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Carla Amaral de Andrade Junqueira

Quando o direito internacional se sobrepõe à justiça

Papel da AGU sobre direitos das mulheres que sofrem violência é questionado

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Carla Amaral de Andrade Junqueira

Advogada, é doutora em direito internacional pela Faculdade de Direito da USP e pela Universidade de Paris 1 – Panthéon-Sorbonne

A Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças trata da subtração internacional de crianças e adolescentes, que consiste no deslocamento ilegal de menor, efetuado normalmente por um dos genitores, do local de sua residência habitual para país diverso e sem o consentimento do outro genitor.

O objetivo do texto é a proteção das relações jurídicas internacionais ao evitar que uma pessoa consiga alterar a lei aplicável ao fato para conseguir uma decisão favorável à sua pretensão de retenção do menor, utilizando a competência jurisdicional do país de sua nacionalidade. Para alcançar esse objetivo, a convenção consagra como regra master, em seu artigo 1º, o restabelecimento do “statu quo” mediante a restituição imediata dos menores levados ou retidos de forma ilícita em qualquer dos países signatários da convenção.

A advogada Carla Amaral de Andrade Junqueira - Arquivo pessoal

O pilar do tratado se fundamenta nas relações internacionais que, em muitos casos, se sobrepõem ao próprio interesse superior do menor, ou até mesmo à Justiça. Os negociadores da convenção parecem ter entendido que “o interesse superior do menor” não é uma norma jurídica, e sim um paradigma social que pode variar de país a país, sendo, portanto, um valor subjetivo. Assim, a parte dispositiva do texto não possui qualquer referência ao interesse do menor como critério corretor do objetivo convencional, que consiste em garantir o retorno imediato dos menores. Não obstante, a convenção reconhece algumas exceções à obrigação geral; uma delas, a mais recorrente, está prevista no artigo 13 “b” e prevê o interesse primário de qualquer pessoa a não ser exposta a perigo físico, psíquico ou colocada em situação intolerável.

Ocorre que, por mais evidente que a situação possa parecer, a exceção prevista no inciso “b” do artigo 13 muitas vezes é aplicada de forma restritiva por juízes brasileiros, e ocorrem injustiças. É o caso de uma mãe brasileira que veio ao Brasil depois que o marido foi preso em flagrante por violência doméstica, na frente da filha de 18 meses, mas acabou, depois, sendo detida na França por rapto de menor e perdeu a guarda da filha para sempre. Uma das críticas mais comuns é a de que o Brasil não exige perícia do país estrangeiro para delimitar os aspectos psicossociais do local e trata as mães, vítimas de violência de gênero, como criminosas.

O papel exercido pela Advocacia-Geral da União (AGU) nesses casos também tem sido muito questionado pelo grupo das “mães de Haia”. A postura do órgão é considerada pouco humanitária e desrespeitosa dos direitos do menor e das mulheres que sofrem violência doméstica.
A aplicação restritiva da exceção prevista no artigo 13 pelo Brasil coloca em risco o dever de proteger e escutar o grito surdo das mulheres e crianças brasileiras vítimas de violência doméstica.

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