Descrição de chapéu Filmes

Warner Bros. faz cem anos com dívida de US$ 50 bi e tesouros em 'museu secreto'

Estúdio abriga batmóveis, vestidos clássicos de Hollywood e até documentos históricos de grandes filmes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Los Angeles

Albert, Sam, Harry e Jack Warner emigraram com a mãe para os Estados Unidos ainda pequenos, no fim do século 19. Em 1903, começaram na indústria cinematográfica como exibidores ambulantes, mostrando filmes em comunidades de mineradores. Quatro anos depois, já operavam um cinema em família.

Em 4 de abril de 1923, os irmãos fundaram a Warner Bros. Pictures, que faz aniversário em meio a uma das suas maiores crises. Com uma dívida em torno de US$ 50 bilhões, o estúdio foi separado da empresa de telefonia AT&T, se fundiu ao grupo de mídia Discovery e foi rebatizado de Warner Bros. Discovery.

Casablanca
Humphrey Bogart e Ingrid Bergman em cena de 'Casablanca', de Michael Curtiz - Divulgação

Não que reestruturações sejam novidades. Nos anos 1970, virou Warner-Amex na joint venture com a poderosa bandeira de cartões de crédito. Vinte anos depois, fundiu-se com a Time Inc. para formar o maior conglomerado de mídia do planeta. Houve ainda parceria com a provedora de internet AOL, entre 2000 e 2008.

No comando da nova empresa, David Zaslav, judeu com raízes polonesas, assim como os irmãos Warner, chegou com bom currículo à frente do modelo atual, com a Discovery, mas com a desconfiança do lado criativo.

A percepção piorou no ano passado, quando séries sumiram de suas plataformas de streamings e filmes em estágio final de produção foram cancelados sem o menor pudor para evitar gastos em centenas de milhões de dólares com impostos.

Passada a pior turbulência, Zaslav começou a revelar seus planos de recuperação a partir do investimento em grandes franquias cinematográficas, como "O Senhor dos Anéis", "Harry Potter" e os super-heróis da editora DC Comics, propriedade do estúdio.

Sua decisão mais radical foi nomear James Gunn, diretor de "Guardiões da Galáxia", e Peter Safran, produtor de "Invocação do Mal", como CEOs do DC Studios. Em janeiro passado, a dupla anunciou um plano de dez anos que começa em 2025 com um novo filme do Super-Homem, carro-chefe deste universo, mais um longa do Batman —com Robin— e séries com personagens menos conhecidos.

Outro bom sinal para os funcionários da Warner foi a visita de David Zaslav ao arquivo do estúdio. "Ele se virou para todos e disse: ‘Isso aqui é a história do cinema’. Foi um grande alívio", diz George Feltenstein, executivo veterano de Hollywood e historiador da Warner Bros. Discovery.

O arquivo fica num prédio com acesso proibido ao público, em Los Angeles. Seu endereço é mantido em segredo. A princípio, a razão não fica clara. Paredes beges adornadas por alguns pôsteres de clássicos da Warner, uma sala com máquinas de fliperama e peças de arte subvertendo uniformes do Batman. Nada muito diferente de outros escritórios em Hollywood.

Aos poucos, porém, o lugar revela sua verdadeira importância. Na sala seguinte, Feltenstein apresenta um chapéu de caubói autografado por toda a equipe e elenco de "Caravana do Ouro", de 1940, inclusive Errol Flynn e Humphrey Bogart, que logo se tornaria astro incontestável com "Relíquia Macabra" e "Casablanca".

Apoiado ao lado da primeira minuta original de uma reunião da diretoria da Warner, de 6 abril de 1923, um pôster raro de "O Cantor de Jazz", de 1927, primeiro filme falado da história do cinema, ainda usando o revolucionário sistema de sincronização de som e imagens chamado Vitaphone.

"Sam [Warner] morreu na véspera da estreia do filme", diz Feltenstein. "Ele literalmente se matou para fazer ‘O Cantor de Jazz’, porque ele tinha uma mastoidite [infecção bacteriana] e não ia para o médico porque tinha de terminar o filme. Quando finalmente foi ao hospital, era tarde demais."

Keanu Reeves em cena de "Matrix Reloaded" - Divulgação

Entre a cadeira de diretor de Clint Eastwood em "Os Imperdoáveis", de 1992, e um manequim com o casaco vermelho usado por James Dean em "Juventude Transviada", de 1955, uma porta dupla de ferro é aberta para a parte principal do "arquivo secreto da Warner" —um armazém gigantesco com prateleiras do chão ao teto com milhares objetos cinematográficos.

Para os mais cinéfilos, parece o local da cena final de "Os Caçadores da Arca Perdida", mas abrigando raridades como a luva original de Freddy Krueger, de "A Hora do Pesadelo", os sentinelas de "Matrix", a estátua do demônio Pazuzu de "O Exorcista" e até a máquina utilizada pela equipe de Richard Donner para simular o voo de Christopher Reeve em "Super-Homem II".

Para os amantes do cinema antigo, um setor no fundo do armazém traz figurinos de centenas de filmes, dos vestidos usados por Lucille Ball em "Mame", de 1974, aos ternos de Cary Grant em "A Canção Inesquecível", de 1946. Em uma caixa, estão ainda os sapatos de Betty Davis em "A Estranha Passageira".

Já para quem gosta de um cinema mais moderno e pop, o museu secreto da Warner exibe maquetes dos helicópteros de "Tenet", filme de ação de Christopher Nolan de 2020.

Nas centenas de caixas, há amostras do cuidado de certos cineastas com seus filmes. Fotos com o personagem de Leonardo DiCaprio em "Os Infiltrados", de Martin Scorsese, o arquivo completo criado pelas irmãs Wachowski para Thomas Anderson, vivido por Keanu Reeves em "Matrix", com direto a documentos falsos, biografia, cartões de crédito e textos que o espectador nunca viu na tela.

Há áreas especiais dentro do local que exigem cuidados específicos por causa das peças expostas. Os atores de "A Noiva Cadáver", animação em stop-motion de Tim Burton, precisam ficar em uma sala refrigerada e escura para não derreterem. O mesmo vale para os monstrengos de "Gremlins", de 1984.

A grande atração do arquivo, porém, é o setor dedicado aos super-heróis do estúdio. Junto ao 2001 Jaguar XK8 de "Austin Powers: 000, um Agente Nada Discreto", de 1997, o local abriga quase todos os batmóveis do cinema, do veículo lindo, mas impossível de dirigir de "Batman" (1989), de Tim Burton, ao Tumbler da trilogia de Christopher Nolan.

Em uma ala separada, ficam os uniformes utilizados pelos filmes da DC, de "Watchmen", de 2009, ao inédito "Besouro Azul", passando por "Aquaman" e "Mulher-Maravilha". No centro da sala, o pequeno colante de náilon de Christopher Reeve em "Super-Homem – O Filme", de 1978, fica com a estufada roupa de Henry Cavill em "O Homem de Aço", de 2013.

Separado de tudo isso, no que a Warner considera o recinto mais seguro do planeta, estão os uniformes e as máscaras de todos os filmes do Batman, a franquia mais importante do estúdio. As dezenas de máscaras sofreram com o tempo e com as filmagens, mas um material coletado dos produtos originais fica ao lado para ser utilizado numa possível restauração.

O arquivo da Warner é basicamente o melhor museu do cinema em que ninguém pode entrar. Não há nenhum plano para abrir suas portas ao público, pois o investimento seria mais um fardo na dívida do estúdio, que fechou o último trimestre do ano passado com prejuízo de US$ 2,1 bilhões.

A longo prazo, as atrações poderiam render exibições mais poderosas que, digamos, a do recém-inaugurado Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O local é uma memória do passado glorioso e dos tropeços, mas também mostra que certas riquezas não podem ser medidas por dólares.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.