Descrição de chapéu Livros

Pioneiro do design brasileiro lembra sua formação na Alemanha; leia depoimento

Karl Heinz Bergmiller escreve sobre lições de Max Bill nos primeiros anos da Escola de Ulm

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Karl Heinz Bergmiller

Designer alemão, foi estudante da primeira turma da Escola de Ulm e se mudou para São Paulo em 1959, onde se projetou como um dos mais importantes profissionais do design industrial do país

[SOBRE O TEXTO] Autor rememora, em texto incluído no livro "boa forma gute form: design no Brasil 1947-1968", a experiência de ter sido estudante de Max Bill na Escola de Ulm, na Alemanha.

Meu mestre Max Bill

Uma luz no fim do túnel

Na Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, todo jovem enfrentava dificuldades para ingressar em uma escola de ensino superior. Eu mesmo encontrei vários obstáculos e muitas frustrações. Certo dia um jornal publicou uma notícia diferente e instigante sobre a nova Hochschule für Gestaltung de Ulm [Escola de Ulm]. Peguei um trem para lá, me apresentei e, sem ter agendado nada, consegui uma entrevista com um dos primeiros professores da escola, Walter Zeischegg. Duas semanas depois, recebi uma carta da HfG Ulm dizendo: "Admitimos o senhor para os estudos na hfg, ano letivo 1954/55, max bill, reitor".

Tudo datilografado em caixa baixa. Foi o primeiro sinal de um novo tempo para mim. Já afirmei muitas vezes que, a partir da carta de Max Bill (1908-1994), minha vida mudou radicalmente. Não sei quais foram os critérios de seleção, mas constatei depois que somente 30 candidatos foram admitidos, e a metade deles era do exterior. Quero crer que tive muita sorte e, posso dizer, de lá para cá, que essa sorte não me abandonou.

Homem de terno com edifício ao fundo
Retrato do designer Max Bill em 1970 - Marcel Vogt/ETH-Bibliothek Zürich, Bildarchi

Sentar e aprender

A primeira lição de Max Bill não aconteceu em sala de aula. Ela se deu na observação e no uso de um projeto dele: um "banquinho". Deparei-me com ele ao sentar na frente da prancheta, nas salas de aula, no restaurante e até no meu quarto. Eu já havia projetado e executado um conjunto de mobiliário composto de duas poltronas, uma mesinha e uma luminária de pé, antes de entrar na HfG Ulm, provando o meu conhecimento técnico.

Observando esse banquinho, um móvel quase "primitivo", feito a partir de três tábuas de pinho e um cabo de vassoura, pensei: "Eu devo mudar meus conceitos antiquados e deixar minhas habilidades para outras ocasiões". Esse banquinho era um outro ponto de partida.

Em uma hierarquia dos móveis para sentar, o banquinho se encontra no início da fila. Depois vem a cadeira com encosto, a cadeira com braços, a cadeira com assento estofado e depois, de repente, a cadeira passa a ser chamada de poltrona! Isso sem considerar assentos com regulagens e ajustes, nos quais um simples móvel para sentar se transforma quase em uma máquina.

Não tive dúvidas de que, na conceituação geral da HfG Ulm, as questões econômicas eram importantes e por isso era necessária a procura constante por soluções mais simples. E o melhor exemplo era o próprio "hocker", fabricado dentro das oficinas da escola, que poderia ser traduzido para o português como banquinho. No entanto, a palavra em alemão é mais apropriada, pois estabelece uma relação com a postura do usuário devida à ausência de um encosto: a pessoa fica quase que de cócoras. Existe até o verbo "hocken", que poderia ser traduzido por agachar. Banquinho, em uma tradução muito literal para o português, admitiria ainda uma interpretação que inclui um móvel infantil.

Max Bill, com Hans Gugelot e o mestre da oficina de madeira, Paul Hildinger, desenvolveu um "hocker" que não poderia ser mais simples e versátil: tem duas alturas para sentar (40 e 45 cm), serve também como mesinha e pode-se carregá-lo como se fosse uma maleta. No discurso inaugural da HfG Ulm, Max Bill usou um "hocker" em cima de uma mesa como púlpito.

O "hocker" foi construído com três tábuas unidas por malhetes paralelos e uma travessa de seção redonda encaixada nas laterais e fixada por cunhas também de madeira. Os topos das laterais foram encabeçados com madeira mais dura com uma dupla função: evitar o empeno das tábuas e permitir um melhor deslizamento no piso. O "hocker" não recebeu nenhum acabamento adicional.

Hoje, o "hocker" de Ulm faz parte da história dos assentos modernos. Acredito que isso se deva à sua radical simplicidade e ao emprego de materiais comuns, menos "nobres", como o pinho comum (fichte), que não era, até então, utilizado na fabricação de móveis, mas em caixotaria e na construção civil. Porém, a construção do "hocker" seguia, em todos os detalhes, as técnicas mais tradicionais da marcenaria. E nunca se soube que um deles quebrasse ou se desmontasse.

Ele era perfeito para sentar em uma mesa de trabalho, nas mesas de reunião, na mesa do restaurante ou em qualquer situação onde houvesse um apoio frontal. Um dos grandes achados do "hocker" foi a travessa tipo cabo de vassoura que facilitava carregá-lo para todos os lugares onde fosse necessário.

Creio ser dispensável falar sobre seus aspectos formais; no hocker de Ulm "não se pode acrescentar nada ou eliminar algo". E esse era um argumento clássico de Max Bill. Lembro-me da visita a Ulm de Charles Eames, que ficou muito atento aos nossos hábitos de sentar. Eu, particularmente, fiquei quatro anos sentado no "billhocker", e isso deve ter contribuído muito para a minha formação profissional.

Exercícios para raciocinar

Max Bill era arquiteto, pintor, escultor, designer e teórico também: um "artista total", como foi chamado por Tomás Maldonado (1922-2018, Argentina), antes de suas divergências conceituais que surgiram já nos primeiros anos de funcionamento da escola. Max Bill, dentro de seus princípios, propunha um "treinamento estético" equilibrado com questões técnicas e teóricas, sempre deixando claro que, se não fosse dada a devida importância aos fenômenos estéticos, sequer se justificaria a existência de uma Hochschule für Gestaltung.

Mas complementava essa ideia dizendo que "tais diretrizes não deveriam ser entendidas como um objetivo de formar artistas na HfG". Essa foi uma postura inflexível dele, coerente com sua personalidade e que terminou resultando, mais tarde, em seu afastamento da escola. Esse é um assunto bastante complexo sobre o qual não pretendo aqui me alongar.

No meu curso fundamental em 1954/55, Max Bill tinha uma fórmula original para desenvolver suas aulas. Procurava problemas abstratos, temas surpreendentemente simples, mas que resultavam, exatamente por isso, em longas e amplas avaliações e discussões. Queria "treinar o aprendizado de argumentos objetivos, tanto no próprio trabalho quanto na avaliação das ideias dos colegas". Sempre atuava como um moderador e, de maneira sutil, fazia comparações sem emitir propriamente uma opinião.

homem de costas
Projeto de conclusão de curso de Karl Heinz Bergmiller na Escola de Ulm, em 1958. Imagem reproduzida no livro 'boa forma gute form' - Arquivo Bergmiller/Divulgação

No final das discussões, que às vezes duravam muitas horas, ele e os alunos chegavam, geralmente, a um consenso, não apenas pelos métodos democráticos usados, mas principalmente pelos aspectos lúdicos que terminavam resultando em classificações que indicavam a melhor solução, possibilitando definir onde se situava o trabalho de cada aluno.

Aprendia-se de forma coletiva, com erros e acertos, e até com as soluções mais espetaculares que, muitas vezes, não resistiam a uma crítica ou a um questionamento. Essa foi uma das principais fórmulas do ensino de Max Bill, e eu considero um privilégio ter vivido e participado dessa fase da HfG Ulm.

boa forma gute form: design no Brasil 1947-68

  • Preço R$ 169 (224 págs.)
  • Editora Art Consulting Tool
  • Organizadora Livia Debbane
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.