Descrição de chapéu The New York Times juros

Inflação se torna obstáculo em perspectivas de reeleição de populistas de direita

Onde de alta de preços pode afetar planos de Bolsonaro, Erdogan e Orbán nos próximos 2 anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

A todos que aparentam, na visão de Jair Bolsonaro (PL), representar um entrave a ele na eleição presidencial de 2022 —incluindo a imprensa, o STF (Supremo Tribunal Federal) e os liberais—, o líder direitista brasileiro tem uma resposta: "Só Deus me tira daqui".

Mas a tentativa de recondução de Bolsonaro pode acabar ameaçada por um problema inesperado, para o qual seu manual político não oferece resposta fácil: a inflação.

Os preços estão subindo mais rapidamente que em quase duas décadas no Brasil, país com histórico relativamente recente de episódios inflacionários desastrosos. O real vem perdendo valor constantemente, tendo caído cerca de 10% em relação ao dólar apenas nos últimos seis meses. E a economia brasileira, a maior da América Latina, acaba de registrar dois trimestres seguidos de retração.

Isso complica a vida de pessoas como Lúcia Regina da Silva, 65. Auxiliar de enfermagem aposentada e ex-partidária do presidente, ela passou o último ano vendo os preços em alta corroerem o poder de compra de sua modesta aposentadoria mensal.

Manifestação da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, organizada por movimentos de esquerda e representantes de 21 partidos políticos, na avenida Paulista, na região central de São Paulo
Manifestação da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, organizada por movimentos de esquerda e representantes de 21 partidos políticos, na avenida Paulista, na região central de São Paulo - Mathilde Missioneiro - 2.out.21 /Folhapress

"Eu acreditei que esse governo fosse melhorar nossa vida", disse Lúcia numa manhã recente, empurrando um carrinho de compras quase vazio pelos corredores de um supermercado da rede Campeão no Rio de Janeiro. Seu dinheiro só foi o bastante para comprar alguns vegetais e artigos de uso pessoal. "Mas foi um equívoco."

Bolsonaro faz parte de uma geração de governantes populistas de direita que chegaram ao poder na última década e meia em democracias como Turquia, Brasil e Hungria e cujos governos coincidiram, pelo menos inicialmente, com períodos de performance econômica sólida nesses países.

Eles permaneceram no poder às custas de inflamar os ânimos nacionalistas e usar questões culturais divisivas para provocar divergências profundas no eleitorado. Nesse processo, cooptaram a imprensa e meteram medo em seus adversários.

Agora, esses líderes autoritários –que incluem o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan– estão tendo que enfrentar altas de preços, ao mesmo tempo que encaram eleições nacionais nos próximos dois anos. A inflação, um perigo novo e inesperado, ameaça mobilizar a oposição nos países desses três líderes de maneira que poucos teriam previsto alguns meses atrás.

Na Hungria, onde os preços ao consumidor vêm subindo no ritmo mais acelerado desde 2007, sondagens de opinião sugerem que Orbán enfrentará a eleição mais difícil de sua vida política no ano que vem, à medida que o custo de vida e os baixos salários se tornam as maiores preocupações dos eleitores.

Na vizinha República Tcheca, que enfrenta inflação crescente e custos de energia cada vez mais altos, os eleitores acabam de afastar do poder o primeiro-ministro Andrej Babis, bilionário líder populista de direita.

Já prejudicado pela má gestão da crise de Covid-19, Bolsonaro se encontra seriamente enfraquecido. Pesquisas de opinião indicam que ele está muito atrás de seu provável adversário em 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Antevendo o que pode acontecer, Bolsonaro já começou a deitar as bases para contestar o resultado da eleição do ano que vem —que as pesquisas indicam que ele perderia por margem grande se a eleição fosse hoje. "Quero dizer àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília que só Deus me tira de lá", ele disse em setembro a uma multidão de apoiadores em São Paulo.

Mas Lula já incorporou a crise econômica a sua campanha recente. "O governo Bolsonaro é responsável pela inflação", afirmou, em entrevista. "A inflação está fora de controle."

A pior situação é a da Turquia, onde as políticas econômicas heterodoxas de Erdogan desencadearam uma crise monetária de grande escala. A lira turca perdeu cerca de 45% de seu valor em 2021. E os preços agora estão subindo a uma taxa oficial de mais de 20% ao ano —algumas estimativas extraoficiais vêm ainda mais altas.

Os países governados por populistas de direita não são os únicos a estar arcados sob o peso da inflação. Nos Estados Unidos de Joe Biden os preços estão subindo ao ritmo mais acelerado desde 1982. E líderes populistas de esquerda, como Alberto Fernández na Argentina, também enfrentam correntes inflacionárias acirradas que os puseram na defensiva.

O aumento da inflação representa uma quebra repentina com a tendência de crescimento lento e inflação morna que dominou a economia global por cerca de 12 anos antes da chegada da pandemia. Esse pano de fundo de baixo crescimento permitiu que bancos centrais poderosos como os dos EUA, da União Europeia e do Reino Unido mantivessem seus juros baixos. E essas decisões tiveram consequências importantes para países mais pobres em todo o mundo.

Isso ocorre porque as políticas de juros baixos determinadas por bancos centrais como o Federal Reserve reduzem o retorno que investidores de países ricos podem conseguir com a compra de títulos governamentais seguros em seus próprios países, fato que os incentiva a fazer investimentos mais arriscados em mercados emergentes que prometem retornos maiores.

Economistas dizem que o fluxo de dinheiro em direção a países em desenvolvimento pode ter sido um fator não devidamente notado do sucesso desfrutado por líderes populistas de direita nos últimos anos, na medida em que lhes garantiu um vento econômico constantemente favorável que coincidiu com sua passagem pelo poder.

A Turquia, que passou por uma recessão forte em 2009, conseguiu recuperar-se dela em relativamente pouco tempo graças a uma onda de empréstimos de investidores estrangeiros que fortaleceram seu crescimento. A eleição de Bolsonaro em 2018 coincidiu com uma nova investida do Fed para reduzir as taxas de juros nos EUA, fato que levou investidores americanos a adquirir mais títulos de dívida de mercados emergentes, ajudando a escorar o real.

"Desde a recessão financeira global, o ambiente macroeconômico foi uma dádiva para os governantes autoritários", diz Daron Acemoglu, professor de economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e estudioso da deterioração das democracias. "Essencialmente, os juros muito baixos fizeram com que muitos países que tinham democracias fracas, regimes semiautoritários ou mesmo abertamente autoritários ainda assim fossem atraentes para o capital estrangeiro."

Mas neste ano, quando a economia global começou a se recuperar da pandemia, uma combinação de perturbações à cadeia de fornecimento, impressão de dinheiro por bancos centrais e gastos governamentais visando estimular a recuperação desencadeou uma alta nítida dos preços em todo o mundo.

Isso levou os líderes de muitos países em desenvolvimento a modificar sua política econômica e os investidores globais a reverem investimentos nesses mercados.

Claudia Calich, diretora de dívida de mercados emergentes na M&G Investments, em Londres, investe há anos em títulos de dívida em lira do governo turco. Mas segundo ela, a pressão pública que Erdogan vem fazendo sobre o Banco Central para que baixe os juros levou seu fundo a vender todos seus investimentos nesse mercado.

"Em 2021, assim que começamos a ver as mudanças indo na direção errada –ou seja, em reduções adicionais nas taxas de juros–, começamos a ficar preocupados com a lira", afirma Calich. "Estamos muito satisfeitos por termos abandonado esses investimentos."

Existem poucas opções politicamente palatáveis para os países de mercado emergente que enfrentam inflação em alta e enfraquecimento de sua moeda. Mas, por diversas razões, a alta inflacionária constitui um terreno político especialmente complicado para líderes populistas como Orbán, Erdogan e Bolsonaro, todos os quais enfrentarão eleições em 2022 ou 2023.

Sua abordagem personalizada à política, além do fato de estarem no poder há anos —especialmente no caso do húngaro e do turco—, faz com que seja difícil se esquivarem da culpa pela condição da economia. Ao mesmo tempo, seu tipo de populismo, que enfatiza as rivalidades nacionais e que foi eficaz no passado, pode parecer irrelevante ou inapropriado para cidadãos cujo padrão de vida vem caindo vertiginosamente.

O remédio tradicional para a inflação incluiria alguma combinação de alta nos juros e redução nos gastos do governo. Mas essas duas iniciativas provavelmente prejudicariam o crescimento econômico e o emprego, pelo menos a curto prazo, potencialmente afetando negativamente as perspectivas de esses líderes se reelegerem.

Na Turquia, Erdogan –que sobreviveu a uma tentativa de golpe em 2016 e desde então vem adotando um estilo de liderança cada vez mais autoritário– excluiu uma resposta convencional desse tipo. O Banco Central da República da Turquia, essencialmente sob o controle pessoal de Erdogan, baixou as taxas de juros várias vezes nas últimas semanas.

A maioria dos observadores pensa que Erdogan piorou em muito uma situação que já era difícil, com a perspectiva de mais cortes nos juros e desvalorização da lira, levando os investidores estrangeiros a tirar seu dinheiro do país.

Ao mesmo tempo, os ventos políticos também parecem estar soprando contra. A situação econômica deteriorada desencadeou protestos em diferentes pontos do país. Políticos da oposição já estão pedindo eleições antecipadas para lidar com a crise e criticando Erdogan por sua gestão da economia.

Orbán e Bolsonaro, ambos os quais se posicionaram no passado como conservadores orçamentários, abandonaram a posição. Em direção contrária, estão promovendo um aumento de curto prazo nos gastos públicos para oferecer um fluxo de dinheiro aos eleitores antes dos pleitos de 2022. Mas não está claro se essa abordagem vai ajudá-los, já que é possível que agrave as pressões inflacionárias.

Sentado num banco de uma feira local de produtores em Budapeste, numa tarde recente, Marton Varjai, 68, riu do cheque de US$ 250 (R$ 1.420) que Orbán lhe mandou recentemente, parte de um auxílio que o governo húngaro autorizou para todos os aposentados, que representam cerca de 20% da população.

Varjai recebe aposentadoria mensal de cerca de US$ 358 (R$ 2.033) e gasta 85% dela para pagar por seus remédios, além de contas de água e eletricidade. "Vivo com o que sobra", ele disse, explicando que está preocupado, sem saber se conseguirá sobreviver.

Sentimentos como esses vêm ganhando força crescente entre os eleitores húngaros. Um estudo recente do Policy Solutions, think tank progressista com sede em Budapeste, constatou que a maior preocupação dos húngaros é o custo de vida e os salários baixos.

"Se essas questões dominarem a campanha, não será bom para o Fidesz", disse Andras Biro-Nagy, diretor do think tank, aludindo ao partido governista de Orbán.

Matt Phillips , Carlotta Gall , Flávia Milhorance e Benjamin Novak

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.