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Imposto sobre transação digital tem tudo para virar nova lei da informática

Taxação no século 21 teria o mesmo efeito da reserva de mercado nos anos de 1980

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Marcos Lisboa José Alexandre Scheinkman

Em outubro 1984, o Congresso aprovou a reserva do mercado de informática para empresas de capital nacional. A promessa de desenvolvimento local, porém, rapidamente se revelou um imenso equívoco. O efeito colateral da política protecionista foi obrigar as empresas brasileiras a utilizar técnicas defasadas e mais caras do que as disponíveis nos demais países, resultando na perda de competitividade de muitos setores, como a indústria de automóveis.

A economia mundial passa atualmente por um processo semelhante de modernização, com as novas tecnologias de informação e a internet. Na China, todo um ecossistema baseado em “digital wallets’’ e “QR codes” está tornando o comércio e o sistema de transações muito mais eficiente. Na Europa e nos Estados Unidos, os velhos meios de pagamento estão sendo rapidamente substituídos por transações digitais.

 

O comércio eletrônico garante aos consumidores o acesso a bens e serviços por vezes inacessíveis nas lojas físicas da vizinhança. A universalização das transações digitais permite o uso de grandes bases de dados (“big data”) para a concessão de crédito às empresas e indivíduos em substituição à opinião da idiossincrásica do gerente de plantão, resultando em menores taxas de juros para quem paga as suas dívidas em dia e em melhor alocação do crédito, o que contribui para o crescimento econômico, como sistematiza Levine. Estudos empíricos apontam o aumento da eficiência na alocação do crédito às empresas como um importante motor para o crescimento econômico.

Recentemente, o ministro Paulo Guedes propôs um imposto sobre as transações digitais, o que desestimularia a adoção dessas novas tecnologias no Brasil, como aconteceu com a lei de informática nos anos 1980. Resta o consolo para alguns dos mais velhos que termos como “fintech” e “comércio digital” vão permanecer temas de ficção científica no país que opta pelo atraso.

Aparentemente, o governo desconhece as pesquisas embasadas em microdados que apontam o impacto negativo de tributos sobre pagamentos, como o artigo de Felipe Restrepo publicado este ano no Journal of International Money and Finance sobre as consequências das diversas formas de CPMF adotadas por países da América Latina.

O resultado é desanimador. O tributo induz à maior utilização de papel-moeda nos pagamentos cotidianos, reduz os depósitos bancários, prejudica os setores que mais dependem de crédito e tem um impacto negativo sobre o crescimento econômico.

A adoção de um imposto sobre as transações eletrônicas é ainda mais desastrosa; significa que a revolução digital por aqui será adiada até que tenhamos um novo governo mais sabedor das distorções introduzidas por impostos tecnicamente mal desenhados e seus impactos sobre a produtividade e o crescimento econômico.

Essa ressalva não significa que o atual sistema tributário seja adequado às tecnologias digitais. Nestes novos tempos, alguns bens viraram serviços —pense num CD versus iTunes. Mas a PEC apresentada na Câmara pelo deputado Baleia Rossi, baseada num projeto de Bernardo Appy, já elimina a diferença de tratamento entre bens e serviços, como ocorre na melhor prática internacional.

Aliás, é inexplicável a falta de apoio do governo a esse projeto que tem muitos méritos e está na Câmara desde o governo Temer, num momento em que a estrutura tributária é um empecilho ao crescimento de longo prazo.

Um outro desafio é como tratar os lucros gerados por serviços de companhias como Google e Netflix, que têm grande flexibilidade para atribuir custos ao exterior, sobretudo as rendas de patentes, por vezes domiciliadas em paraísos fiscais.

A resolução desses problemas, no entanto, requer medidas muito diferentes do que a introdução de um imposto sobre pagamentos eletrônicos. O setor de serviços não deseja contribuir para a Previdência como o restante da sociedade, e por isso defende o novo tributo. O varejo tradicional apoia a proposta, pois teme ser incapaz de competir com as novas tecnologias, que conseguem vender bens e serviços bem mais baratos do que as lojas da vizinhança.

Cabe ressaltar que a proteção de empresas ineficientes por meio de artifícios tributários e de restrições ao comércio exterior é uma das principais razões do subdesenvolvimento.

Desde o fim da década passada, as pesquisas com bases de dados detalhadas sobre os diversos países mostram que boa parte do atraso das economias emergentes decorre precisamente das restrições à concorrência e da proteção às velhas formas de produção. Algo como tentar preservar a indústria baleeira ante as novas fontes de energia do fim do século 19.

Torce-se para que esse seja apenas mais um exemplo de anúncios sem consequência desta administração, como o peso-real, a bravata de vender R$ 1 trilhão de imóveis da União ou o exagero da renda adicional de R$ 1 trilhão pela privatização das estatais até 2022.

Caso contrário, fica claro que o governo conservador nos costumes também rejeita as inovações da economia de mercado. Melhor deixar o celular em casa e resgatar a carteira do seu avô e o talão de cheques ao ir fazer as compras nas lojas da vizinhança.

Marcos Lisboa é presidente do Insper e membro do conselho de administração da PagSeguro; José Alexandre Scheinkman é professor da Universidade Columbia e membro de um conselho consultivo da Stone 

Este artigo reflete a opinião pessoal dos autores

 

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