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'Guerra dos outros' quase custou vida de jornalista após 11 de Setembro no Paquistão

Asad Khan teve de fugir para a Europa após ser perseguido por reportagens em seu país

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São Paulo

"O 11 de Setembro me jogou no isolamento. Perdi minha família, meus amigos, minha cultura, meu Paquistão", afirma Asad Khan, 42. Tudo devido a uma "guerra dos outros" e seu comprometimento como jornalista em mostrar como ela afetava seu país.

Natural de Islamabad, ele hoje mora na Alemanha, em uma cidade que prefere não ter o nome revelado. O temor é uma constante: a fama dos longos braços dos serviços secretos paquistaneses é notória.

Refugiados paquistaneses da região tribal de Dir em fila para receber comida em meio a ruínas de combates entre o Exército e extremistas islâmicos
Refugiados paquistaneses da região tribal de Dir em fila para receber comida em meio a ruínas de combates entre o Exército e extremistas islâmicos - Igor Gielow - 7.ago.09/Folhapress

Foram eles, afinal, que ajudaram a dar à luz em 1994 um movimento de estudantes islâmicos afegãos refugiados nas áreas tribais paquistanesas.

Com dinheiro saudita e a promessa de um aliado estratégico a oeste contra a Índia, o famoso ISI (Inter-Services Intelligence, a agência de inteligência militar principal) ajudou o desconhecido Talibã a chegar ao poder dois anos depois.

"Eu estava com meus amigos de faculdade quando ouvimos a notícia dos ataques [do 11 de Setembro]", conta, lembrando que todos comentaram o óbvio: os olhos do mundo se virariam para o Afeganistão e, consequentemente, para o laço entre um regime militar amigo do Ocidente e o radicalismo islâmico.

O primeiro impacto das Torres Gêmeas destruídas na vida de Khan foi prosaico: ele se tornou intérprete e fixer, o faz-tudo de correspondentes internacionais, auxiliando-os a encontrar contatos no cipoal tribal que é o Paquistão.

O país fora inundado de jornalistas estrangeiros, que buscavam um meio de entrar no Afeganistão já sob bombas americanas. Jovens como Khan fizeram pequenas fortunas, para seu padrão de renda.

Mais do que isso, a experiência lhe abriu portas. Trabalhou em vários jornais paquistaneses e eventualmente voltava a acompanhar repórteres ocidentais. Numa dessas coberturas, em 2008, foi capturado por seu próprio governo.

"Eu trabalhava numa história sobre paquistaneses com nacionalidade britânica que haviam sumido [torturados pelo serviço secreto de Londres]. Isso não foi tolerável para o governo de então", diz, em referência ao regime de Pervez Musharraf, que caiu em agosto de 2008, um mês depois da prisão de Khan.

A vigilância era constante. No ano seguinte, a Folha viu relatórios de inteligência acerca de visitas anteriores do jornal ao Paquistão, incluindo datas e horários de almoços com fontes de informação e uma prisão imprevista quando desembarcou do avião da ONU que o trouxe do Afeganistão em 2001.

Khan foi torturado por 15 horas e até hoje tem marcas de cigarros em seu braço. Foi aconselhado por homens encapuzados a esquecer o assunto, e foi o que fez até 2011. Naquele ano, resolveu contar sua história na mídia.

Resultado, mais uma abordagem violenta, com quatro homens o espancando com bastões. Era hora de ir embora e, com a ajuda de antigos colegas de cobertura, conseguiu um visto de refugiado na Alemanha. "A língua é um grande problema", conta ele, que conseguiu por meio de um programa de inclusão social um estágio em um pequeno jornal.

Ele trabalha quase o tempo todo se comunicando em inglês e tirou o bigode porque se sentia discriminado na pequena comunidade em que vive —o que não ajudou muito, dado seu fenótipo, pele e cabelos escuros.

Ao longo de dois anos, conseguiu trazer para perto mulher e dois filhos, mas o resto da família ficou para trás. "No ano passado, meu pai estava muito doente e pediu para eu ir visitá-lo. Eu não podia fazê-lo sem quebrar meu status de refugiado, e ele morreu sem que eu pudesse me despedir", diz.

Khan habita uma dessas falhas tectônicas promovidas pela "guerra ao terror" que Joe Biden quer ver encerrada após a retirada do Afeganistão. Avançou profissionalmente devido ao 11 de Setembro, mas acabou por receber uma fatura impossível de saldar.

Geopoliticamente, seu país passou por algo semelhante, mas encontrou um outro caminho. Após décadas de apoio militar, econômico e político americano, o Paquistão se estranhou com o patrono.

Os EUA queriam maior comprometimento de Islamabad com sua guerra, mas o fato é que por anos o governo paquistanês fomentou radicais islâmicos que operavam contra a Índia na região disputada da Caxemira e em ataques terroristas.

Assim, ao longo dos anos 2000, o Paquistão ampliou seus laços com a China, que virou seu maior parceiro econômico e militar. Em troca, Pequim ganhou um turbulento corredor de infraestrutura para escoar suas exportações no oceano Índico, fugindo dos gargalos vulneráveis do mar do Sul da China. Ato contínuo, a Índia cerrou fileiras com os EUA contra os dois adversários.

Surpreendeu a poucos que Osama bin Laden, o homem do 11 de Setembro, tenha sido morto ao fim, em 2011, em solo paquistanês.

O custo do processo foi alto: os jihadistas se voltaram contra o próprio Paquistão, num ciclo de violência que ainda não acabou e que já custou 66 mil vidas, 23 mil das quais de civis, incluindo 86 jornalistas, segundo a Universidade Brown (EUA). Fora incontáveis danos colaterais, como o próprio Khan atesta.

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