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Trump diz tomar hidroxicloroquina para evitar coronavírus mesmo sem eficácia comprovada

Presidente americano afirma fazer uso do medicamento há uma semana e meia

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Washington e São Paulo | Reuters

O presidente dos EUA, Donald Trump, disse nesta segunda-feira (18) que está tomando hidroxicloroquina, medicamento usado no tratamento contra malária, como prevenção contra o coronavírus.

Não há evidência científica de que o remédio tenha eficácia no tratamento de Covid-19 nem que sirva como barreira contra a infecção pelo vírus.

"Tenho tomado [o medicamento] desde a última semana e meia. Uma pílula por dia", afirmou Trump a repórteres. O presidente americano diz que não apresentou efeitos colaterais ao uso.

O republicano afirmou também que está tomando uma dose única de azitromicina, um antibiótico destinado a prevenir infecções, além de zinco. "Tudo o que posso dizer é que até agora parece que estou bem."

Trump, 73, fez a declaração durante uma entrevista coletiva sobre o impacto do vírus, que contou com a presença de executivos de restaurantes.

O presidente americano, que realiza testes diários para detectar a presença do vírus, disse que havia perguntado se poderia tomar o medicamento ao médico da Casa Branca, que teria respondido: "Bom, se você quiser".​

Trump tem promovido a droga como uma possível forma de tratamento para a Covid-19, mas estudos mostraram que o medicamento não era eficaz e poderia causar problemas cardíacos em pacientes com coronavírus.

No fim de março, anunciou que seu governo havia “acabado com a burocracia” para expandir o teste de possíveis tratamentos para Covid-19, incluindo a cloroquina e a hidroxicloroquina.

Durante conversa com jornalistas em 19 de março, Trump e Stephen Hahn, da Food and Drug Administration (FDA), agência americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, disseram que o órgão havia aprovado o uso dos dois remédios em pacientes diagnosticados com a Covid-19.

Ambos são normalmente vendidos com a exigência de receita médica para o tratamento de malária, lúpus e artrite reumatoide.

Àquela altura, os medicamentos apresentavam resultados promissores em dois estudos muito preliminares contra o coronavírus, mas não havia provas de sua verdadeira eficácia —que até hoje segue sem comprovação.

Hahn não explicou por que a FDA decidiu apoiar o tratamento com a cloroquina e a hidroxicloroquina. Tampouco esclareceu se a medida anunciada representava aprovação formal de um novo uso para os medicamentos.​

No dia seguinte à fala de Trump, americanos correram a farmácias para adquirir os remédios —estabelecimentos de várias cidades relataram falta de estoque, deixando sem os medicamentos pessoas que dependem do tratamento.

Nos EUA, a cloroquina e a hidroxicloroquina custam de US$ 7 (R$ 35) a US$ 20 (R$ 200) e, de acordo com o jornal Financial Times, somente um laboratório no país fabrica a droga.

Os estudos sobre uso da cloroquina contra o coronavírus

Pouco mais de uma semana depois do pronunciamento de presidente americano, a FDA autorizou o uso limitado dos dois medicamentos em caráter de emergência.

Num comunicado publicado em 29 de março, a FDA afirmou que permitiu a "distribuição e a prescrição [dos medicamentos] pelos médicos para pacientes adolescentes e adultos hospitalizados com Covid-19, de maneira apropriada, quando um ensaio clínico não está disponível ou é viável".

Apesar da pressão de Trump, o Centro de Prevenção e Controle de Doença dos EUA (CDC, na sigla em inglês), principal órgão responsável pela resposta ao coronavírus no país, retirou de seu site, no início de abril, as orientações para médicos sobre o uso dos dois remédios, alertando que eles ainda estavam sendo pesquisados.

Bolsonaro e a cloroquina

Trump não é o único líder a defender a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina como tratamento para a Covid-19.

O principal motivo por trás da saída de Nelson Teich do Ministério da Saúde, na última sexta (15), seria a divergência com o presidente Jair Bolsonaro sobre o uso dos remédios.

Teich, que ficou menos de um mês no cargo, vinha defendendo que uma eventual mudança na recomendação da pasta só ocorreria após conclusão de estudos científicos.

"Cloroquina hoje ainda é uma incerteza. Houve estudos iniciais que sugeriram benefícios, mas existem estudos hoje que falam o contrário", afirmou ele em 29 de abril. "Os dados preliminares da China é que teve mortalidade alta e que o remédio não vai ser divisor de águas em relação à doença."

Luiz Henrique Mandetta, titular da Saúde antes de Teich, afirmou em entrevista à Folha publicada nesta segunda que a ampliação do uso de cloroquina para pacientes com quadro leve do novo coronavírus pode elevar a pressão por vagas em centros de terapia intensiva e provocar mortes em casa por arritmia.

Mandetta afirmou que resultados iniciais de estudos que recebeu ainda no governo já indicavam riscos no uso do medicamento.

“Começaram a testar pelos [quadros] graves que estão nos hospitais. Do que sei dos estudos que me informaram e não concluíram, 33% dos pacientes em hospital, monitorados com eletrocardiograma contínuo, tiveram que suspender o uso da cloroquina porque deu arritmia que poderia levar a parada [cardíaca].”

Ele disse ainda ver na pressão de Bolsonaro pelo uso da cloroquina uma tentativa de estimular o retorno das pessoas ao trabalho.

Remédios também têm apoio de Maduro

Na última quinta (14), o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, publicou em rede social um agradecimento aos profissionais da saúde e de pesquisa do país pelo uso da cloroquina contra o novo coronavírus.

"Com eles [cientistas e médicos], avançamos na produção de difosfato de cloroquina, um medicamento eficaz para o tratamento contra a Covid-19. Sim, nós podemos, Venezuela."

Não foi a primeira vez que o ditador citou tratamentos que não têm respaldo na literatura médica.

Em março, ele recomendou em outra mensagem nas redes sociais uma mistura de ervas como antídoto para o coronavírus. Segundo ele, três estudos indicavam eficácia do uso de capim-santo, sabugueiro, gengibre, pimenta-do-reino, limão e mel de abelha.

A publicação foi apagada pelo Twitter por conter informações falsas.

Outros tratamentos citados por Trump

O presidente americano já sugeriu que injeções de desinfetante poderiam servir para o tratamento da Covid-19 —algo fortemente desaconselhado pela comunidade médica.

Durante entrevista coletiva na Casa Branca, no fim de abril, Trump disse que, ao ver que "o desinfetante derruba o coronavírus em um minuto", "pode existir uma maneira de fazer algo desse tipo por dentro, com uma injeção, ou quase como uma limpeza".

"Será preciso ver com os médicos, mas soa interessante para mim", afirmou.

Em Nova York, o pronunciamento causou um pico de ligações ao centro de controle de envenenamento sobre o desinfetante Lysol, alvejantes e outros produtos de limpeza.​

O presidente americano também fez alusão a supostos tratamentos com radiação ultravioleta, novamente sem embasamento científico. “Talvez seja possível, talvez não seja. Eu não sou médico", disse à época.

Após um forte reação negativa de médicos e pesquisadores, Trump recuou e disse que “estava fazendo uma pergunta sarcástica a repórteres, apenas para ver o que aconteceria", durante entrevista na Casa Branca.


Trump e a cloroquina

19.mar 
Trump afirma em pronunciamento que a cloroquina e a hidroxicloroquina têm mostrado “resultados muito, muito animadores”

20.mar 
Principal conselheiro de Trump para a crise do coronavírus, Anthony Fauci diz, em entrevista coletiva na Casa Branca, que não há evidências sobre a eficácia dos medicamentos. “A informação à qual você se refere especificamente é anedótica”, afirma. “Isso não foi feito em um ensaio clínico controlado. Então você realmente não pode fazer nenhuma declaração definitiva sobre isso.” Trump interrompe para dizer: “Vamos ver. Vamos saber em breve”

21.mar 
No Twitter, o mandatário fala sobre o uso combinado da hidroxicloroquina e do antibiótico azitromicina: “HIDROXICLOROQUINA & AZITROMICINA, administradas juntas, têm uma chance real de serem uma das maiores mudanças na história da medicina. A FDA [agência que regula remédios e alimentos] moveu montanhas - Obrigado!”

4.abr 
“Vou dizer de novo: o que você tem a perder?”, questionou Trump, pronunciando com cuidado hidroxicloroquina durante entrevista coletiva na Casa Branca, onde deu sua prescrição presidencial: “Tome”

5.abr
Pelo segundo dia consecutivo, o presidente se pronuncia sobre o medicamento. Ao sugerir que fala por instinto, afirma que a hidroxicloroquina está sendo testada e que “há fortes, poderosos indícios” do seu potencial. “Mas o que eu sei? Não sou médico”, acrescenta

13.abr 
Durante entrevista coletiva na Casa Branca, o presidente volta a destacar possível eficácia do medicamento: “Está tendo alguns resultados muito bons”. É uma das últimas vezes que se pronuncia sobre o assunto no mês de abril

21.abr 
O Instituto de Doenças Infecciosas, liderado por Fauci, anuncia que não há eficácia comprovada de nenhum medicamento no combate à Covid-19

22.abr 
Richard Bright, que comandava a Barda, agência do governo responsável pela produção de vacinas e medicamentos, diz ter sido demitido por pressionar por veto do uso da hidroxicloroquina no tratamento do coronavírus

24.abr 
A FDA alerta sobre os riscos da cloroquina e da hidroxicloroquina, que podem causar anormalidades graves no ritmo cardíaco, e recomenda o uso apenas em testes clínicos ou em hospitais onde pacientes podem ter risco cardíaco monitorado de perto

3.mai 
À Fox News, Trump diz que há pesquisas mostrando a eficácia da hidroxicloroquina ao ser questionado sobre estudos que apontaram problema cardíaco ligado ao remédio; o presidente destacou que foi apenas um estudo contrário​

Com Reuters

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