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Grafitti não é tinta no muro, é reinvenção da cidade, diz antropóloga

Para Gabriela Leal, prática afirma modos de vida considerados desviantes e imagina outra ocupação do espaço urbano

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Eduardo Sombini
Eduardo Sombini

Geógrafo e mestre pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima

O grafitti —uma das expressões da cultura hip-hop, que completa 50 anos no mundo e 40 anos no Brasil— é muito mais que tinta no muro, diz a antropóloga Gabriela Leal.

Autora de uma dissertação de mestrado defendida na USP sobre os usos do espaço urbano no universo da arte de rua, ela afirma que o grafitti é uma maneira de existir nas cidades, que molda como seus praticantes concebem o mundo e se enxergam nele.

A pesquisa, agora editada no livro "Cidade: Modos de Ler, Usar e se Apropriar" (Funilaria), descreve os princípios éticos e morais que regem a cena do grafitti em São Paulo —as regras tácitas do jogo que possibilitam, por exemplo, a admiração mútua e a coexistência com o universo da pixação.

Leal também registra as dinâmicas das relações entre os praticantes e dos seus espaços de socialização na cidade, apontando como o conhecimento é transmitido entre as gerações e como os iniciantes se formam e constroem sua reputação.

Foto em preto e branco de mulher branca usando camisa estampada com a bandeira do estado de São Paulo, usando óculos e com tatuagem de tigre no peito
Retrato de Gabriela Leal, autora de 'Cidade: Modos de Ler, Usar e se Apropriar' - Divulgação

Neste episódio, a pesquisadora discute como uma distinção entre arte e vandalismo passou a estruturar os discursos e as leis sobre o grafitti e a pixação.

Gosto muito de pensar o grafitti e a pixação como práticas, tecnologias negras e periféricas que, através desse fazer, não só imaginam como prefiguram uma ocupação outra da cidade, por mais que seja temporária, e afirmam a existência de outros modos de vida —modos de vida que são colocados como desviantes e, portanto, não fazem parte desse grupo de população de bem, de população ideal e, por isso, tem todos os seus direitos negados

Gabriela Leal

mestre em antropologia pela USP e doutoranda em estudos urbanos na Universidade Nova de Lisboa

Um dos eventos analisado em sua pesquisa é a repressão à arte de rua nos primeiros meses da gestão João Doria (PSDB), em 2017. A prefeitura apagou grafittis da avenida 23 de Maio que haviam sido comissionados pelo seu antecessor, Fernando Haddad (PT), e aprovou na Câmara Municipal um projeto de lei que endureceu as punições a pichadores, parte do programa conhecido como Cidade Linda.

O mural de cerca de 5,4 quilômetros de extensão no corredor Norte-Sul, entre o Museu de Arte Contemporânea e os arcos do Jânio, na Bela Vista, foi pintado por mais de 200 artistas e contou com investimentos da ordem de R$ 1 milhão do município, que forneceu materiais e equipamentos.

Em 2019, Doria e a Prefeitura foram condenados a pagar indenização de R$ 782 mil pela remoção dos grafittis da avenida, mas a decisão foi reformada em segunda instância no ano seguinte.

No podcast, Leal também explora algumas das contradições que os grafiteiros enfrentam ao tentar se inserir no mercado de arte, um movimento que vem se intensificando nas últimas décadas.

O Ilustríssima Conversa está disponível nos principais aplicativos, como Apple Podcasts, Spotify e Stitcher. Ouvintes podem assinar gratuitamente o podcast nos aplicativos para receber notificações de novos episódios.

O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.

Já participaram do Ilustríssima Conversa Antônio Bispo dos Santos, pensador quilombola que propõe o conceito de contracolonização, Luiz Marques, que discutiu por que este decênio é decisivo para lidar com a catástrofe climática, Bela Gil, que defendeu a remuneração do trabalho realizado por donas de casa, Javier Montes, escritor espanhol que se debruçou sobre a vida da dançarina e naturista Luz del Fuego, Paulo Arantes, professor de filosofia da USP para quem Lula terá sucesso se frear a extrema direita, Eliane Brum e Maria Rita Kehl, convidadas para o episódio comemorativo dos cinco anos do podcast, João Moreira Salles, autor de um livro sobre o modelo predatório de ocupação da Amazônia, Ailton Krenak, que abordou a tragédia do povo yanomami, Gabriela Lotta e Pedro Abramovay, que discutiram os papéis de burocratas e políticos em uma democracia, Felipe Loureiro, que analisou as relações entre EUA e Rússia depois do início da Guerra da Ucrânia, entre outros convidados.

A lista completa de episódios está disponível no índice do podcast. O feed RSS é https://folha.libsyn.com/rss.

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