Empresários apostam no mercado da maconha em meio a debate legal

Setores como têxtil e cosmético podem ser viabilizados com projeto de lei que propõe o cultivo para fins medicinais e industriais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

De olho no mercado externo e em meio ao debate sobre regulamentação, empresários brasileiros investem em negócios ligados à cânabis, incluindo aqueles que vão além do setor medicinal —como o têxtil e o de beleza.

Só o mercado de maconha medicinal está estimado até 2024 em US$ 62,7 bilhões no mundo e US$ 6,6 bilhões na América Latina, segundo o documento "The Global Cannabis Report", produzido pela Prohibition Partners.

Renata Lima, em sua casa em SP, veste casaco feito de cânhamo, insumo usado na tecelagem Queen Co.
Renata Lima, em sua casa em SP, veste casaco feito de cânhamo, insumo usado na tecelagem Queen Co. - Karime Xavier/Folhapress

No Brasil, uma parte desses negócios já opera, mas existe a expectativa que a demanda seja aquecida caso o país permita o cultivo da cânabis —maconha vem sendo o termo usado para designar fins recreativos ou uso adulto.

Um PL (projeto de lei) que regulamenta o plantio da cânabis para fins medicinais e o do cânhamo industrial tem previsão de ser votado nesta terça (8), em comissão especial na Câmara dos Deputados. O texto não prevê o uso recreativo.

Cânhamo é como são chamadas as plantas com baixo teor de substâncias psicoativas, sem efeitos euforizantes. É uma fonte para extração de CBD (canabidiol), componente empregado em tratamentos médicos, e de fibras aproveitadas por diferentes indústrias.

Mesmo que o PL seja rejeitado —o presidente Jair Bolsonaro afirmou que vai barrar a proposta caso o Congresso a aprove—, a pressão de setores interessados nas oportunidades do cânhamo deve fazer com que a pauta seja retomada, diz Thiago Ermano, diretor-presidente da Abicann (Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis).

Em outros países, o cânhamo é usado na rotação de culturas no campo e como matéria-prima de diversas indústrias, como a têxtil, de construção e a cosmética. Com boas condições de plantio, o Brasil poderia se tornar um produtor competitivo, afirma Rodrigo Mattos, analista da Euromonitor International.

A sustentabilidade motivou a empresária Renata Lima, 38, a abrir a tecelagem Queen Co. no fim do ano passado, depois de conhecer o cultivo e processamento do cânhamo na Austrália, onde morou.
"Uma camiseta de cânhamo precisa de menos água para ser feita do que uma de algodão e dura mais", diz ela, que também trabalha com outras fibras naturais.

Por enquanto, Renata importa os fios da matéria-prima. O primeiro lote de tecido de cânhamo fica pronto em julho e foi comprado por uma empresa que buscava um material resistente e ecológico para fabricar bolsas térmicas.

Segundo ela, o cultivo da planta no Brasil reduziria, em dez anos, o preço de venda do tecido de cerca de R$ 200 o metro quadrado para R$ 40.

Outro mercado que vem ganhando destaque fora do país é o de cosméticos com canabidiol. Marcas como a inglesa The Body Shop passaram a incluir o CBD em produtos como cremes e máscaras.

A Avon também conta com uma linha que tem a substância em sua fórmula, vendida no Reino Unido. Segundo estudo da companhia, o CBD tem ação antienvelhecimento na pele.

Esse mercado também despertou a atenção da brasileira Barbara Arranz, 33, que mora em Madri, na Espanha, e está à frente da LCB Global, que atua na Europa com produtos terapêuticos e cosméticos.
Barbara teve contato com o assunto ao usar canabidiol no tratamento de uma síndrome do filho. No ano passado, mudou de país para investir no setor. Hoje, além do óleo de CBD, que exporta para o Brasil, também vende na Europa itens como um tônico facial que leva esse princípio.

A empresária faturou R$ 3 milhões em 2020 e quer abrir unidades físicas em Madri. Caso a regulamentação aconteça, ela cogita investir no Brasil.

Para Marcelo De Vita Grecco, 49, cofundador do The Green Hub, consultoria e aceleradora com foco no setor, não é preciso esperar uma regulamentação para atuar no país, mas é necessário buscar qualificação para entender melhor o mercado e as possibilidades de financiamento.

Além das oportunidades já viáveis, como às ligadas aos setores médico, farmacêutico, científico e educacional, ele afirma que há a chance de atuar no mercado externo.

A agência Jamba Estúdios foi uma das empresas selecionadas para o programa de investimento mantido pelo The Green Hub e apoiado pela divisão Life Science da empresa alemã Merck.

Fundada há um ano, a Jamba trabalha com projetos editoriais e culturais ligados à cânabis e tem marcado para julho o seu primeiro lançamento —a história em quadrinhos de uma mãe em busca de tratamento para o filho.

A agência também quer produzir conteúdo para outras companhias ligadas à cânabis, afirma Luiz Mandara, 35, diretor-executivo. Ainda em processo de aceleração, a empresa faturou cerca de R$ 70 mil no primeiro ano e espera duplicar esse número no segundo, enquanto se prepara para uma possível regulamentação.

Para a empresária Danila Moura, 37, o momento pré-regulamentação é propício para estruturar novos negócios. "É menos difícil começar agora, enquanto grandes players ainda não estão atuando e a concorrência é menor."

Em parceria com Katia Cesana, 47, ela comanda a Xah com Mariaz, que dá consultoria a mulheres que desejam empreender no setor canábico. A empresa é acelerada pela B2Mamy em programa apoiado pelo Google for Startups.

Para Tarso Araujo, diretor-executivo da BR Cann (Associação Brasileira das Indústrias de Canabinoides), o mercado medicinal e farmacêutico demanda grandes investimentos, mas ainda assim tem oportunidades para pequenos empresários.

"Nos próximos anos, poderemos ver o surgimento de empresas para atender o mercado de cânabis. Isso já está acontecendo, mas com o PL a expectativa é que esses negócios se multipliquem", diz.

A fintech CannaPag foi idealizada para atender empresas do setor e pacientes de cânabis medicinal, que muitas vezes têm transações barradas, diz Mizael Cabral, 49, um dos sócios. Ele afirma que negócios do setor sofrem com a estigmatização e têm dificuldades para ter acesso a crédito.

"Também tivemos problemas para estruturar a fintech. Demorou até que conseguíssemos parceiros tecnológicos."

Em fase final de desenvolvimento, a startup vai oferecer sistemas de pagamento para ecommerce, contas digitais e máquinas de cartão.

"É uma questão de tempo até o mercado se abrir. Estamos nos adiantando a isso."

Katia Cesana (à esq.) e Danila Moura (à dir), donas da consultoria Xah com Mariaz
Katia Cesana (à esq.) e Danila Moura (à dir), donas da consultoria Xah com Mariaz - Divulgação
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.