Lira mede apoio das bancadas à reforma tributária em meio a maior pressão de governadores

Estado de São Paulo é um dos polos de resistência à proposta, e relator negocia ajustes

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Brasília

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), começou a medir o apoio das bancadas partidárias à reforma tributária num momento em que governadores e prefeitos de capitais elevam a pressão na tentativa de obter mudanças no texto ou adiar a votação.

Segundo aliados, Lira pediu às lideranças que sinalizem quantos votos cada bancada é capaz de entregar, considerando o texto atual do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e quais são os principais entraves a uma adesão maior, se questões federativas ou setoriais.

O PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já sinalizou que entregará 100% de seus votos na Casa —a sigla tem 68 deputados. Já o PP de Lira, segundo aliados do presidente da Câmara, pode entregar cerca de 90% dos 49 apoios possíveis.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), após reunião com governadores sobre reforma tributária - José Cruz - 22.jun.2023/Agência Brasil

Por se tratar de uma PEC (proposta de emenda à Constituição), o texto precisa do apoio de 308 deputados em dois turnos de votação.

"Precisamos primeiro ter um resultado do placar dos partidos, de como as bancadas estão", disse Lira nesta segunda-feira (3). Segundo ele, o texto será colocado em votação "na hora que vislumbrarmos um quórum adequado".

"Os votos, lógico, são inerentes a cada parlamentar. Só espero que o clima continue como um projeto de interesse do país, não só do governo. Para que esse assunto não vire nenhum tipo de batalha entre governo e oposição", acrescentou o presidente da Câmara.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem capitaneado um dos polos de resistência à reforma tributária. No último domingo, ele tentou mobilizar a bancada de parlamentares do estado (que tem 70 deputados) em defesa de mudanças na proposta.

No entanto, o próprio coordenador da bancada estadual, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL), disse que não arrisca um posicionamento conjunto. "Imagine eu pedir para o PT para votar contra? Não posso te afirmar antes, mas presumo que não será homogêneo", afirmou. Há ainda casos como o do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), autor da PEC que hoje serve de base para a discussão e defensor ferrenho da medida.

Há entre os apoiadores da reforma uma desconfiança de que Tarcísio está usando a pauta para se fortalecer como expoente da oposição.

Independentemente de possíveis interesses políticos, o relator está dialogando com as bancadas e negociando ajustes no texto para tentar desarmar resistências levantadas pelos estados, pelos municípios e por parte do setor de serviços.

Representantes desses grupos desembarcam em Brasília nesta semana para tentar ampliar a pressão. Na tarde desta terça-feira (4), a FNP (Frente Nacional dos Prefeitos), que reúne capitais e grandes cidades, organiza um ato no Salão Verde da Câmara, por onde circulam parlamentares, membros da imprensa e representantes da sociedade.

"É uma coincidência [o ato ser no mesmo dia dos governadores], mas se tivermos pontos de convergência vamos nos unir", afirma o presidente da FNP, Edvaldo Nogueira.

Segundo ele, as capitais e as grandes prefeituras se opõem à extinção do ISS, imposto municipal arrecadado sobre serviços. A avaliação da FNP é que a medida fere a autonomia federativa e ainda provocará perda de arrecadação.

"O setor serviços vai ganhar protagonismo na economia, a tendência do ISS é crescer. Querem abocanhar essa parte, e não sabemos quanto fica para nós", critica Nogueira. Segundo ele, a entidade não possui cálculos das possíveis perdas porque o governo federal ainda não calculou quais seriam as alíquotas do novo imposto.

Na noite de terça, integrantes do chamado Codesul (Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul) e do Cosud (Consórcio de Integração do Sul e do Sudeste) participam de uma reunião em um hotel em Brasília para discutir os detalhes da proposta.

Estão previstas as presenças dos governadores Cláudio Castro (RJ), Eduardo Leite (RS), Eduardo Riedel (MS), Jorginho Mello (SC), Ratinho Júnior (PR), Renato Casagrande (ES), Romeu Zema (MG), além de Tarcísio e de parlamentares desses estados.

Um dos temas deve ser o chamado Conselho Federativo, ao qual São Paulo se opõe de maneira ferrenha. A figura é prevista na PEC e ficaria responsável pela arrecadação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substitui o ICMS estadual e o ISS municipal.

O Conselho, formado por representantes de estados e municípios, faria o recolhimento no novo imposto e o repasse das receitas devidas a cada ente da federação, já considerando a migração da cobrança para o destino —isto é, para onde ocorre o consumo de bens e serviços.

Hoje, parte do recolhimento é feito na origem, onde ocorre a produção de bens e serviços. Estados produtores são alguns dos que mais resistem à instituição do Conselho Federativo.

A proposta de São Paulo, encampada por outros estados resistentes à reforma, é manter o desenho atual de cobrança descentralizada. Assim, o IBS seria recolhido no estado produtor, com posterior repasse aos locais de consumo por meio de uma câmara de compensação.

O governo paulista argumenta que a medida assegura maior autonomia e "controle direto do estado sobre sua fonte de receita, com operacionalização mais simples do que o processo de centralização e partilha integral da receita", conforme apresentação feita por Tarcísio a parlamentares em jantar na noite de domingo (2).

Outros estados e também alguns especialistas rejeitam a ideia da câmara de compensação por avaliar que ela cria problemas para os contribuintes, uma vez que haverá dúvida sobre como cobrar os créditos tributários obtidos com o pagamento do novo imposto em fases anteriores da produção.

Além disso, estados consumidores, beneficiados pelo princípio do destino, ficariam na mão dos locais produtores à espera do repasse dos recursos que são seus por direito.

Em países como Canadá e Índia, que adotam o modelo de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual proposto para o Brasil (com um imposto para o governo federal e outro para estados e municípios), a cobrança é feita de forma centralizada na esfera federal. Como maior parte dos governadores e prefeitos rejeita participação da União nessa tarefa, o Conselho cumpriria esse papel.

Segundo interlocutores, o relator da reforma ainda trabalha em um possível meio-termo para diminuir as resistências de São Paulo e evitar que o estado, que já travou outras tentativas de mudar o sistema tributário nacional, acabe emperrando de vez as negociações.

A aliados, o presidente da Câmara tem dito que não há "ciúme" do texto divulgado agora e que há espaço para mudanças, desde que as alternativas apresentadas "parem de pé" e não signifiquem o desembarque dos demais estados.

O governo de São Paulo também quer uma definição, desde já, sobre como vai ser distribuído o FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional), cujo objetivo é garantir aos estados instrumentos de incentivo regional. As ferramentas atuais, como redução de alíquota, base de cálculo ou concessão de créditos presumidos, não serão mais viáveis após a unificação do ICMS no IBS.

A União já acenou com um aporte anual de R$ 40 bilhões, mas o critério de partilha desse dinheiro é alvo de controvérsia entre os estados. Governadores de regiões como Norte e Nordeste querem adotar o critério do PIB (Produto Interno Bruto) invertido, que beneficiaria locais mais pobres, mas há também outras propostas na mesa.

Nos cálculos de São Paulo, uma média ponderada das propostas discutidas no Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda) resultaria em uma fatia de apenas 3,28% para o estado —um repasse que começaria em R$ 262 milhões em 2029 e chegaria a R$ 1,3 bilhão a partir de 2033, considerando a implementação gradual do fundo.

Um critério que leve em conta a população de cada estado, por sua vez, elevaria os valores a R$ 1,76 bilhão em 2029 e R$ 8,8 bilhões de 2033 em diante, equivalente a 22% do fundo. Essa alternativa seria defendida pelo Rio Grande do Sul.

Um formato intermediário, preferido por São Paulo, seria fazer a distribuição conforme o número de beneficiários de programas sociais inscritos no CadÚnico. Nesse desenho, o governo paulista receberia 14,62% do FDR, equivalentes a R$ 1,17 bilhão em 2029 e R$ 5,85 bilhões a partir de 2033.

Em meio à investida dos setores contrários, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) prepara uma articulação com outros setores para lançar um manifesto a favor da reforma. A avaliação da entidade é de que é importante se posicionar em defesa da proposta à medida que crescem as críticas.

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