A pergunta é bastante instigante e gera uma reflexão profunda sobre o que está previsto no ordenamento jurídico, decorrente da escolha feita pelo legislador, e o que cada um de nós desejaria que estivesse.
Da minha parte, gostaria que o legislador tivesse optado por incorporar ao texto legal (art. 477-A, da CLT) o entendimento até então predominante da Justiça do Trabalho: pela necessidade de prévia negociação coletiva como requisito para a dispensa em massa.
Ocorre que a escolha do Poder Legislativo foi diferente. Como intérprete e aplicador do direito, posso apenas verificar se a regra criada encontra amparo no ordenamento jurídico ou se há possibilidade de descartá-la. Em outras palavras devo, basicamente, analisar se a nova regra seria inconstitucional.
Justamente neste ponto precisamos controlar o desejo em prol do dever. Em primeiro lugar, é necessário lembrar que as inconstitucionalidades devem ser reconhecidas apenas quando a regra criada se apresenta irreconciliável com o texto constitucional, não sendo possível o uso político ou ideológico desta técnica para afastar a opção adotada pelo Poder Legislativo.
Como facilmente podemos constatar, muitas vezes as soluções do legislador não se apresentam, para o intérprete, como as melhores possíveis, ainda mais porque o confronto da regra com o texto constitucional, através de seus princípios e valores, viabiliza diversas soluções diferentes. A questão é: se percebermos que a escolha do legislador não foi a melhor, poderemos reconhecer uma inconstitucionalidade? Não.
Discordar da escolha do legislador não é motivo para invalidar a regra jurídica por ele criada. A Constituição de 1988 prevê a proteção da relação de emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa (art. 7º, I), mas fixa como padrão de reparação a simples indenização, que, até que venha a regulamentação por lei complementar, fica limitada em 40% do FGTS (art. 10, I do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
Por outro lado, não há na Carta nenhuma diferenciação quanto às dispensas individual, plúrima ou coletiva, nem a regulamentação geral quanto à dispensa pelo empregador, lembrando que a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do tema, não está em vigor no Brasil (foi ratificada e depois denunciada).
Em acréscimo, sequer seria possível estabelecer o conceito de dispensa em massa pelo ordenamento jurídico em vigor, por falta de regramento, o que por si só geraria enorme insegurança. E mais: o que sustentava o entendimento até então predominante no Tribunal Superior do Trabalho era a ausência de norma específica sobre o tema. Hoje não existe mais lacuna do direito a ser suprida sobre a questão, havendo lei expressa a respeito.
Impedir a dispensa em massa sem negociação com o sindicato, com a atual legislação, seria, em última análise, criar restrição ao exercício de um direito pela vontade do intérprete, afrontando o princípio da legalidade e afetando a livre iniciativa e a liberdade econômica, valores fundamentais igualmente consagrados na Constituição.
Respondendo então à pergunta, finalizo como iniciei: dever não deveria ser possível a dispensa em massa sem negociação coletiva, mas o ordenamento jurídico assim dispõe. A não ser que o Supremo Tribunal Federal fixe regra diferente em tese vinculante, cumpramos a lei para a segurança de todos. Afastemos, pois, nossos desejos para cumprimento do nosso dever.
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