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Senado aprova arcabouço fiscal com 57 votos, em vitória de Lula e Haddad

Texto sofreu mudanças e passará novamente pela Câmara, mas espinha dorsal está mantida

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Brasília

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avançou mais uma casa na aprovação do novo arcabouço fiscal, consolidando a vitória política obtida primeiro na Câmara dos Deputados. O texto foi aprovado nesta quarta-feira (21) no plenário do Senado por 57 votos a 17. Sugestões avulsas de mudança foram rejeitadas.

O placar expressivo mostra, mais uma vez, uma ampla folga em relação ao mínimo de 41 votos que o governo precisava reunir no Senado —um feito relevante para um governo que enfrenta dificuldades para consolidar uma base de apoio no Congresso Nacional. A vantagem já havia ocorrido na Câmara, quando a regra fiscal recebeu o apoio de 372 deputados (ante um quórum mínimo de 257).

O apoio à proposta carrega também um simbolismo ao ocorrer no mesmo dia em que o Banco Central divulgou sua nova decisão de juros, mantendo a Selic em 13,75% ao ano. Diferentes parlamentares têm reforçado o coro do governo pedindo um alívio do BC via corte de juros, e a aposta é que o avanço do arcabouço reduza incertezas e crie um ambiente propício para isso.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad; governo avança em aprovação de novo marco fiscal em votação no Senado - Ueslei Marcelino - 10.abr.2023/Reuters

A validação do texto ocorreu mediante flexibilizações. O relator, senador Omar Aziz (PSD-AM), ampliou a lista de despesas que ficarão fora do limite de gastos, contemplando o Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica), o FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal) e as despesas com ciência e tecnologia. Por causa das mudanças, o projeto precisará passar novamente pela Câmara antes de seguir para sanção presidencial.

Dos três itens excluídos do arcabouço, dois (Fundeb e FCDF) já estavam livres da limitação na proposta original do governo. A Câmara havia optado por um aperto na regra, mas a configuração atual traz conforto à equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

No caso das despesas com ciência e tecnologia, a proposta partiu de uma emenda do senador Renan Calheiros (MDB-AL), e sua aprovação contrariou o governo ao abrir a porteira para que outros grupos peçam tratamento diferenciado. A expectativa é que o dispositivo seja derrubado na Câmara, comandada por Arthur Lira (PP-AL).

O saldo final é favorável para Haddad. O ministro envolveu-se diretamente nas articulações políticas e conseguiu não só manter a espinha dorsal do arcabouço desenhado pela Fazenda, mas também venceu prognósticos pessimistas de que a votação no Senado teria de ser adiada para as próximas semanas.

Lira promete pautar o arcabouço na Câmara no início de julho. Se isso se confirmar, o governo terá uma de suas principais agendas econômicas aprovada bem antes de 31 de agosto, prazo original para o governo dar o passo inicial e enviar a proposta ao Congresso.

A equipe econômica espera que o avanço da nova regra fiscal contribua para reduzir as incertezas do mercado financeiro em relação ao futuro das contas públicas, embora ainda haja desconfiança quanto à execução da nova regra, excessivamente dependente de novas receitas.

Para cumprir as metas fiscais, economistas projetam que o Executivo precisa arranjar ao menos R$ 100 bilhões em arrecadação extra apenas para 2024.

Após a aprovação definitiva, o novo arcabouço fiscal vai substituir o atual teto de gastos, que permite o crescimento das despesas apenas pela inflação e ainda está em vigor, embora tenha sido driblado nos últimos anos.

O novo marco combina metas de resultado primário (obtido a partir da diferença entre receitas e despesas) com um limite de crescimento para gastos mais flexível do que o do teto. Os princípios foram defendidos por Haddad e sua equipe a despeito de resistências dentro do próprio PT. Uma ala do partido queria uma regra fiscal mais branda, ancorada apenas na meta de primário, mas foi voto vencido.

Pela regra aprovada, o crescimento real do limite de gasto do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação, desde que respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5%. Na prática, esses são o piso e o teto de avanço das despesas, independentemente do quadro econômico do país.

Além disso, o governo precisa cumprir uma meta de resultado primário. O objetivo é buscar um déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano e alcançar superávit de 1% do PIB em 2026 —metas tidas como ambiciosas por economistas de mercado, que ainda veem com cautela a capacidade da Fazenda de honrar esses compromissos.

Pela regra, caso a meta seja descumprida, a proporção de alta das despesas em relação à arrecadação cai a 50%, até a retomada da trajetória de resultados dentro do esperado.

Embora tenha preservado os pilares centrais da regra, o Senado rejeitou apelos de uma ala do governo para mudar a fórmula da inflação usada para corrigir o limite de despesas .

O governo propôs originalmente atualizar o novo teto pelo índice de janeiro a junho do ano anterior, mais a variação estimada entre julho a dezembro do mesmo ano. Essa regra balizou os parâmetros do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, enviado em abril.

Durante a votação na Câmara, os deputados preferiram tirar o componente de projeção para evitar que uma inflação superestimada fosse usada para turbinar os gastos do governo. A correção passou a ser feita pelo índice acumulado em 12 meses até junho do ano anterior.

Como a inflação até junho deve ser menor do que a variação até o fim do ano, a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) já alertou que a medida deve obrigar o governo a cortar de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões em despesas de custeio e investimentos na proposta orçamentária a ser enviada em 31 de agosto.

O texto do arcabouço permite que a diferença seja compensada com a abertura de novos créditos ao longo do ano que vem, mas isso não solucionaria o problema político de passar a tesoura nas diversas ações de governo ao apresentar o Orçamento.

Em uma articulação de última hora, o governo conseguiu emplacar a inclusão de um dispositivo que permite incluir as despesas de forma condicionada à aprovação do crédito pelo Legislativo —o que evita o corte nas despesas no envio do Orçamento, mas manteria o poder de barganha dos parlamentares.

Para sacramentar a negociação, diversos membros do governo foram para o plenário do Senado, incluindo os ministros Simone Tebet e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional). Não há, porém, garantia de que o trecho será mantido pela Câmara.

Por outro lado, o Senado manteve o dispositivo que autoriza o governo a usar o aumento da arrecadação em 2024 para abrir espaço para mais gastos no ano que vem.

A proposta de LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2024 será elaborada sob a regra dos 70% da alta das receitas em 12 meses até junho de 2023, mas o governo poderá fazer um ajuste no ano que vem, com base na expectativa de crescimento real das receitas em 2024.

O texto autoriza o governo a calcular, em maio de 2024 (quando o governo divulga a segunda avaliação bimestral do Orçamento), uma estimativa de alta real da arrecadação em relação a 2023 e aplicar a proporção de 70%. Se isso resultar num número maior do que o que corrigiu o limite de gastos, a equipe econômica poderá abrir novos créditos em valor equivalente.

O Senado também manteve os gatilhos automáticos para ajustar as despesas em caso de estouro da meta de primário. Entre as medidas estão a proibição de concursos públicos e de aumentos para servidores.

A política de valorização do salário mínimo, porém, ficará blindada desses mecanismos, a pedido de Lula.

O texto ainda obriga o governo a contingenciar despesas, caso haja frustração de receitas ou aumento de outros gastos que ameace o cumprimento da meta fiscal no exercício. Esta seria uma medida prudencial adotada pelo gestor para tentar evitar o estouro da meta.

Inicialmente, o governo queria que a adoção dessa providência fosse opcional, numa flexibilização em relação ao que manda a versão atual da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O Congresso não aceitou essa proposta e restabeleceu o contingenciamento, mas estipulou um limite de 25% do valor previsto no Orçamento para as despesas discricionárias —que incluem custeio e investimentos.

A proposta determina que o contingenciamento precisa ser proporcional entre as diferentes rubricas. Na prática, isso evita que o aperto recaia apenas sobre os investimentos, como já ocorreu no passado.


TRAMITAÇÃO

O que acontece agora, com a aprovação do texto pelo Senado?

Como houve alterações, o projeto precisa retornar à Câmara dos Deputados, que tem a palavra final sobre o projeto. Os deputados podem acatar as mudanças dos senadores ou restituir o texto originalmente aprovado na Câmara. Após a nova votação, o projeto é remetido à sanção do presidente da República.

O que é preciso para a proposta ser aprovada no Congresso?

Projetos de lei complementar exigem maioria absoluta de votos favoráveis, isto é, mais da metade dos integrantes de cada Casa. Isso significa ao menos 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado.

Depois de aprovada pelo Congresso, o que acontece com a proposta?

O chefe do Executivo tem 15 dias úteis para sancionar o projeto integral ou com vetos parciais em alguns dispositivos, ou ainda vetá-lo totalmente. Todos os vetos passam por posterior validação do Congresso, que pode derrubá-los mediante maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).

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