A 32 dias da eleição, Trump leva para dentro da Casa Branca o vírus que minimizou

Presidente dos EUA e primeira-dama entram em quarentena após contraírem Covid-19

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São Paulo

Horas depois de dizer que "o fim da pandemia está próximo" em um discurso gravado para um jantar de caridade, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou no início da madrugada desta sexta-feira (2) que ele e a primeira-dama, Melania, receberam diagnóstico de Covid-19 e entraram em quarentena.

A sequência de declarações resume a gestão do líder americano no combate ao coronavírus. O presidente que por meses minimizou a gravidade do patógeno e forçou governadores a reabrirem a economia do país, mesmo sob críticas de especialistas em saúde, agora sente no próprio corpo o que é ser atingido pela crise sanitária que, apenas nos EUA, infectou mais de 7,3 milhões de pessoas e matou ao menos 208 mil.

"Vamos começar nossa quarentena e nosso processo de recuperação imediatamente. Nós vamos superar isso JUNTOS!", escreveu Trump no Twitter, como costumeiramente faz. O otimismo da mensagem constrasta com as implicações prática imediatas do diagnóstico.

A 32 dias do pleito americano, a campanha republicana cancelou todos os comícios com a presença do presidente, como os que ele faria nesta sexta na Flórida e no sábado em Wisconsin, estados cruciais na disputa com o democrata Joe Biden. Em vez de inflamar os apoiadores presencialmente, um de seus principais ativos, ficará isolado.

De acordo com o chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, o presidente apresenta sintomas leves da Covid-19. Já o médico da Casa Branca, Sean Conley, disse que o presidente está "cansado", mas de "bom humor", e recebeu uma dose de um tratamento experimental com um coquetel sintético de anticorpos.

Por volta das 18h30 desta sexta-feira, Trump embarcou no helicóptero que o levará até o hospital militar Walter Reed, onde ficará internado para se tratar da infecção por Covid-19.

Ele usava máscara e caminhou lentamente até o veículo, mas não parou para falar com repórteres.

Segundo a Casa Branca, a internação é uma medida de precaução, e Trump não transferiu seus poderes ao vice, Mike Pence. A informação oficial é que ele seguirá no cargo e trabalhará do hospital nos próximos dias.

Antes de embarcar, o presidente divulgou um vídeo curto nas redes sociais. "Quero agradecer todo mundo pelo tremendo apoio. Eu penso que estou muito bem, mas vamos para ter certeza de que as coisas se resolvam. A primeira-dama está muito bem. Muito obrigado. Eu apreciei e nunca vou esquecer isso", disse.

Ainda antes da confirmação dos resultados dos exames, Trump e Melania já haviam entrado em isolamento após uma assessora, Hope Hicks, receber teste positivo para Covid-19. Conselheira sênior da Casa Branca, ela é uma das assessoras mais próximas do presidente. Viajou com o republicano para o debate em Cleveland, na terça (29), e também esteve ao lado de Trump em Minnesota, na quarta, para um comício.

Donald Trump e a primeira-dama dos EUA, Melania Trump, retornam à Casa Branca, em Washington
Donald Trump e a primeira-dama dos EUA, Melania Trump, retornam à Casa Branca, em Washington - AFP

Trump, 74, está no grupo de risco da doença devido à idade e porque é tecnicamente obeso. Ele manteve boa saúde durante o mandato, mas não é conhecido por seguir uma dieta saudável. Amante de golfe, esporte de intensidade moderada que jogou mesmo no dia em que os EUA se aproximavam de 100 mil mortos por coronavírus, ele pratica poucas atividades físicas, de acordo com um médico da Casa Branca.

Agora, com o diagnóstico confirmado, o republicano se junta a outros líderes mundiais que foram infectados pelo patógeno, numa lista que inclui o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e o premiê britânico, Boris Johnson. Em comum, os três minimizaram a importância da pandemia.

Nas últimas semanas, o republicano manteve uma agenda intensa de viagens pelo país. Além de ter participado do primeiro debate com Biden, Trump vinha promovendo eventos de campanha com milhares de pessoas, apesar das advertências de profissionais de saúde contra a realização de eventos com grandes multidões. Quando aceitou a indicação no último dia da convenção republicana, o presidente convidou mais de mil apoiadores para acompanhar o momento nos jardins da Casa Branca.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) recomenda até 14 dias de quarentena para as pessoas que foram expostas ao vírus, e até agora Trump não anunciou quanto tempo deve permanecer isolado nem fez novas declarações após anunciar que está com Covid-19.

Melania, 50, por sua vez, agradeceu por meio de uma rede social as mensagens de apoio. Disse que tem sintomas leves, mas se sente bem e que está ansiosa para uma recuperação rápida.

O diagnóstico de Covid-19 de Trump afetou os mercados financeiros globais e provocou um aumento na demanda por portos seguros tradicionais, como ouro e títulos. A notícia levou investidores a se prepararem para um período de alta volatilidade, em que o mercado deve permanecer tenso.

Os testes positivos no núcleo da Casa Branca também levantam a possibilidade de outras pessoas nos níveis mais altos do governo dos EUA terem sido infectadas pelo coronavírus.

Na manhã desta sexta, o vice-presidente Mike Pence, próximo na linha de sucessão, anunciou que o resultado do teste de Covid-19 que realizou foi negativo. A indicada de Trump para a Suprema Corte, Amy Coney Barrett, também afirmou que seu exame não indicou contaminação. Ela esteve com Trump no sábado (26), em cerimônia na Casa Branca que pode ter sido um evento de disseminação do vírus.

Até agora, diversas pessoas que estiveram lá disseram ter recebido diagnóstico da doença, incluindo o senador republicano Mike Lee e o reverendo John I. Jenkins, presidente da Universidade Notre Dame.

Pelo Twitter, Biden, que disputa a Presidência com Trump, anunciou que seu teste para coronavírus deu negativo. Havia a chance de que ele tivesse sido infectado, já que participou do debate na terça.

"Tenho o prazer de informar que Jill [esposa de Biden] e eu tivemos resultados negativos para Covid. Obrigado a todos por suas mensagens de preocupação", escreveu o ex-vice de Barack Obama, que desejou rápida recuperação ao casal presidencial, mas não deixou de passar um recado. "Espero que isso sirva de lembrete: use máscara, mantenha distância social e lave as mãos."

Ainda assim, o exame do democrata não garante que ele não tenha sido contaminado. Pode levar dias depois da exposição ao vírus para que o patógeno atinja níveis detectáveis. Infectados apresentam sintomas, em média, cerca de cinco dias após a exposição, mas esse prazo pode chegar a 14 dias.

Trump recebe fortes críticas por sua resposta à pandemia, cujos números nos EUA colocam o país no topo do ranking mundial de óbitos e contaminações. Na jornada para minimizar os efeitos do coronavírus, ele chegou a sugerir injeções de desinfetante como tratamento, e, em setembro, vieram à tona revelações de que ele escondeu intencionalmente da população a gravidade da situação.

No meio do caminho, disse que estava tomando hidroxicloroquina como prevenção à doença —a eficiência do remédio contra a malária no tratamento da Covid-19 nunca foi comprovada cientificamente.

Biden, que usa regularmente máscara e evita comícios com grandes multidões, critica Trump por não ter um plano nacional claro para enfrentar a pandemia e tenta fazer com que o pleito presidencial se torne um referendo da atuação do republicano no combate à Covid-19. Até agora, está à frente nas pesquisas.

O presidente era submetido regularmente a testes de Covid-19, mas a frequência exata dos exames nunca foi divulgada. Os funcionários que trabalham na Ala Oeste da Casa Branca são avaliados diariamente, assim como os jornalistas que entram nesta área da residência oficial ou viajam com o presidente.

As reações de líderes mundiais foram rápidas, do presidente russo, Vladimir Putin, à chanceler alemã, Angela Merkel. Uma delas, no entanto, chamou a atenção, não pela mensagem em si, mas pelo simbolismo: a do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom.

Trump considera o órgão um fantoche da China, a quem, por sua vez, o líder americano atribui a culpa pela disseminação em grande escala do coronavírus. Em seus repetidos ataques, o presidente não hesita em chamar a Covid-19 de "vírus chinês", o que despertou críticas de racismo e xenofobia.

No fim de maio, após suspender repassar à OMS, o presidente anunciou a saída dos EUA da organização, um movimento que reflete o desprezo de Trump por fóruns multilaterais e um recado à China.

O diretor da OMS desejou uma "pronta e completa recuperação" a Trump e sua esposa.

Com Reuters e AFP

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