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Oscar a 'Tudo em Todo o Lugar' mostra pêndulo entre caretice e novidade

Academia ainda decidiu celebrar o saudosismo distribuindo prêmios para atores com personagens icônicos no currículo

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São Paulo

Foi sem grandes surpresas que o Oscar chegou ao fim na madrugada desta segunda (13), dando o prêmio de melhor filme e outras seis estatuetas a "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo". A trama sobre multiversos era a grande favorita, e as apostas em outros concorrentes já eram vistas como delírio nos últimos dias.

A equipe de "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" recebe o Oscar de melhor filme - Carlos Barria/Reuters

Houve quem acreditasse numa mudança de curso de última hora em direção a um candidato mais conservador, nominalmente "Nada de Novo no Front" ou "Os Banshees de Inisherin", mas não teve jeito.

A crença vinha do fato de o primeiro tocar num tema hipervalorizado em Hollywood, uma das guerras mundiais, e o segundo preencher a cota de filme intimista britânico da temporada, apesar da alma irlandesa. E havia ainda "Os Fabelmans", uma opção conservadora por ser de Spielberg, mas disruptiva também por ser de Spielberg –apesar de medalhão da indústria, o cineasta tem um histórico complicado com o Oscar.

Premiando "Tudo em Todo o Lugar" como melhor filme, no entanto, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas reforçou a tendência de se comportar como pêndulo. Mais que isso. Ao dar quatro estatuetas a "Nada de Novo no Front", escancarou uma crise de identidade, numa organização que passa por transformações e que alterna entre a caretice e a novidade.

Se num ano premia um "filme de Oscar", daqueles mais tradicionalistas e ancorados em temas e formatos historicamente reconhecidos pela organização, no outro pende para uma escolha que afronta padrões. É um embate fruto da admissão de votantes mais novos, pertencentes a grupos minorizados na indústria e de fora das fronteiras dos Estados Unidos.

Basta olhar para o ano passado, quando o inofensivo e agrada-todo-mundo "No Ritmo do Coração" levou melhor filme, ainda na ressaca da vitória de "Parasita". "Nomadland" veio no meio, mas num ano atípico por causa da pandemia.

O sul-coreano, por sua vez, veio depois de "Green Book: O Guia", um falso bastião de diversidade, que veio depois de "A Forma da Água" e "Moonlight", que exploram desejo e sexualidade. Antes deles, foi o certinho "Spotlight: Segredos Revelados", e por aí vai. É como se uma vitória instasse a porção contrária de votantes a reagir no ano seguinte

O longa alemão sobre a Grande Guerra, que não traz nada de novo apesar de correto e conveniente em tempos de conflito na Ucrânia, pode não ter levado melhor filme, mas teve de consolo fotografia, direção de arte, trilha sonora e filme internacional. Chegar perto assim da glória de "Tudo em Todo o Lugar" só reforça a contradição.

Já "Banshees", o drama irlandês sobre amizades desfeitas, que lá atrás chegou a despontar como favorito, murchou e acabou de mãos vazias, bem como "Os Fabelmans".

"Tudo em Todo o Lugar" levou ainda direção, atriz, para Michelle Yeoh, ator coadjuvante, para Ke Huy Quan, atriz coadjuvante, para Jamie Lee Curtis, roteiro original e montagem.

A vitória veio carregada de curiosidades. Desde "Quem Quer Ser Um Milionário?", em 2009, com oito, um só filme não ficava com tantos prêmios no Oscar, e pela primeira vez uma mulher asiática embolsou atriz. Foi uma decepção para Cate Blanchett, que teve em "Tár" uma de suas melhores interpretações, num consenso entre a cinefilia.

Assim, o marco dá continuidade à onda asiática lançada por "Parasita" há três anos e, ainda, amplia seu alcance. O vencedor sul-coreano, afinal, conquistou a estatueta sem uma única indicação para seu elenco, algo raro e injusto com um grupo de atores tão afiado.

"Tudo em Todo o Lugar", ao assegurar os prêmios de atriz e ator coadjuvante, turbina essa tendência de diversidade. Vale citar que ele é, como Lee Curtis bem lembrou ao aceitar seu Oscar, um filme de gênero. Não só um, mas vários –do drama familiar à comédia nonsense, da ficção científica dos multiversos ao terror de Jobu Tupaki, da ação frenética com artes marciais à aventura maximalista. A ponto de ser visto como tolo e bagunçado por seus detratores.

É, portanto, uma escolha um tanto ousada, ao romper com o que se espera de um vencedor do Oscar de melhor filme. "Tudo em Todo o Lugar" tem elenco diverso, é pincelado com tons feministas e queer, trata de uma família de imigrantes, é frenético em sua narrativa e flerta com o cinema comercial ao mergulhar nos multiversos, mantendo a essência indie.

De volta às categorias de atuação, o Oscar deste ano foi também de saudosismo. Com os prêmios para Yeoh, Huy Quan, Lee Curtis e Brendan Fraser, eleito melhor ator por "A Baleia", Hollywood prestou reverência a figuras de seu passado e as resgatou do ostracismo.

A intenção de celebrar nomes com um histórico irregular que vivem um retorno triunfante fica clara ao olhar para a corrida de atriz coadjuvante. Nela, Lee Curtis –talvez a mais famosa "final girl" dos filmes de slasher, com "Halloween"– disputava a tapa com Angela Bassett, que poderia ter recebido um pedido de desculpas por ter ficado sem o Oscar de 1995.

Stephanie Hsu, do mesmo "Tudo em Todo o Lugar", correu por fora desde o início, surpreendentemente. É ela, afinal, a grande coadjuvante do filme, mas mal foi cogitada para receber a estatueta, numa edição que rejeitou os atores novinhos, como Austin Butler.

Completam a lista de vencedores "Avatar: O Caminho da Água", em efeito especiais, "Navalny", em documentário, "Pinóquio de Guillermo Del Toro", em animação, "A Baleia", em cabelo e maquiagem, "Pantera Negra: Wakanda para Sempre", em figurino, "Top Gun: Maverick", em som, e "RRR: Revolta, Rebelião, Revolução", em canção original, por "Naatu Naatu".

Os curtas oscarizados foram "A Irish Goodbye", o animado "O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo" e o documental "Como Cuidar de um Bebê Elefante". "Elvis", "Tár" e "Triângulo da Tristeza" saíram sem nada.

Quanto à cerimônia, é difícil pensar que ela vai ter impacto positivo de audiência, diante do declínio vertiginoso pelo qual a exibição do Oscar passa. Apesar dos campeões de bilheteria "Top Gun: Maverick" e "Avatar: O Caminho da Água" estarem indicados, e das performances das divas Lady Gaga e Rihanna, a festa competiu com o episódio final de "The Last of Us", a série do momento.

Pedro Pascal, sua estrela, pode até ter preferido ir ao Oscar, onde apresentou uma das categorias, mas isso não diz muita coisa.

Uma pena, porque foi uma boa cerimônia, apesar da falta de sustos. Jimmy Kimmel fez um trabalho decente enquanto apresentador, abrindo a noite com um monólogo ácido que não poupou ninguém –mas sem ser deselegante, como Chris Rock foi no ano passado, em que acabou estapeado por Will Smith.

Kimmel citou o ocorrido e outros momentos constrangedores da história da Academia e da indústria, como a troca de envelopes de "Moonlight" e "La La Land", desastres de bilheteria como "Babilônia", os atrasos homéricos da cerimônia e a falta de histórias de mulheres negras e de diretoras mulheres nesta edição.

Entre os discursos, Lee Curtis e Huy Quan encheram a cerimônia de emoção já no começo, embriagados de sentimentalismo. Ela lembrou dos pais, também atores e também indicados ao Oscar, e ele, do fato de ter se despedido de uma indústria sem representatividade por longos anos e, agora, retornar num abraço caloroso.

Fraser e Yeoh, também, emocionaram, bem como John Travolta, parceiro de Olivia Newton-John em "Grease", que introduziu o segmento de homenagem aos mortos do ano passado.

Mas os discursos, no geral, foram apolíticos e passaram longe de polêmicas. A exceção que vale citar foi Sarah Polley, que ao ganhar melhor roteiro adaptado por "Entre Mulheres" agradeceu à Academia por não ter ficado assustada pelas palavras "mulheres" e "falando" juntas numa frase —o título original da obra é "Women Talking".

Num ano após um Oscar marcado por uma porrada –a literal, de Will Smith em Chris Rock, e a metafórica, com a vitória anticlimática de "No Ritmo do Coração"–, esta edição ocorreu sem surpresas ou grandes momentos.

Mas pelo menos ninguém se feriu.

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