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The New York Times

Como Boris Johnson se tornou politicamente vulnerável

Trata-se de uma das reviravoltas mais impressionantes na história política britânica moderna; o que aconteceu?

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Mark Landler
Londres | The New York Times

Quando Boris Johnson obteve uma vitória esmagadora com seu Partido Conservador nas eleições de 2019, se tornou um colosso na política britânica, o homem que redesenhou o mapa político do país com a promessa de "concluir o brexit".

Com uma maioria de 80 assentos no Parlamento, a maior reunida por um líder conservador desde Margaret Thatcher em 1987, Boris parecia ter garantido seus cinco anos no poder. Alguns analistas previam uma década confortável no número 10 de Downing Street para ele, o mais firme captador de votos do país.

Porta de entrada do número 10 de Downing Street, sede do governo britânico, em Londres
Porta de entrada do número 10 de Downing Street, sede do governo britânico, em Londres - Hollie Adams - 6.jun.22/AFP

Agora, apenas dois anos e meio após esse triunfo, sua invencibilidade política foi estilhaçada. Os rebeldes de seu partido não conseguiram derrubá-lo em uma dramática votação de desconfiança na segunda-feira (6). Mas com 148 dos 359 legisladores conservadores votando contra, ele pode ter tido a imagem de líder eficaz e confiável prejudicada, talvez de modo irreversível.

Embora permaneça como primeiro-ministro, Boris pode estar vivendo uma prorrogação sem expectativas. É uma das reviravoltas mais impressionantes do destino na história política britânica moderna. O que aconteceu?

Até certo ponto, a posição de Boris Johnson desmoronou devido à mistura confusa de pontos fortes e fracos que impulsionou sua ascensão: rara intuição política compensada por uma imprudência pessoal inacreditável; um senso de história não acompanhado por um correspondente de como deveria se comportar como líder; habilidades pessoais surpreendentes prejudicadas por um estilo transacional que lhe rendeu poucos aliados e o deixou isolado em momentos perigosos.

É esta última qualidade, dizem os analistas, que tornou Boris tão vulnerável aos reveses. Sem ideologia subjacente além do brexit e sem rede de amigos políticos, o premiê perdeu o apoio dos legisladores de seu partido quando ficou claro que não poderiam contar com ele para vencer as próximas eleições.

"Boris é um ilusionista tão talentoso e seus colegas, tão covardes que você não pode descartar que ele viva para lutar mais um dia", diz Tim Bale, professor de política na Universidade Queen Mary em Londres. "Mas para que exatamente? Não há explicação."

Boris, afinal, é o político que decidiu apoiar o brexit depois de escrever duas colunas –uma defendendo a saída da União Europeia, outra argumentando contra– na noite anterior ao anúncio de sua posição. Ele venceu em 2019 prometendo "concluir o brexit", mas, tendo alcançado esse objetivo poucos meses após a eleição, muitas vezes parecia um primeiro-ministro sem um plano.

Os acontecimentos também desempenharam um papel, como disse certa vez outro primeiro-ministro britânico, Harold Macmillan. Assim como outros líderes mundiais, Boris foi atrapalhado pela pandemia de coronavírus, seu governo tumultuado por uma crise de saúde contínua, na qual ele desempenhou um papel altamente visível, mas nem sempre tranquilizador.

Boris demorou para reagir à ameaça iminente do vírus, impondo o bloqueio ao país uma semana depois dos vizinhos. Esse atraso, argumentaram os críticos, tornou a primeira onda da pandemia pior na Grã-Bretanha do que em outros lugares. Em abril de 2020, com o vírus circulando em Downing Street, o próprio Boris contraiu a Covid-19, foi parar numa UTI e quase morreu.

Mas o premiê também pressionou para que a Grã-Bretanha fosse pioneira no desenvolvimento de uma vacina. Quando a Universidade de Oxford e a AstraZeneca produziram uma, ele a lançou mais rapidamente do que quase qualquer outro país. Também tomou a decisão fatídica —mais tarde imitada por outros líderes— de reabrir a sociedade depois que uma porcentagem significativa da população havia sido vacinada. Os britânicos devem aprender a viver com a Covid, disse ele.

Foi durante os dias mais sombrios da pandemia que as sementes dos atuais problemas de Boris foram plantadas. Enquanto o resto do Reino Unido enfrentava bloqueios sufocantes, o premiê e seus principais assessores participavam de reuniões sociais em Downing Street que violavam suas próprias restrições.

Os primeiros relatos de festas ilícitas surgiram no final de novembro passado, levando Boris a emitir uma negação geral de que a lei havia sido violada. Uma investigação policial posterior descobriu que isso não era verdade: o premiê foi multado por comparecer à própria festa de aniversário, infringindo as regras.

Aliados argumentam que o "partygate", como os tabloides de Londres apelidaram o caso, é uma distração trivial num momento em que a Europa enfrenta o primeiro grande conflito armado desde a Segunda Guerra. O premiê rapidamente assumiu a posição de defensor da Ucrânia, enviando armas para seu exército e fazendo ligações regulares para seu novo amigo, o presidente Volodimir Zelenski.

No início, a guerra eclipsou o escândalo, dando a Boris a chance de se envolver no manto de um estadista. Mas, à medida que a luta prosseguia, o desencanto ressurgiu no país.

A Polícia Metropolitana de Londres cobrou multas, e uma investigação interna por um alto funcionário público pintou um retrato lúgubre das festas no núcleo do governo. A mancha de hipocrisia moral corroeu a popularidade do primeiro-ministro com o público.

Na sexta-feira (3), ele e a esposa, Carrie Johnson, foram vaiados pela multidão quando subiram os degraus da Catedral de St. Paul para um serviço de ação de graças em homenagem aos 70 anos de reinado da rainha Elizabeth 2ª. Era um presságio.

Além disso, os ventos econômicos começaram a soprar contra Boris. As interrupções da pandemia na cadeia de suprimentos —combinadas com choques de preços de alimentos e combustíveis após a invasão da Ucrânia— levaram a inflação a dois dígitos e aumentaram o espectro da "estagflação".

Na última vez que a Grã-Bretanha enfrentou isso, o governo trabalhista caiu, numa derrota esmagadora contra os conservadores de Thatcher. A perspectiva de a história se repetir ajuda a explicar por que os legisladores estão se voltando contra Boris. "Tudo o que podemos dizer com algum nível de certeza é que os britânicos comuns vão achar difícil seguir economicamente pelo resto deste ano —e provavelmente no próximo", diz Bale. "Isso significa problemas para os conservadores, com ou sem Boris."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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