Luz del Fuego, queer e protofeminista, é bússola para superar intolerância, diz escritor

Para Javier Montes, apagamento da dançarina e naturista morta em 67 vem da falta de palavras para nomear seu trabalho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Retrato de Luz del Fuego em São Paulo Acervo UH - 28.set.64/Folhapress

Eduardo Sombini
Eduardo Sombini

Doutor em geografia pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima

Durante cinco anos, no final dos anos 1940 e começo dos anos 1950, Luz del Fuego causou alvoroço na entrada do Baile de Gala do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A regra do Carnaval é subverter as regras, mas tudo tem limite.

Durante cinco anos, a dançarina desceu do seu conversível, subiu a escadaria do teatro —algumas vezes carregando uma das suas jiboias, algumas vezes besuntada em óleo, mas sempre completamente nua— e foi barrada pelos porteiros.

Em 1952, para a surpresa de todos, Del Fuego chegou fantasiada de noiva e pôde entrar no baile. O traje de mulher que se rendeu aos bons costumes não era mais que uma fantasia. Dentro do teatro, ela sacou duas pistolas e começou a atirar para o teto, causando um verdadeiro pandemônio entre os convidados da alta sociedade da então capital.

O escritor espanhol Javier Montes, autor de um livro recém-lançado sobre Luz del Fuego (Fósforo) e convidado do Ilustríssima Conversa, escolheu essa cena para apresentar aos leitores a dançarina, naturista, guerrilheira urbana ou performer.

Retrato do escritor espanhol Javier Montes, autor de 'Luz del Fuego'
Retrato do escritor espanhol Javier Montes, autor de 'Luz del Fuego' - Diego Burbano/Divulgação

São muitas as possibilidades para se referir a ela —em comum, todas parecem estar à frente do tempo em que Luz del Fuego viveu. A falta de palavras para defini-la, diz Montes, correspondeu a uma dificuldade em enxergá-la, o que explica o seu apagamento em vida e depois de seu assassinato, em 1967.

A cada ano que era barrada no Theatro Municipal, a fama de Luz del Fuego aumentava. Ela passou a atrair multidões em seus espetáculos e causar protestos de grupos conservadores por onde passava. No mais memorável deles, que tinha o título sugestivo de "Tentação de Eva", ela dançava sozinha no palco, nua, com uma jiboia entrelaçada em seu corpo.

Neste episódio, Montes fala sobre o pioneirismo de Luz del Fuego em várias frentes: ela fundou o primeiro clube naturista da América Latina, em uma ilhota na baía de Guanabara, e tentou criar um partido com o lema "menos roupa e mais pão!".

Foi também uma protofeminista e uma protoqueer, afirma o autor, e incorporou com naturalidade, em sua vida, questões de gênero e sexualidade que ainda hoje despertam ódio e preconceito.

Acho que Luz del Fuego foi uma pessoa queer, no senso de que ela foi pansexual, conviveu com pessoas trans sem o menor prejuízo, sem a menor surpresa, achando isso de uma naturalidade pasmosa. Foi uma pessoa que defendeu os direitos que defendia o feminismo tradicional (independência econômica, divórcio, aborto, direito da mulher sobre o próprio corpo). Não acho só que ela fosse uma protofeminista, acho que ela foi protoqueer

Javier Montes

escritor espanhol

O Ilustríssima Conversa está disponível nos principais aplicativos, como Apple Podcasts, Spotify e Stitcher. Ouvintes podem assinar gratuitamente o podcast nos aplicativos para receber notificações de novos episódios.

O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.

Já participaram do Ilustríssima Conversa Paulo Arantes, professor de filosofia da USP para quem Lula terá sucesso se frear a extrema direita, Eliane Brum e Maria Rita Kehl, convidadas para o episódio comemorativo dos cinco anos do podcast, João Moreira Salles, autor de um livro sobre o modelo predatório de ocupação da Amazônia, Ailton Krenak, que abordou a tragédia do povo yanomami, Gabriela Lotta e Pedro Abramovay, que discutiram os papéis de burocratas e políticos em uma democracia, Felipe Loureiro, que analisou as relações entre EUA e Rússia depois do início da Guerra da Ucrânia, Denise Ferreira da Silva, para quem a violência racial é um pilar da modernidade, Letícia Cesarino, antropóloga que expõe como algoritmos favorecem o populismo, Roberto Moura, que relançou clássico sobre a história negra do Rio, Celso Rocha de Barros, que falou sobre a história e os desafios futuros do PT, entre outros convidados.

A lista completa de episódios está disponível no índice do podcast. O feed RSS é https://folha.libsyn.com/rss.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.