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Tiktok consegue convencer EUA de que não é uma ferramenta para China?

Presidente do aplicativo chinês prestará depoimento ao Congresso norte-americano no fim do mês

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Financial Times

Ameaça improvável à segurança nacional dos Estados Unidos, o TikTok, com seus vídeos de "dancinhas" virais e dublagens cômicas, é um dos aplicativos mais usados no Ocidente e já foi incorporado à cultura da geração mais jovem.

Hoje, a rede afirma ter mais de 1 bilhão de usuários em todo o mundo. Estima-se que gere mais de US$ 10 bilhões em receitas.

O aplicativo e a ByteDance, empresa proprietária do TikTok, estão novamente no centro de uma tempestade geopolítica crescente depois que governos da América do Norte e da Europa lançaram novas restrições, considerando proibições definitivas de uso, por temer que a rede social seja usada para coletar dados para a China.

Foto de prédio com letreiro TikTok ao centro.
Unidade do TikTok na Califórnia, nos Estados Unidos - Valerie Macon/AFP

Nos Estados Unidos, as preocupações com a segurança nacional fervilham desde que a ByteDance pagou US$ 1 bilhão pelo aplicativo Musical.ly, em 2017, fundindo-o com sua plataforma TikTok para atender à jovem base de usuários americanos.

O Comitê de Investimentos Estrangeiros dos EUA abriu uma investigação em 2019 sobre a aquisição, meses após o governo Trump colocar o grupo chinês de telecomunicações Huawei na "lista de entidades não confiáveis", limitando drasticamente sua capacidade de fazer negócios no país ao alegar que suas redes móveis 5G representavam uma ameaça à segurança nacional.

Enquanto o TikTok ganhava popularidade no verão de 2020, o ex-presidente dos EUA, Donald Trump prometeu bani-lo devido a preocupações de que o governo chinês pudesse usar a plataforma para "construir dossiês de informações pessoais para praticar chantagem e espionagem corporativa".

Os executivos da ByteDance tiveram um breve alívio em junho de 2021, quando Joe Biden revogou uma série de ordens executivas de Trump que proibiam vários aplicativos chineses, incluindo o TikTok.

No contexto das relações desgastadas entre China e EUA, o aplicativo está novamente na mira dos legisladores em Washington e outros lugares. Nesta semana, a Casa Branca deu às agências federais um prazo de 30 dias para garantir que o TikTok seja desinstalado dos dispositivos governamentais. Mais da metade dos estados americanos ordenaram que seus funcionários fizessem o mesmo.

O Poder Executivo da União Europeia e o Parlamento Europeu proibiram o aplicativo para funcionários em fevereiro, e o Canadá tomou a mesma decisão nesta semana. O TikTok chamou essas restrições de "equivocadas".

Na quarta-feira (1), o Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos EUA, liderado por republicanos, aprovou um projeto de lei que, se aceito por ambas as casas do Congresso, dará a Biden autoridade para proibir completamente o TikTok no país. O projeto foi contestado pelos democratas do painel e ainda não está claro se algum dia chegará à mesa do presidente.

Mas a mensagem dos falcões anti-China no Congresso é clara: assim como ocorreu com a Huawei, o TikTok é uma ameaça que deve ser detida.

"Qualquer pessoa com o TikTok baixado em seu dispositivo deu ao [Partido Comunista da China] uma porta dos fundos para todas as suas informações pessoais", diz o deputado republicano Michael McCaul, presidente do Comitê de Relações Exteriores. "É um balão espião em seu telefone."

O TikTok está lutando para negociar um acordo com o governo Biden que, segundo a rede social, protegeria os dados privados dos americanos, mas essas preocupações deverão vir à tona quando o executivo-chefe da empresa, Shou Zi Chew, se apresentar ao Congresso no final deste mês.

Pessoas familiarizadas com as operações do TikTok disseram ao Financial Times que o futuro da empresa depende do desempenho de Shou perante o Comitê de Energia e Comércio da Câmara em 23 de março.

Sua equipe está preparando-o para o depoimento, prevendo questionamentos não apenas sobre o acesso aos dados de usuários pelo Partido Comunista Chinês, o que o comitê disse que o TikTok "permitiu conscientemente", mas também sobre o impacto do aplicativo para crianças e se a empresa pode mantê-las protegidas contra danos online e offline.

Laços partidários

O TikTok insiste que se mantém separado de seu proprietário chinês, mas a ByteDance inegavelmente tem um controle rígido sobre a empresa.

Os funcionários têm emails da ByteDance, usam software proprietário da ByteDance e devem seguir o "ByteStyle", seu código interno de conduta. Centenas de engenheiros chineses, desenvolvedores de produtos e equipes de operações em Xangai e Pequim mantêm o aplicativo em funcionamento.

O governo chinês tem uma "parcela de ouro" na principal entidade chinesa da ByteDance, com a participação de 1% tomada por veículos de investimento administrados pelo governo, obtendo o controle estatal sobre o conteúdo do Douyin, a versão chinesa do TikTok.

Isso também lhes deu influência para nomear um oficial do Partido Comunista, Wu Shugang, como um dos três diretores da entidade. Wu disse anteriormente que desejava "cortar a cabeça de cachorro" dos chineses liberais com valores ocidentais.

De acordo com as leis locais, as empresas chinesas podem ser obrigadas a divulgar dados ao Estado, bem como a restringir a transferência de dados confidenciais entre fronteiras.

Para alguns membros do governo Biden, o caso contra a empresa está aberto e encerrado. "Não uso o TikTok e não aconselharia ninguém a fazê-lo por causa dessas preocupações", disse a vice-ministra da Justiça dos EUA, Lisa Monaco, no grupo de pensadores britânico Chatham House em fevereiro.

"A China tem deixado bem claro que está tentando moldar e apresentar o uso de normas em torno de tecnologias que promovem seus privilégios e seus interesses, que são alimentados e direcionados para uma abordagem autoritária de seu governo."

O TikTok diz que nunca forneceu dados ao governo chinês e nunca o faria. Em dezembro de 2022, porém, admitiu que funcionários na China e nos EUA acessaram os dados de usuários de forma inadequada.

Pelo menos dois repórteres, incluindo um jornalista do FT, fizeram parte dessa investigação, em que dados pessoais, incluindo informações de localização, foram utilizados para tentar identificar vazamentos internos da equipe.

O rastreamento ocorreu apenas alguns meses antes de a empresa declarar, em outubro, que nunca "visaria" nenhum membro do governo dos EUA, ativistas, figuras públicas ou jornalistas. O TikTok disse mais tarde que os indivíduos envolvidos deixaram a companhia.

Projeto Texas

O grande plano do TikTok para acalmar as preocupações dos legisladores, e garantir seu futuro, depende dos esforços para isolar fisicamente os dados de usuários da China.

Na Europa, a empresa planeja abrir três centros de dados para armazenar localmente informações de mais de 150 milhões de contas europeias, e não mais nos EUA e em Cingapura. Dois deles serão em Dublin, na Irlanda, onde foram investidos mais de 600 milhões de euros nos locais, e um terceiro ainda não foi finalizado.

Nos EUA, o TikTok gastou mais de US$ 1,5 bilhão no "Projeto Texas", um plano de reestruturação corporativa para proteger os dados de usuários por meio de uma parceria com o grupo americano de software em nuvem Oracle.

Nos próximos meses, todos os dados de usuários serão roteados para o Oracle Cloud e armazenados exclusivamente em seu servidor. A Oracle iniciou uma revisão do código-fonte do TikTok, a arquitetura tecnológica que sustenta o aplicativo, para avaliar seu risco de segurança. De acordo com as propostas atuais, terceiros, incluindo o Comitê de Investimentos Estrangeiros e o governo dos EUA, terão autoridade de aprovação sobre partes dos negócios do aplicativo.

A TikTok US Data Security Inc está sendo criada como uma nova subsidiária da TikTok governada por um conselho de administração independente, que supervisionará equipes de funcionários em engenharia, operações de produtos, confiança e segurança, jurídico e privacidade.

A empresa estima que as propostas custarão até US$ 1 bilhão por ano, incluindo pagamento de funcionários, auditores terceirizados e inspetores de código-fonte. Ela disse que suas "medidas vão muito além do que qualquer empresa semelhante está fazendo hoje".

No entanto, os EUA agora estão postergando o acordo após anos de negociações, segundo dois funcionários seniores do TikTok.

"Todos os profissionais técnicos do Comitê de Investimentos Estrangeiros dos EUA assinaram o acordo TikTok-Oracle, mas há uma resistência em nível político e, portanto, o negócio está num impasse", acrescentou um deles.

A coleta de dados não é a única preocupação dos legisladores. No Douyin, a versão chinesa do aplicativo também de propriedade da ByteDance, crianças menores de 14 anos visualizam principalmente conteúdo educacional, em vez de entretenimento.

"Os algoritmos que determinam o que você vê no TikTok [são] definidos em Pequim pela China", disse Mark Warner, democrata, presidente do Comitê de Inteligência do Senado, em fevereiro.

"Se você olhar o que as crianças chinesas estão vendo em sua versão do TikTok, que enfatiza a ciência e a engenharia, em comparação com o que nossos filhos e crianças ao redor do mundo veem, é drasticamente diferente. Portanto, tanto pela coleta de dados quanto, francamente, uma ferramenta de propaganda, é uma grande preocupação."

Boom do TikTok

Até agora, as preocupações geopolíticas não parecem ter prejudicado o crescimento astronômico do TikTok no Ocidente, com os EUA, Reino Unido e Europa como seus maiores mercados.

A maior parte da receita da rede social é gerada por publicidade, com um número crescente de profissionais de marketing vindo de plataformas tradicionais como Facebook e Instagram.

Quatro anunciantes com quem o Financial Times conversou disseram que as tensões atuais não tiveram impacto nos gastos com a plataforma.

"As preocupações de segurança sobre o TikTok não são novidade. Se os usuários realmente entendessem os dados que o aplicativo coleta deles, ninguém os usaria, mas a ignorância é uma bênção", diz Ben Foster, sócio-gerente de tecnologia digital da agência de mídia The Kite Factory.

Para os anunciantes, é preciso estar onde estão os olhos, e o usuário americano médio gasta cerca de 90 minutos por dia no TikTok, impulsionado por seu poderoso algoritmo de recomendação.

"É difícil defender o afastamento do TikTok quando o vento predominante está levando os usuários à plataforma", afirma David Balko, da agência de publicidade Tribal Worldwide. "Na verdade, onde quer que o público esteja as marcas vão se agrupar."

A extraordinária popularidade do aplicativo entre os jovens pode funcionar como uma espécie de escudo contra os legisladores ansiosos para proibi-lo completamente.

Em entrevista à Bloomberg, a secretária de Comércio, Gina Raimondo, que está supervisionando uma política para dificultar que a China obtenha tecnologia sensível dos EUA relacionada à inteligência artificial, sugeriu que uma proibição total seria um suicídio político: "O político em mim pensa que vamos literalmente perder todos os eleitores com menos de 35 anos, para sempre".

O presidente do TikTok acredita que o futuro da empresa está em jogo. O governo quer parecer "aberto a negócios quando se trata de investimento estrangeiro", diz o funcionário, mas "há outros que acho que querem uma linha mais dura. É apenas uma questão de qual visão prevalecerá".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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