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Congresso Nacional

Após aprovação do arcabouço, é hora de colocar o pé no chão

Credibilidade da nova regra fiscal depende de maior realismo do governo para enfrentar desafio fiscal

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Brasília

Dois meses após a votação no Senado, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu, finalmente, destravar a aprovação final do novo arcabouço fiscal. A regra sepulta o teto de gastos e abre caminho para a expansão de despesas prevista no plano de governo petista.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem motivos para celebrar, afinal, o projeto manteve os pilares centrais da proposta original: garantia de ampliação de gastos acima da inflação, piso para investimentos públicos e flexibilidade no cumprimento das metas fiscais, com a criação de uma margem de tolerância.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em coletiva de imprensa na sede da pasta - Gabriela Biló - 31.jul.2023/Folhapress

Mas não há lugar para euforia. Pelo contrário. É hora de colocar o pé no chão.

A credibilidade da nova regra fiscal depende de maior realismo do governo para, com transparência e sem jeitinhos, enfrentar o desafio fiscal.

Até agora, a Fazenda insiste em um déficit zero no qual o mercado não acredita e que a classe política não deseja. Para isso, aposta apenas em medidas para arrecadar mais e no crescimento da atividade.

A revisão de despesas e políticas ineficientes tem ficado em segundo plano. Não se trata de defender o corte pelo corte, mas sim a implementação de mudanças já diagnosticadas como necessárias em relatórios produzidos em diferentes gestões e que acumulam poeira nas prateleiras do Executivo.

Enquanto isso, o próprio governo reativa ou cria regras que engessam ainda mais o Orçamento Federal: valorização do salário mínimo, retomada de mínimos para saúde e educação e piso para investimentos. Todas têm seus méritos, mas geram consequências.

Como o gasto está garantido, mas as receitas não, a conta não fecha.

A descrença em relação às metas fica evidente na pesquisa do próprio Ministério da Fazenda que consolida as projeções do mercado. Elas indicam um déficit de R$ 84,8 bilhões no ano que vem, a despeito de quaisquer promessas do governo.

No mais recente dos alertas, a Moody's adotou tom mais cauteloso do que outras agências de classificação de risco e disse que quer ver o arcabouço fiscal cumprido antes de rever a nota de crédito do Brasil.

No Congresso, o coro por mudança na meta já começou. O próprio relator do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), disse em entrevista à Folha considerar inevitável uma mudança no alvo da política fiscal.

O governo depende dos parlamentares para aprovar a taxação de fundos exclusivos e de rendimentos obtidos com recursos mantidos em paraísos fiscais (offshores), a regulamentação de apostas esportivas e a limitação dos benefícios do JCP (Juro sobre Capital Próprio, usado para remunerar acionistas de empresas).

A própria retomada do poder de desempate da Fazenda nos julgamentos de conflitos tributários no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), já aprovada na Câmara, ainda precisa do aval dos senadores, e seu impacto é alvo de controvérsia. O governo diz que pode arrecadar mais R$ 40 bilhões, mas há dúvidas se a conta já considera as perdas causadas pelo amontoado de jabutis inseridos no texto, que podem frustrar o ingresso de novas receitas.

Além disso, algumas dessas receitas têm viabilidade política bastante duvidosa. O atrito entre Haddad e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em torno das offshores foi só um aperitivo dos obstáculos que essa agenda deve enfrentar.

O governo também já está tendo de lidar com os efeitos da desaceleração da arrecadação, cujo crescimento está perdendo fôlego.

Se o Executivo não conseguir arrecadar o suficiente para alcançar as metas, haverá duas opções: ou muda a meta fiscal, ou trava os gastos dos ministérios —o famoso contingenciamento.

A classe política não quer reviver os sucessivos bloqueios impostos sob a vigência do teto de gastos. Pelo contrário. O centrão quer embarcar no governo não só para negociar emendas parlamentares, que são uma fatia pequena de todo o Orçamento, mas também para ser sócio do aumento real de despesas que acaba de autorizar.

O déficit zero de Haddad pode demandar um contingenciamento de R$ 56,5 bilhões, segundo simulações do próprio Tesouro Nacional. Por que não alcançar déficit zero em 2025 ou 2026? É a pergunta feita pelos parlamentares que querem um ajuste mais gradual.

De nada adiantará o governo tentar fazer malabarismos para entregar, no papel, um déficit zero ou muito próximo disso, dentro da banda de tolerância de até R$ 28,8 bilhões negativos. O mercado sabe fazer conta, e qualquer tentativa de ludibriá-lo só vai arranhar a credibilidade da nova regra recém-aprovada.

A discussão em torno do pagamento do estoque de precatórios é ilustrativa. Economistas veem como acertada a disposição do governo em regularizar essas dívidas, represadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL). O que está em xeque é a possibilidade de o governo recorrer a um "tratamento diferenciado" para classificar o estoque como despesa financeira e pagá-lo sem abrir mão do discurso do déficit zero.

Regularizar precatórios e manter as metas fiscais futuras são objetivos incompatíveis. Seria mais transparente colocar tudo no Orçamento e dar transparência às mudanças.

Em discussões reservadas, técnicos experientes citam um traço essencial que separa os diferentes perfis de ministros da Fazenda. Há o que promete menos e entrega mais, geralmente bem avaliado por surpreender positivamente as expectativas, e há o que promete demais e entrega menos, que pode desapontar ainda que seu trabalho renda bons frutos.

É válido querer traçar metas ambiciosas. No entanto, elas carregam consigo um risco perigoso: a de gerar constantes frustrações. Num ambiente em que credibilidade e gestão de expectativas são essenciais, a ambição pode custar caro ao governo.

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