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Editora Cosac Naify renasce como Cosac oito anos depois de fechar e chocar mercado

Charles Cosac retoma empresa em menor porte com livro sobre joias e previsão de publicar títulos de arte e humanidades

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Charles Cosac em seu apartamento, em São Paulo

Charles Cosac em seu apartamento, em São Paulo Danilo Verpa/Folhapress

São Paulo

Antes de abrir a editora Cosac Naify, em 1997, Charles Cosac publicou um livro sobre a obra de Siron Franco, seu amigo íntimo e artista presente com duas pinturas imensas na sala de seu apartamento em São Paulo.

O volume foi o embrião da casa editorial que, nas duas décadas seguintes, se tornaria a balizadora do mercado para publicações de qualidade, por dar importância ao design dos livros que lançava num contexto em que as editoras só se preocupavam com o conteúdo.

Zezé Motta veste joias baianas dos séculos 18 e 19
Zezé Motta veste joias baianas dos séculos 18 e 19 - Christian Cravo/Divulgação

Depois de editar 1.600 títulos em mais de dez áreas do conhecimento, dentre as quais arte, literatura e infantojuvenil, em dezembro de 2015 Cosac demitiu todos os funcionários e fechou a empresa. A comoção foi imensa entre os amantes de livros e chocou o mercado por ter sido abrupta.

Oito anos depois daquele mês fatídico, Cosac decidiu voltar com a editora —e, não por acaso, a primeira publicação da nova fase é um livro de Siron Franco, reunindo as obras do artista goiano presentes na coleção de Justo Werlang. O lançamento é nesta quinta-feira, na Livraria da Travessa, em São Paulo.

Charles Cosac, em sua casa no bairro de Higienópolis, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

A lombada do livro já entrega que as coisas mudaram, pois não há mais o nome Naify no logotipo. Agora, a editora passa a se chamar somente Cosac. Michael Naify, o cunhado de Charles, virou fotógrafo e não tem relação com a nova empreitada, que usa o mesmo CNPJ da antiga editora.

"A Cosac pode crescer, mas não vai ser perto dos moldes que foi a Cosac Naify. Não quero criar outro monstro que eu tenha medo. Quando vi, a gente estava com 120 funcionários. Era uma responsabilidade enorme nas minhas costas", diz Cosac, entre um gole e outro de Coca Zero com gelo.

Estão no prelo para o ano que vem livros monográficos dos artistas Daniel Senise e José Resende —deste, Cosac tem uma escultura sobre a mesa de centro da sala. Contudo, o editor ocupa boa parte da entrevista discutindo um projeto que lhe tomou três anos, com lançamento previsto para janeiro.

"Florindas", o primeiro lançamento de luxo da nova Cosac, nos moldes dos livros-desejo da antiga, é uma caixa com dois volumes sobre as joias afrobrasileiras na Bahia dos séculos 18 e 19. Com textos de Lilia Schwarcz, Mary Del Priore, Pedro Corrêa do Lago e outros intelectuais, um dos livros conta a vida da alforriada Florinda Anna do Nascimento, conhecida por seus anéis, colares e pulseiras que exibia de forma majestosa.

O outro tomo é dedicado à sua joalheria, com imagens e contexto histórico das "joias de crioula", termo usado historicamente para se referir aos acessórios usados por escravas, uma expressão que Cosac rejeita em prol da expressão joias baianas.

É muito difícil fotografar anéis sem dedo, ele diz —"eu não consigo, eu vou virar a H. Stern"—, e por isso o editor chamou Zezé Motta para vestir as joias da ex-escravizada enquanto era fotografada por Christian Cravo. Um dos retratos virou a capa do livro.

"Eu não queria uma ‘globete’ que está no auge da forma e do sucesso", afirma Cosac, ao justificar por que não acatou a sugestão de convidar a atriz Taís Araújo para ser sua modelo de joias.

Segundo ele, "Florindas" revê a condição da mulher negra durante a escravatura. "Foi ruim? Foi. Mas algumas se deram bem? Deram. A gente sempre tem a ideia da Chica da Silva, mas ela não foi a única. Na verdade existiram várias Chicas da Silva."

Nos anos seguintes ao fechamento da Cosac Naify, o editor lançou um livro póstumo sobre Tunga, de quem era próximo, e outro sobre o fotojornalista Gervásio Baptista, autor da célebre foto de Juscelino Kubitschek acenando com a cartola para o povo na inauguração de Brasília. O primeiro saiu com o selo Cosac Naify, e o segundo foi uma encomenda do Supremo Tribunal Federal.

Ele também trabalhou como diretor da Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo, período que diz ter sido um dos mais felizes de sua vida, e chefiou o Museu Nacional da República, em Brasília.

Há alguns meses, Cosac voltou a morar em São Paulo depois de quase dois anos no Rio de Janeiro, sua cidade natal, temporada que ele qualifica como "triste" e "horrível". Ele retirou sua coleção de arte barroca e contemporânea brasileira do depósito, pegou seus cães e se mudou para um apartamento alugado a poucos metros da antiga sede da Cosac Naify, no bairro da Vila Buarque.

Ele agora procura uma sala comercial no mesmo prédio da Cosac Naify e quer aos poucos formar uma equipe para trabalhar presencialmente lá. Seu objetivo é seguir editando livros até os 80 anos —hoje, está com 60.

Apesar de sua reaproximação simbólica e real com a antiga editora, Cosac afirma não sentir saudades da empresa nem se arrepender de seu fechamento. "Eu provoquei aquilo, eu quis aquilo", diz, acrescentando que não sofreu nenhuma ação trabalhista por parte dos mais de cem funcionários.

Outro de seus projetos é resgatar alguns títulos da antiga casa e voltar a publicá-los, a exemplo de uma série de ensaios de Ismail Xavier, um dos principais teóricos do cinema brasileiro, além de lançar livros acadêmicos que as editoras de universidades não conseguem dar vazão.

Mas, se depender de Cosac, o retorno de sua editora não deve causar o frisson e as filas intermináveis que a Cosac Naify gerava na Festa do Livro da USP todo fim de ano —até porque ele diz não querer participar de feiras.

"Não acompanho e não quero acompanhar o mercado editorial. Quero tratar com pouquíssimas livrarias e a Amazon. Eu não estou fazendo esses livros para me sustentar. Se der alguma coisa, vai ser prejuízo. Então posso me dar ao luxo de não ficar ligado no mercado."

Siron Franco na Coleção de Justo Werlang

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