Descrição de chapéu
Congresso Nacional

Falta clareza na 'fila' dos projetos de saneamento básico do Novo PAC

Governo deveria pagar pelos resultados e não pelas obras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jerson Kelman

Foi presidente da Sabesp de 2015 a 2018, diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de 2005 a 2008 e presidente da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento) de 2001 a 2004).

O pacote de investimentos do Novo PAC é de quase R$ 1,7 trilhão, dos quais cerca de 20% com recursos do Orçamento da União. Nos sistemas de água e esgoto, serão em média R$ 8,5 bilhões por ano no período de 2023 a 2026 (total de R$ 34 bilhões, sendo R$ 10 bilhões para água e R$ 24 bilhões para esgoto) a serem realizados pelos estados, municípios e setor privado.

Para colocar em perspectiva, esse valor corresponde a quase 20% do investimento anual estimado pelo Instituto Trata Brasil para atingir a meta de universalização até 2033 e cerca de duas vezes e meia o investimento feito pela Sabesp em 2022. São 347 obras (112 de água e 235 de esgoto) que, segundo o anúncio oficial, foram escolhidas priorizando a conclusão dos empreendimentos já iniciados.

Estação de tratamento de esgoto da cidade de Franca no interior do estado de São Paulo. Caminhão está à esquerda da foto, em pista que rodeia tanque de tratamento. No meio do tanque, há uma plataforma. Ao fundo da imagem, há uma área florestada.
Estação de tratamento de esgoto da cidade de Franca no interior do estado de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Parece um bom critério para a seleção de empreendimentos, mas poderia ter sido refinado. Afinal, uma obra em que falta só 1% para acabar não está na mesma situação de outra em que faltam 99%.

Adicionalmente, deveria ter sido calculada a relação custo-benefício social de cada empreendimento. Ou seja, a "fila" de prioridades deveria ter sido organizada privilegiando os empreendimentos que, com o mesmo montante investido, causassem o maior impacto na melhoria das condições de vida da população e/ou do meio ambiente.

Infelizmente no Brasil os primeiros lugares da fila não são ocupados pelos mais necessitados, e sim pelos mais bem articulados. Certamente a "fila" do PAC não constitui exceção.

Aliás, a reserva de R$ 2 bilhões para dispêndios no período 2023-2026 em outro pacote de investimentos, a "Revitalização de Bacias Hidrográficas", deixa clara a importância que teve a articulação política na eleição de projetos abrigados no PAC.

Não se trata de quaisquer bacias hidrográficas e sim de três cuidadosamente selecionadas: a área de influência do reservatório de Furnas, que beneficiará 40 municípios mineiros, e as bacias do São Francisco e Parnaíba, que estão na área de influência da Codevasf.

Aparenta ser "um cheque em branco" porque nenhum projeto específico foi mencionado no material distribuído. Com essa indefinição, corre-se o risco de que os recursos sejam aplicados em projetos de difícil controle e de baixa eficácia hidrológica, como seria o florestamento de áreas que nunca foram cobertas por florestas com o propósito de aumentar a vazão média dos rios.

Mais importante do que criticar a seleção dos empreendimentos é sugerir uma metodologia diferente para executar o PAC. Como há muitos lobbies atuando para a construção de obras públicas e praticamente nenhum para que funcionem bem, o governo deveria pagar pelos resultados, não pelas obras.

Quando se licita a obra, o construtor pode ser tentado a maximizar o custo e conseguir aditivos contratuais. Ao contrário, quando se paga pelo serviço, o interesse do empreendedor é sempre de minimizar o custo. O sistema de esgotamento sanitário serve como exemplo.

A maioria das ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto), depois de inauguradas, funcionam precariamente, com performance inferior à projetada. Pagar pelo resultado nesse caso significa o governo garantir um fluxo de recebíveis em favor do empreendedor, público ou privado, condicionado à comprovação in loco de que o esgoto esteja sendo tratado na quantidade e qualidade pactuadas.

Não se trata de uma abordagem teórica, sem comprovação prática. Em 2001, a então recém-criada ANA (Agência Nacional de Águas) lançou um programa-piloto com base nesses princípios que, enquanto teve recursos, funcionou muito bem. O Banco Mundial gostou tanto do conceito que o adotou sob o nome de "Output Based Aid".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.