Descrição de chapéu Reforma tributária

IVA do Brasil pode ir a 28% e ser o maior do mundo, segundo pesquisa do Ipea

Aprovados na Câmara, regimes tributários favorecidos, alíquotas reduzidas e isenções elevam novo tributo

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Brasília

Com base na proposta de Reforma Tributária aprovada na Câmara, a alíquota efetiva do novo tributo brasileiro para taxar o consumo de bens e serviços ficaria em 28,04%, aponta nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Seria a maior do mundo para um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Hoje, a maior do gênero é a da Hungria, de 27%.

A alíquota brasileira vai ser definida em lei complementar. A expectativa inicial era que ficasse em 25%, mas efeitos de regimes favorecidos, alíquotas reduzidas e isenções incluídas no texto antes da votação pela Câmara devem pressionar por uma alíquota maior.

Linha de produção de calçados; reforma em tramitação no Congresso busca modernizar tributação sobre consumo de produtos e serviços - 27.05.21 - Adriano Vizoni/Folhapress

O estudo do Ipea é o primeiro a medir os possíveis efeitos da reforma, a partir do cruzamento de dados da Receita Federal para a arrecadação setorial e as exceções negociadas pelos deputados, tomando o cuidado de manter a carga tributária.

Os detalhes da simulação constam na Carta de Conjuntura intitulada "Propostas de Reforma Tributária e seus impactos: Uma avaliação comparativa", do pesquisador João Maria Oliveira, que acompanha de perto o andamento do texto no Congresso.

Oliveira trabalha com modelos de projeção e usou a técnica para mostrar os impactos da revisão tributária na economia nacional, avaliando efeitos sobre crescimento, emprego e produtividade, por exemplo.

Os parâmetros de dois cenários tiveram como base as reformas apresentadas em duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição): a PEC 45, com IVA único e nenhuma exceção, que entrou pela Câmara e previa alíquota de 25%, e a PEC 110, com dois tipos de IVA, apresentada no Senado, com alíquota de 26,9%.

Para o terceiro cenário, Oliveira projetou a alíquota a partir da proposta negociada na Câmara. A estimativa mantém a carga tributária atual e considera os efeitos de regimes favorecidos, alíquotas reduzidas e isenções que foram incluídas no texto até uma semana antes da votação pela Câmara —o que elevou a alíquota para 28, 04%. As exceções inseridas de última hora não entraram nessa conta.

"A conclusão óbvia é que, quanto mais exceções forem oferecidas, maior será a alíquota efetiva para quem fica fora da exceção", afirma Oliveira.

Manter os benefícios da Zona Franca de Manaus e Simples foi o que mais pesou para elevar a alíquota, explica Oliveira, mas também fazem diferença exceções para setores muito demandados, como transporte.

Mesmo que fosse mantida em 25%, a alíquota ainda seria elevada para a média mundial. Esse é o percentual na Dinamarca, Noruega e Suécia, considerados Estados de bem-estar social, que oferecem serviços públicos de primeira linha. Em países com reformas mais recentes, a alíquota costuma ser bem menor, caso de Austrália, com 10%, e Nova Zelândia, com 15%.

Oliveira pondera que, ainda assim, as projeções confirmam que a reforma vai mudar radicalmente, para melhor, o ambiente de negócios no Brasil.

Em todos os cenários, por exemplo, há crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). O melhor resultado ocorreria com a PEC 45, que teve entre os autores o economista Bernard Appy, hoje secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda.

Considerando o cenário em que a proposta da PEC 45 começasse a valer em 2027, o PIB teria um crescimento adicional de 5,7% até 2036, gerado pelo impacto das mudanças nos tributos.

"Essa era a reforma ideal, mas não foi politicamente viável ", diz Oliveira.

No caso da PEC 110, o crescimento seria de 4,48% até 2032, quando o estímulo perderia fôlego. O texto que saiu da Câmara aponta que o crescimento nesse mesmo período seria de 2,39%.

EXCEÇÕES ACIMA DA MÉDIA GLOBAL

Conceitualmente, o Imposto de Valor Agregado costuma ser um só e valer para todos os setores, com poucas exceções. A versão brasileira será dual —haverá um para a União, e outro para estados e municípios — e o número de exceções extrapolou o usual.

O IVA brasileiro não chega a ser uma jabuticaba, mas tem particularidades, explica a portuguesa Rita De La Feria, professora de Direito Tributário na Universidade de Leeds, na Inglaterra. La Feria acompanha reformas no mundo todo, incluindo o Brasil. Já participou de audiência no Congresso sobre o tema. Em alguns países, como Portugal, Timor Leste, Angola e Uzbequistão, atuou na elaboração da legislação tributária.

"O IVA vai ser uma revolução para o sistema do Brasil, pois adota as melhores práticas em vigor, vai permitir que o brasileiro saiba o que paga e foi adaptado às condições federativas locais, o que não era uma coisa fácil de resolver, pois o país tem três níveis de governo, algo incomum", explica La Feria.

"No entanto, não há muitas experiências no mundo com o IVA dual. A mais notória é a do Canadá. Mesmo Alemanha e Espanha, que têm sistemas federativos, adotam o IVA único. O Brasil vai sentir o efeito disso ao longo dos anos", pondera.

Ela explica que trabalhar com duas legislações sempre abre margem para interpretações, dificultando a aplicação da norma no dia a dia e abrindo espaço para questionamentos entre fisco e contribuintes. A proposta que foi para o Senado tenta reduzir o ruído ao determinar que algumas regras serão idênticas para os dois IVAs.

A maior diferença, no entanto, é o número de exceções. O Brasil já tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, e ninguém esperava uma alíquota muito baixa na largada da reforma, mas as exceções pioraram o cenário.

"Incluíram muitos regimes especiais, e um número grande de produtos terá alíquota reduzida", afirma. "Ainda não se sabe o desenho jurídico exato dessas exceções, mas já podemos afirmar que o resultado ficou descolado dos IVAs mais avançados."

As exceções nos novos IVAs, explica, são concentradas em poucos itens considerados de difícil tributação. Caso do spread (diferença entre a taxa de captação e dos empréstimos) de bancos, algumas transações imobiliárias e serviços públicos de saúde e educação.

Entre os segmentos que levam isenções costumam estar serviços postais, transporte de doentes e projetos culturais.

La Feria conta que, no aspecto das exceções, o IVA do Brasil fica mais parecido com os modelos antigos.

"É o caso dos IVAs europeus, que têm muitas exceções, isenções e taxas reduzidas que foram sendo criadas ao longo dos anos e que, por isso, agora têm alíquotas maiores", afirma. "Mas entendo que essa foi a reforma politicamente possível no Brasil e espero que o Senado não aumente as exceções, pois é automático: quanto menor a base da tributação, maior a alíquota", diz.

O Ministério da Fazenda já esta mapeando itens para debater no Senado na tentativa de reduzir a pressão sobre a alíquota, mas mantém o discurso com valores menores.

Appy evita falar em números, e quando lhe perguntam do risco de a alíquota ir a 30%, ele responde que não acredita nesse cenário. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, estimou que, por causa das exceções, a alíquota poderia ficar entre 26% e 27%. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse acreditar que "no tempo" a alíquota pode ser menor do que 25%.

ALTERNATIVAS PARA FREAR AUMENTO

O advogado Luiz Gustavo Bichara resume o pensamento dos tributaristas ao afirmar que o governo precisa dar mais clareza sobre como as negociações estão impactando a alíquota.

"A reforma é boa, não há dúvidas, todos queremos, mas tem uma incerteza muito grande sobre o valor final, e, do jeito que estamos indo, vamos ter, na comparação mundial, a maior alíquota do mundo", diz.

Bichara considera positiva a proposta do relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), de definir uma trava para a alíquota dos novos tributos. Seria uma salvaguarda ao aumento da carga tributária.

Para ter um IVA menor, o governo precisaria olhar a reforma como um todo, avalia o advogado Bruno Santo, pesquisador do NEF FGV-SP (Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas de São Paulo), criado para avaliar a relação entre tributação e desenvolvimento.

"Canadá e Suíça, por exemplo, têm IVAs menores, porque tributam menos o consumo e mais a renda", afirma Santo. "O Brasil tem uma tributação muito baixa sobre a renda e, se o governo mantiver a carga tributária, terá a oportunidade de fazer o mesmo quando a reforma chegar à renda."

A reforma do Imposto de Renda, cita Santos, seria uma alternativa. No cronograma do Ministério da Fazenda, ela ocorrerá ainda no segundo semestre deste ano.

Após a publicação desta reportagem, Haddad afirmou que o estudo não considera determinados aspectos que podem contribuir para reduzir a alíquota final. O Ministério da Fazenda reiterou o posicionamento em nota.

"Embora seja necessário entender melhor a metodologia adotada pelo estudo, há fortes indícios de que se deixou de considerar fatores relevantes que afetam a alíquota dos novos tributos, como a arrecadação do imposto seletivo e a arrecadação com os bens e serviços sujeitos a regimes específicos de tributação", afirma a pasta, citando ainda a redução da sonegação.

"O estudo está correto em apontar que quanto mais exceções, maior tende a ser a alíquota dos novos tributos, mas aparentemente equivoca-se ao deixar de considerar elementos importantes do novo modelo tributário, que contribuem para que a alíquota seja mais baixa", diz o texto.

EXCEÇÕES AO IVA

Reforma permite que um número significativo de segmentos adote regime diferenciado à regra geral

Regimes tributários específicos para:

  1. Combustíveis e lubrificantes
  2. Sociedades cooperativas
  3. Serviços de hotelaria
  4. Restaurantes
  5. Aviação regional
  6. Parques de diversão e parques temáticos
  7. Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos
  8. Operações contratadas pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas

Regimes tributários favorecidos para:

  1. Zona Franca de Manaus
  2. Áreas de Livre Comércio
  3. Simples Nacional

Regimes aduaneiros especiais e ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação)

EXCEÇÕES À ALÍQUOTA ÚNICA DO IVA

O texto aprovado na Câmara também adota descontos para número expressivo de segmentos

100% de redução para

  1. Cesta básica nacional (CBS e IBS)
  2. Produtos hortícolas, frutas e ovos (CBS e IBS)
  3. Prouni, serviços de educação superior (CBS)
  4. Perse, serviços do setor de eventos (CBS até 28/02/27)

60% de redução para

  1. Serviços de educação
  2. Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência
  3. Serviços de saúde
  4. Medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
  5. Serviços de transporte público coletivo
  6. Insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal
  7. Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas
  8. Produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura
  9. Bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética

Isenções para

  1. Serviços de transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual
  2. Entidades religiosas, templos de qualquer culto, incluindo suas organizações assistenciais e beneficentes
  3. Isenção ou redução em até 100% para atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística (CBS e IBS)

Fonte: Machado Meyer

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