), do escritor Ilan Brenman. O autor conta que teve a ideia de fazer este livro enquanto caminhava despretensiosamente, e imaginou como seria a vida se ele fosse, em vez de humano, um livro.

Ilan foi ainda mais longe na viagem: se ele se transformasse nesse tal livro, o que ele diria? "Eu ia querer dizer para as crianças que eu sou melhor que o celular, e que eu posso provar isso", fantasia Ilan. "Eu tenho falado e escrito sobre o uso dos celulares pelas crianças há bastante tempo. Quero mostrar que eles e os tablets têm causado muitos malefícios às crianças."

"Desligue e Abra" segue a ideia original de Ilan, e "fala" com o leitor como se o livro estivesse realmente ali trocando uma ideia. Nisso surgem propostas de brincadeiras que vão desde cantar com voz fininha e depois bem grave, até arremessar o exemplar para o alto, sem dó.

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Ilustração de Veridiana Scarpelli para livro 'Desligue e Abra', de Ilan Brenman - Divulgação

"Por mais que ele tenha ficado um pouquinho arrebentado depois que eu li, eu amei esse livro. Ficou assim porque ele pedia pra jogar ele pro alto e bater palma três vezes, e eu tentei umas 24 vezes e ele caiu no chão. Coitado dele. Mas vou informar aqui rapidinho que o livro passa bem, ele está na estante", brinca Isaac.

Sofia C. tem 13 anos e também acha que, nas férias, vem usando mais o celular. "Tô usando bem mais do que quando estava indo pro colégio. Uso Tik Tok, Instagram e eu também edito imagens", conta.

Ela diz que os adultos pedem para ela maneirar "o tempo todo". "Eu aceito, mas fico chateada. Às vezes eu não aceito, mas eu não tenho muita opção. Quando não estou no celular, gosto de ler, de fazer ioga, e de ver TV também."

"Minha família até pede pra eu ficar sem celular, mas, infelizmente, às vezes eu não consigo sair dele, pois ou estou assistindo vídeos engraçados no Tik Tok, tipo meme, ou estou entediado, ou ainda estou jogando Fifa 23 mobile", diz Théo C., de 13 anos.

"A criança não vai pôr os limites, quem põe o limite é a família. É ela quem tem que saber que o celular está dando problemas na coluna das crianças, nos olhos, problemas cognitivos e de ansiedade", defende Ilan Brenman.

Nas primeiras páginas de "Desligue e Abra", o livro deixa claro que "sabe" o quanto é difícil deixar o celular de lado, que é preciso se esforçar para resistir à vontade de ficar com ele. Mas por que será que é assim tão difícil se libertar um pouquinho?

"Porque dá prazer", responde Ilan. "Só que muita coisa dá prazer e faz mal. Por exemplo: você gosta de chocolate? Eu gosto muito. Mas comer muito chocolate faz mal. É importante saber que você até pode comer um pouquinho por dia, mas que tem outras coisas tão boas quanto", compara.

E, antes que alguém pense que Ilan estaria sugerindo que todo mundo viva sem celular, ele explica que não é exatamente isso. "Eu também uso o meu celular, óbvio, mas a questão é que temos que ter bom senso e a parcimônia", fala.

O garoto Théo conta que usa o celular para comunicação e como "um método muito grande de entretenimento pelas redes sociais". Mas ele desconfia que talvez esteja exagerando um pouquinho. "Eu acho que estou utilizando muito mesmo, estou até virando noites e minha mãe está brigando comigo por causa disso.

Ainda assim, ele garante que sabe como se divertir quando fica sem o aparelho. "Ou jogo um jogo de tabuleiro ou de cartas, tipo Uno, com meus pais, ou vou brincar com minha cachorra", exemplifica.

Para Ilan, essa parte é realmente importante: ainda que o celular ocupe uma parte do dia a dia das crianças, ninguém esqueça como é que se brinca. "Na história do Peter Pan, ele esquece como era ser criança. E é triste pensar que as crianças de hoje, quando crescerem, podem não ter mais lembranças de que brincavam quando pequenas", imagina o escritor.

"Se você não fabricar lembranças, se ficar só nas telas, pode ter consequências desastrosas. Eu acho que no futuro o celular vai vir com avisos iguais ao das embalagens de cigarros. Dizendo algo como 'O uso excessivo pode te tornar uma estátua'", brinca.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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