Bardi levou fotografia para os museus

Criador do Masp, que faria 120 anos, foi pioneiro ao valorizar linguagem fotográfica como expressão artística

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Carla Romero

Bacharel em fotografia pelo Senac, trabalhou como editora de fotografia nos jornais Valor Econômico, Brasil Econômico e Folha

[RESUMO] Nascido há 120 anos, Pietro Maria Bardi transformou a fotografia no Brasil com suas iniciativas vanguardistas de valorizá-la como expressão artística autônoma e criar espaços de exibição no Masp, museu que dirigiu em São Paulo.

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Em 1900, ano de nascimento de Pietro Maria Bardi, a fotografia era uma sessentona e nem imaginava entrar nos museus como expressão artística. Em 2020, ano em que Bardi completaria 120 anos, a fotografia vai muito bem e circula como arte nos lugares mais privilegiados do mundo.

Em terras brasileiras, Bardi foi peça-chave na validação do meio pelas instituições de arte, colocando o Masp à frente dessa empreitada. A história da fotografia por aqui teria sido bem mais ordinária se em 1946 Bardi não tivesse trocado a Itália pelo Brasil. Ele atravessou o oceano com vocação para chacoalhar o mercado de arte brasileiro.

Pietro Maria Bardi agarrado à placa do Masp, em São Paulo, em 1983
Pietro Maria Bardi agarrado à placa do Masp, em São Paulo, em 1983 - Matuiti Mayezo/Folhapress

Chegando aqui, logo se envolveu com a criação do Masp, que viria a ser um dos principais espaços de arte da América do Sul, um símbolo para o país. A coleção e o caráter do Masp nasceram da ousadia de Bardi, somada à vontade de modernizar o país do empresário Assis Chateaubriand.

“Pietro Maria Bardi foi o produtor cultural mais influente no campo artístico brasileiro do século 20. Foi antes de tudo um grande educador, mas atuou com muita capacidade em várias frentes, foi museólogo, crítico e historiador da arte, jornalista, marchand e colecionador. À frente do Masp, dedicou os primeiros anos do museu a exposições didáticas, confecção da Vitrine das Formas e à formação do acervo [...]. Em 1951 criou o Instituto de Arte Contemporânea, de onde se desdobram a escola de desenho industrial e a escola de propaganda (hoje Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM)”, conta Nelson Aguilar, professor de história da arte na Unicamp e organizador do livro “Pietro Maria Bardi: Construtor de um Novo Paradigma Cultural”.

Bardi esteve à frente do Masp por 49 anos, de 1947 a 1996. Ele tinha uma ideia moderna do papel do museu. Era comum que o chamasse de antimuseu, pois queria distanciar o local do esquema tradicional e acadêmico.

A instituição na sua primeira sede, na rua Sete de Abril, centro de São Paulo, abriu as portas dando possibilidade para o novo, estimulando experimentações e com propostas de exposições didáticas. Bardi relembra as suas ideias para o início do espaço em texto publicado em 1992: “Nossa intenção era realizar exposições periódicas, promover os aspectos didáticos da arte, com cursos e conferências e, também, abrir escolas sobre assuntos que aqui ainda eram pouco difundidos. [...] A fotografia desde o início do museu foi um ponto de interesse, com mostras e cursos”.

Foi assim, com a disposição de Bardi para experimentações, que a fotografia entrou na programação do Masp e consequentemente, mesmo que timidamente, na agenda cultural de São Paulo.

Para Rubens Fernandes Junior, pesquisador e curador independente, Bardi foi essencial para a aceitação da fotografia pelas instituições de arte. “A fotografia marcou presença no museu graças à perspicácia do professor Bardi, um homem antenado com a presença de outras linguagens no espaço museológico. Em 1949, ele abriu o museu para o jovem Thomaz Farkas, com 23 anos à época. A exposição ‘Estudos Fotográficos’ foi a primeira realizada por um museu na América Latina.”

Com notável repercussão, houve também a exposição “Fotoformas”, de Geraldo de Barros, em 1951. Barros foi um dos precursores da fotografia moderna e experimental no Brasil. No texto de divulgação da mostra, Bardi fala do olhar do fotógrafo: “Geraldo vê, em certos aspectos ou elementos do real, especialmente nos detalhes geralmente escondidos, sinais abstratos fantasiosos olímpicos: linhas que gosta de entrelaçar com outras linhas numa alquimia de combinações mais ou menos imprevistas e às vezes ocasionais”.

Enquanto a maioria dos fotógrafos tinha o mundo visível como tema, Barros submetia a fotografia a experimentos. O ambiente artístico na época ainda era hostil à fotografia, mas, mesmo com a atmosfera desfavorável, o fotógrafo considerou a exibição uma conquista.

Michel Favre, cineasta que dirigiu o filme “Geraldo de Barros: Sobras em Obras”, relembra que Barros relatou que a exposição teve muito sucesso de público e bastante repercussão no meio artístico.

Inclusive, recebeu crítica do artista Waldemar Cordeiro. O texto de Cordeiro, publicado nesta Folha em 1951, chama a atenção para a relevância da mostra e para o reconhecimento da fotografia, que se impunha como linguagem moderna.

“A origem e o significado destas obras transcende as pesquisas puramente técnicas para revestir-se de uma importância histórica toda particular. Através do gênero da fotografia, Geraldo vive o atual momento da renovação.” Bardi e Barros colocaram a fotografia em outro patamar com essa exibição, igualando-a às artes visuais.

A criação do Laboratório de Fotografia do Masp por Bardi, em 1950, também colocou o meio em outro estágio de entendimento. Ele convidou Farkas e Barros para criarem o espaço. O diretor do Masp estava conectado com as tendência dos museus modernos pelo mundo.

Em terras brasileiras, não tão modernas quanto as europeias e americanas, Bardi estava fazendo história. Ainda sob domínio direto dele, em 1976, o museu criou o Departamento de Fotografia, coordenado pela fotógrafa Claudia Andujar e depois pelo pesquisador, crítico e professor Boris Kossoy.

Em 1991, o museu criou a coleção Pirelli/Masp de fotografia. A série não teve influência imediata de Bardi, mas seguia os preceitos introduzidos por ele —difundir e democratizar a fotografia. Anna Carboncini, coordenadora da coleção, conta que Bardi gostou muito da iniciativa.

“Como apreciador da fotografia e amigo de fotógrafos, tais como Sacha Harnish, Fulvio Roiter, Pierre Verger e Thomaz Farkas, Bardi sempre deu valor à fotografia. O projeto da Coleção Pirelli/Masp visava formar uma coleção de fotógrafos contemporâneos brasileiros para o acervo do Masp. Algo que permanecia para as gerações futuras.”

Bardi mudou e determinou a direção da linguagem fotográfica de uma época. Para Fernandes Junior, ele foi crucial ao dar esse primeiro suporte ao meio. “Em relação à fotografia, tenho certeza de que foi um dos pioneiros a valorizar a linguagem e criar espaços de exibição dentro de um museu brasileiro. Basta um breve olhar retrospectivo para entendermos a dimensão desse trabalho precursor e sem precedentes na história da fotografia brasileira.”

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