Almodóvar se une a Pedro Pascal no faroeste fashion e gay 'Estranha Forma de Vida'

Curta também tem Ethan Hawke no elenco e foi vendido como uma resposta sexy a 'O Segredo de Brokeback Mountain'

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Ethan Hawke e Pedro Pascal em cartaz do filme

Ethan Hawke e Pedro Pascal em cartaz do filme "Estranha Forma de Vida", de Pedro Almodóvar Divulgação

Cannes (França)

Vestindo Saint Laurent e acompanhado por uma comitiva de "twinks", como são chamados gays jovens, de corpo esguio e olhar ingenuamente sedutor, Pedro Almodóvar desfilou pelo último Festival de Cannes, arrancando suspiros daqueles que admiram seu cinema e, também, de quem admirava a beleza de seus escudeiros.

George Steane, Jason Fernandez, Ethan Hawke, Pedro Almodóvar, Jose Condessa e Manu Rios no Festival de Cannes, em maio - Loic Venance/AFP

Mesmo fora da competição e com um filme de apenas meia hora, o cineasta espanhol causou furor na Riviera Francesa, onde seu "Estranha Forma de Vida", que estreia agora nos cinemas brasileiros e, em outubro, chega à Mubi, se firmou como um dos títulos mais disputados de uma seleção já abrilhantada por Scorsese, Wes Anderson e Wim Wenders.

Longe da elegância kitsch das camisas coloridas e bem passadas que Almodóvar levou a Cannes, mas fazendo jus ao melodrama inerente à sua obra, vários cinéfilos esperaram mais de sete horas numa fila para a sessão do curta-metragem.

Eles vestiam roupas maltratadas pelo sol intenso, logo lavadas pela chuva, que ensopou também as cartolinas que imploravam por ingressos remanescentes. A comoção era tanta que até jornalistas com bilhetes ficaram de fora, engolidos pelo caos que se instaurou na entrada do cinema.

Uma vez dentro do salão, aqueles que conseguiram entrar conheceram de perto a comitiva de semi-anônimos levada por Almodóvar. Com camisas e coletes entreabertos, que deixavam escapar o contorno de seus peitorais, ou então regatas de gola rolê, das quais vazavam braços sutilmente fortes, Manu Rios, José Condessa, Jason Fernández e George Steane sorriam ostensivamente ao lado do espanhol.

Por mais vistosa que tenha sido a passagem do quarteto pelo festival, no entanto, foi tímida a sua aparição em "Estranha Forma de Vida". Os atores são como coadjuvantes decorativos, que embelezam a cena, mas não rivalizam com os sex symbols mais maduros Ethan Hawke e Pedro Pascal, estes sim os protagonistas do novo filme.

Não um filme por si só, mas uma resposta a outro que se tornou um clássico no panteão do cinema queer, "O Segredo de Brokeback Mountain", que em determinado momento questiona o que dois homens fariam juntos no inóspito e conservador oeste americano.

Almodóvar dirige, agora, a resposta. Mas uma não tão erótica quanto sua base de fãs acreditou que veria –"Brokeback Mountain" fugiu de suas mãos nos anos 2000, e mais tarde o cineasta afirmaria que teria incluído "mais e mais sexo" na trama, se tivesse ficado com ela.

"Estranha Forma de Vida", no entanto, não carrega a crueza do Almodóvar que filmou em close a cueca branca molhada de Gael García Bernal, em "Má Educação", ou as súplicas de "me come" da abertura masturbatória de "A Lei do Desejo".

É, de certa forma, comportado, apesar da óbvia provocação que faz ao gênero de faroeste, dominado por machões insensíveis.

"Eu já fiz vários filmes com cenas eróticas explícitas, e não tenho problema nenhum com isso. Mas esse não era o estilo de ‘Estranha Forma de Vida’. Eu queria um western clássico, mas com dois homens que, por meio de diálogos e olhares, criassem um jogo de paixão e desejo. E há diferentes tipos de desejo, para além do carnal", diz Almodóvar.

"É um filme que brinca com o que as nossas mentes podem fazer, por isso não há necessidade de mostrar tudo. Nossa mente pode ver sozinha coisas muito mais picantes, esse nível de erotismo [com cenas gráficas] talvez fosse errado para este filme", completa Ethan Hawke, que em Cannes vestiu uma camiseta em apoio à greve de roteiristas de Hollywood, ainda sem saber que sua própria categoria, de atores, se juntaria à paralisação semanas depois.

Não é como se "Estranha Forma de Vida" fosse passar incólume por uma plateia careta, no entanto. Almodóvar filmou, sim, uma delicada cena de paixão carnal entre os caubóis enrustidos de Hawke e Pascal –este, na manhã seguinte ao ato, desperta com as nádegas empinadas na cama, no que há de mais explícito na obra.

Mais liberto que seu par romântico, o personagem do ator chileno serve de gatilho para a trama quando retorna à cidadezinha do velho oeste americano onde viveu um romance gay, anos atrás. Ele está lá para ajudar o filho, um caubói fora da lei, mas termina entre os lençóis do bronco interpretado por Hawke, agora cinquentão.

Acordamos com eles na manhã seguinte, quando rememoram os tiros que, numa brincadeira do passado, fizeram vazar o vinho dos barris nos quais praticavam pontaria e, também, os desejos proibidos que reprimiam.

Ensopados e embriagados pelo líquido rubro, as versões jovens dos protagonistas, José Condessa e Jason Fernández, rolam no chão e passam a língua pelas bocas um do outro, gerando um conflito entre tesão e tensão semelhante ao de "Brokeback Mountain" –eles querem, mas não querem; podem, mas não podem.

"Eu queria mais que eles falassem sobre isso [o sexo e o desejo], do que mostrassem isso. E essa conversa acontece enquanto o Pedro Pascal procura sua cueca, então é muito sexy de acompanhar. Os dois estão próximos, pelados, mas era a conversa que estava realmente nua. É algo mais difícil do que a parte física de um relacionamento", diz Almodóvar.

Quando estão vestidos, entretanto, os personagens capricham. As paisagens arenosas de "Estranha Forma de Vida" contrastam com os figurinos de cores blocadas criados pela grife Saint Laurent.

A marca, por meio da nova produtora Saint Laurent Productions e do diretor criativo Anthony Vaccarello, ajudou a conceber o filme, conferindo beleza e elegância incomuns ao faroeste –e também ares de peça publicitária, mesmo que inofensiva.

Pascal, com sua jaqueta verde, mais parece saído da Cidade das Esmeraldas technicolor de "O Mágico de Oz". O ator-modelo-influenciador Manu Rios, da quase pornográfica série "Elite", poderia muito bem passear pelos tapetes vermelhos de Cannes com a camisa bufante que seu personagem usa na abertura do curta, que traz seus lábios carnudos se movendo ao som do fado "Estranha Forma de Vida", na voz de Caetano Veloso.

Almodóvar explica que, para além de ecoar a intensidade das cores que preenchem toda a sua filmografia, ele queria recuperar a velha Hollywood. Ele cresceu vendo bangue-bangues, e o curta é inspirado no próprio cinema, não na realidade, afinal.

"No velho oeste, as roupas eram muito feias, sujas, cheias de barro. Hollywood, então, cria uma cultura épica para narrar a conquista do oeste, e estiliza essa época. O Anthony e eu nos inspiramos nas representações desse período, sem preocupação em sermos fidedignos."

James Stewart em cena do faroeste "E o Sangue Semeou a Terra", dirigido por Anthony Mann em 1952
James Stewart em cena do faroeste "E o Sangue Semeou a Terra", dirigido por Anthony Mann em 1952 - MoMA/Reprodução

Foi de "E o Sangue Semeou a Terra", dirigido por Anthony Mann em 1952, aliás, que a dupla tirou a ideia para a jaqueta verde-esmeralda de Pascal, uma alusão ao modelito de James Stewart no western, por sua vez já descolado da realidade.

Nada fora do comum para um diretor que tem como matéria-prima as fantasias mais loucas e excêntricas de seus personagens. E também de seu público.

Estranha Forma de Vida

  • Quando Estreia nesta quinta (14), nos cinemas, e no dia 20 de outubro na Mubi
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Ethan Hawke, Pedro Pascal e Manu Rios
  • Produção Espanha, França, 2023
  • Direção Pedro Almodóvar
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