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Ruth Rocha publica último livro (mas pode escrever outro se tiver uma boa ideia)

Autora de 'Marcelo, Marmelo, Martelo' lança 'O Grande Livro dos Macacos' e fala sobre carreira, família e medo da morte

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A escritora Ruth Rocha, 92, autografa um livro na sala de sua casa, em São Paulo Mathilde Missioneiro/Folhapress

São Paulo

Duas vezes na semana, Pedro vai à casa da avó ler um livro. Os dois escolhem juntos o título e, por algumas horas, sempre depois do almoço, o neto conta aquela história para que os dois a acompanhem juntos. Pedro faz vozes para os personagens, interpreta as cenas, dá um tom de mistério às coisas. Sua avó adora. Ela tem 92 anos e seu nome é Ruth Rocha.

Ruth Rocha, que lança 'O Grande Livro dos Macacos' - Mathilde Missioneiro/Folhapress

A avó de Pedro já escreveu mais de 200 livros, sendo o mais famoso deles "Marcelo, Marmelo, Martelo", que já vendeu 25 milhões de exemplares. Marcelo, o protagonista, é um menino que começa a achar que os nomes das coisas são muito inadequados, e resolve rebatizá-las por conta própria.

Mas mesmo que Marcelo seja assim famoso, ele ainda precisaria comer muito feijão com arroz para chegar à importância que outros dois garotos têm na vida de Ruth Rocha. São seus "netões", o leitor Pedro e seu irmão Miguel, a grande paixão de sua vida. "Eles são ótimos, são bonitos, inteligentes, bons, são simpáticos, divertidos", diz a avó coruja.

"Meus netos me telefonam sempre para bater papo comigo. Olha só, bater papo com a velha! Ligam, conversam, perguntam como eu estou. São muito meus amigos", conta Ruth, que também recebe diariamente o telefonema de outra parente, sua irmã Rilda, 94 anos. Adivinha para fazer o quê? Isso mesmo, para ler.

"Ela lê para mim todo dia, sábado, domingo, feriado. Nós já lemos 54 livros juntas. ‘Guerra e Paz’ foi o primeiro. Eu fico segurando o telefone aqui no ombro, e ela fica segurando lá. E ela reclama que os livros querem fechar!", diverte-se Ruth.

São muitas décadas rodeada de histórias –de fora para dentro, como ouvinte, e de dentro para fora, como inventora. Ela começou escrevendo "Palavras, Muitas Palavras" e nunca mais parou. Fez "O Reizinho Mandão", "Quem Tem Medo de Monstro?", "Os Direitos das Crianças", "Gabriela e a Titia", "Ninguém Gosta de Mim" e mais duas centenas de títulos.

"Eu tinha muita vontade de escrever, nunca tive que me forçar. Escrever por obrigação é chato. Eu tinha uma ideia e, enquanto não botava ela no papel, não sossegava. E eu tinha sempre três, quatro ideias ao mesmo tempo. Estava escrevendo um livro e já esperando para fazer o outro", lembra.

"Só que, agora, eu não tenho mais ideias. E, se não vier outra [ideia], não vou fazer mais [livros]", anuncia Ruth, assim, à queima-roupa. Sentada numa cadeira de balanço na sala de casa, nos Jardins, em São Paulo, onde recebeu a equipe da Folhinha, Ruth segura nas mãos "O Grande Livro dos Macacos" (editora Moderna, R$ 76, 48 páginas), sua obra recém-lançada escrita durante a pandemia.

Só que, agora, eu não tenho mais ideias. E, se não vier outra [ideia], não vou fazer mais [livros]

Ruth Rocha

escritora

"Comecei a olhar tudo que eu tinha escrito e que não tinha levado pra frente. Encontrei um livro que fiz só sobre macacos. Montei o livro, não gostei e guardei, e levei anos com ele guardado. Um dia, peguei e falei ‘É esse!’", diz.

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Capa do livro 'O Grande Livro dos Macacos', de Ruth Rocha, com ilustrações de Veridiana Scarpelli - Divulgação

Ela não sabe se dentro da mesma caixa de ideias guardadas pode haver alguma outra história a ser retomada —e isso faz com que o novo livro possa, de fato, ser o derradeiro. Só que um pensamento que talvez pareça triste para seus leitores não assusta Ruth. Assim como também não lhe espanta pensar que, um dia, ela mesma não estará mais aqui.

"Eu não tenho medo da morte. Eu tenho ela aqui, me esperando, mas ela não me chateia. À hora que chegar, vai, vou morrer e acabar. E, no momento em que eu acabar, eu acabei. Não vou sentir nada, então não tenho medo."

"Eu, por enquanto, estou bem. Tenho um pouco de coisinhas, claro, né? Mas não tem nada grave. Nada que me preocupe muito. Nós somos cinco [irmãos] vivos, né? Meu pai morreu com 91 anos. Minha mãe morreu com 96. Então, nós temos vida longa", diz.

Além de saúde, Ruth tem saudade. "A velhice tira as pessoas queridas. Tirou meu pai, minha mãe, meu marido querido. Tira os amigos. Tira a possibilidade física de fazer coisas. Eu, por exemplo, sou louca por praia. Mas não aguento mais ir à praia, tenho medo de cair", afirma, lembrando que também faz muitos anos da última vez em que conseguiu viajar.

Mas Ruth é ativa. Faz ginástica pela internet e se consulta com uma psiquiatra também via computador. Tem lido pouca literatura infantojuvenil, mas se mantém a par das coisas do mundo. Anda preocupada com as mudanças climáticas e sabe da onda de revisionismo que modifica partes de histórias já escritas em livros antigos.

Parou de presentear as pessoas com a obra de Monteiro Lobato depois que a filha de sua funcionária se queixou de uma história em que havia a expressão "negra beiçuda". "Falei pra ela: ‘Você tem toda a razão de não gostar. Tá tudo errado, isso é muito feio mesmo’", conta.

"Não tenho preconceito, acho que não tenho nenhum. Meu primeiro livro era antirracista, estudei sociologia política", diz Ruth, que também diz não se lembrar de ter sido vítima de machismo.

"Só vi fazerem coisas contra mim no sentido de pagar mais homens e promover mais homens [do que mulheres]. Isso eu vi. Mas eu também não ficava muito aflita. Eu ganhava bem, era muito respeitada, cheguei a ter cem funcionários na minha Redação [da revista Recreio, na editora Abril]", lembra Ruth, que trabalhou muitos anos como jornalista.

Como costuma dizer em suas entrevistas, Ruth afirma que a esperança é a principal lição que aprendeu na vida, e que torcer para que todas as crianças que leiam sua obra, hoje e sempre, consigam encontrar nela coisas boas, como alegria e crença no futuro.

Ruth toma um cafezinho ao final da entrevista - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Depois de uma hora de conversa, Ruth ainda teve paciência para autografar livros e compartilhar um cafezinho. Não reclamou da casa lotada de gente nova, das mudanças na decoração para fazer fotos, nem de ter que falar por tanto tempo.

"Eu não me queixo da vida, não tenho esse hábito. Eu sempre tive muitas doenças na minha vida, mas nunca ninguém me viu me queixando. É porque eu não acho que os outros têm nada com isso", disse, enquanto educadamente acenava tchau. Deu beijos na equipe da Folhinha e já deixou marcado o próximo encontro: no dia de seu aniversário de 95 anos, em 2026.

Combinado, Ruth. Até já.

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Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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