Antes de usar discurso da moda empresa deve praticar inclusão

Companhia precisa adotar valores no ambiente interno para obter legitimidade

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Valdir Ribeiro Jr.
São Paulo

Manifestar publicamente o apoio à causa LGBT pode trazer benefícios mesmo para empresas de setores que inicialmente nada tenham a ver com essa comunidade. 

O primeiro deles é a ampliação do mercado, porque grupos que não se sentem representados pela maioria das marcas tendem a se tornar fiéis às empresas que são pró-diversidade.

Pesquisa realizada no último trimestre do ano passado pela consultoria Accenture, com mais de 18 mil profissionais em 27 países, incluindo o Brasil, mostra que há outras vantagens, mais estratégicas, de investir na inclusão.

Corporações que têm o valor como pilar e adotam o recrutamento mais diverso são 11 vezes mais inovadoras e têm funcionários seis vezes mais criativos que as suas concorrentes, apontou o estudo.

Antes de colher os frutos, porém, as companhias devem fazer um trabalho de base. É preciso ser autêntico no apoio à causa e não abraçá-la apenas por marketing.

Antes que a empresa se coloque publicamente a favor de causas sociais --não apenas relacionadas ao universo LGBT-- é preciso que ela tenha cuidado para ter legitimidade. 

Essa conquista dependerá do trabalho interno com os valores da igualdade e da diversidade, diz Ronaldo Ferreira, sócio-fundador da consultoria de imagem com foco em inclusão Um.a #DiversidadeCriativa.

Para iniciar um trabalho sério nesse sentido, é recomendável que a empresa mensure a composição de seu corpo de funcionários, afirma Thalita Gelenske, fundadora da Blend Edu, consultoria empresarial com foco em promoção da diversidade nas companhias.

"Qual é a porcentagem de negros na equipe? E de mulheres? Quantos estão em posição de liderança? Quantas pessoas se sentem confortáveis para se declararem gays? Só quando a empresa acompanha isso ela avança", diz ela. 

Felipe Ferrari (esq.), Luiz Felipe Ferraz, Caio Ortega, do grupo #MFriendly, no escritório Mattos Filho, em SP
Felipe Ferrari (esq.), Luiz Felipe Ferraz, Caio Ortega, do grupo #MFriendly, no escritório Mattos Filho, em SP - Lucas Seixas/Folhapress

Também é importante que a empresa crie uma política de tolerância zero a qualquer tipo de preconceito.
Para que essas iniciativas sejam colocadas em prática com sucesso também é preciso ter apoio das lideranças da companhia. 

Foi o que aconteceu no escritório de advocacia Mattos Filho. Desde 2016, Luiz Felipe Ferraz, um dos sócios do negócio, está à frente do grupo #MFriendly, que busca promover discussões sobre o tema LGBT no universo corporativo e na sociedade.

Após o início desse projeto, o escritório criou outros grupos de apoio à diversidade, com foco em igualdade de gênero, de raça, e em pessoas com deficiência. 

"Trabalhar a diversidade dentro de uma empresa é mais que apoiar apenas um grupo, deve ser algo transversal", afirma o advogado.

Ferraz ressalta que, além de promover encontros e debates internos, também é importante que a empresa se posicione com ações externas

No escritório, os grupos de apoio organizam atividades internas, como palestras e debates, e também a participação em eventos --aconteceu em 2017 a primeira participação oficial do escritório na Parada do Orgulho LGBT. 

O grupo #MFriendly é composto por um comitê de 12 pessoas, responsável por organizar as ações, mas mais de 200 outras participam das atividades com frequência.

Também fruto desse trabalho foram os projetos sociais que deram apoio jurídico a uniões homoafetivas e à transição de identidade social de transexuais antes que esses temas fossem definidos pelo Supremo Tribunal Federal.

"Ter uma política de inclusão só no papel, que não é colocada em prática, é pior do que não ter nenhuma política, e o mercado percebe isso", afirma Ferraz.

O advogado conta que o escritório até ganhou disputas por contratos de serviços porque os clientes levaram os posicionamentos da empresa em conta na decisão.

Trabalhar a diversidade internamente com sucesso facilita a comunicação dos valores da empresa ao público.

"Esse é o primeiro passo para uma comunicação genuína, que não pareça oportunista", diz Carolina Soutello, gerente global da marca Natura. "Mas isso não significa que a comunicação será perfeita, sempre tem onde evoluir", afirma Soutello.

Isso vale também para os pequenos. Em qualquer tipo de conversa com o público --nas redes sociais, na internet ou no material publicitário-- é fundamental ter cuidado com todas as escolhas, a começar pela linguagem. 

E deve-se também estar preparado para uma potencial repercussão negativa por parte dos clientes.

A Natura, por exemplo, já teve reações desfavoráveis a campanhas, diz Soutello. Pessoas tentaram até organizar um boicote aos produtos da marca em maio deste ano, após uma propaganda mostrar casais de mulheres se beijando com o slogan "o mundo é mais bonito com você".

Nesses casos, a reação recomendada por especialistas é manter um diálogo com quem não gostou da publicidade, mas manter-se firme no posicionamento.

"Quando os valores estão enraizados, não há motivo para recuar. Além disso, muitas vezes esses boicotes não são tão grandes como as redes sociais fazem parecer", afirma Carolina Soutello.

Para marcas menos conhecidas, a possibilidade de perder consumidores pode parecer aterrorizante, mas retirar uma propaganda do ar ou voltar atrás em um posição por conta da reação negativa de uma parte do público pode ter um efeito colateral ainda maior.

Esse recuo não só demonstra que a empresa deixou de defender aquela mensagem de apoio à diversidade, como também pode ser mal visto pelas pessoas que ela queria incluir inicialmente, afirma Thalita Gelenske, da consultoria Blend Edu.

"Por isso, só se deve começar a pensar em comunicar o apoio a esses valores quando a empresa já trabalha eles bem internamente", diz.

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