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Lúcia Teixeira

Um entendimento equivocado

Mudanças no Prouni não prejudicam os estudantes das escolas públicas

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Lúcia Teixeira

Escritora e biógrafa de Pagu, está concluindo "Confidências Modernistas em 2022". Presidente da Universidade Santa Cecília, em Santos, e do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil

A medida provisória 1.075, publicada pelo governo federal no último dia 7 de dezembro e que altera as regras do Programa Universidade para Todos (Prouni) para permitir que as vagas ociosas sejam preenchidas por estudantes oriundos de escolas particulares, tem sofrido uma série de ataques e críticas.

Há quem acuse a medida de descaracterizar o programa, ao permitir que alunos privilegiados tenham acesso às bolsas. Afirmam também que ela flexibiliza a fiscalização, na medida que os estudantes não precisarão mais comprovar sua renda para pleitear o Prouni. E, por fim, alegam que haveria dispensa das contrapartidas que estabelecem que, em troca de isenções fiscais, as Instituições de Ensino Superior (IES) filantrópicas invistam 20% de sua receita em gratuidade. Todas essas alegações, porém, são fruto de um entendimento equivocado.

O Brasil precisa aumentar com urgência a escolarização líquida no ensino superior (jovens entre 18 e 24 anos no 3º grau). De acordo com dados do último Censo do Ensino Superior, esta é de apenas 18,1%, bem abaixo da meta 12 do Plano Nacional de Educação, que estabelece 33% dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados em faculdades e universidades até 2024. O Prouni é uma das poucas políticas públicas capazes de incentivar esse ingresso de forma contínua e eficiente, permitindo que jovens oriundos de famílias de baixa renda também tenham o direito de cursar uma graduação.

Criado em 2005, o Prouni ajudou milhares de estudantes a realizar esse sonho, mas nos últimos anos o programa vem perdendo a eficácia, com o aumento gradual das vagas ociosas. Na média dos últimos dez anos, cerca de 15% das bolsas integrais e 58,6% das bolsas parciais não foram preenchidas. E, com a pandemia, esses percentuais ficaram ainda maiores: 28,5% das bolsas integrais e quase 85% das parciais permaneceram ociosas.

Nesse sentido, a alteração das regras do programa aumenta as possibilidades de que essas vagas sejam preenchidas, desde que os alunos cumpram os critérios de renda familiar per capita de até três salários mínimos para as bolsas parciais e de até um salário mínimo e meio para as bolsas integrais, além de manter a prioridade na ordem de concessão das bolsas aos estudantes oriundos de escolas públicas e bolsistas de escolas privadas.

Os alunos das escolas privadas de ensino médio, portanto, não estão roubando as vagas dos estudantes das escolas públicas. Apenas foi ampliado o escopo do Prouni para abarcar alunos cujas famílias fazem sacrifícios para que seus filhos estudem em escolas particulares, muitas vezes com recursos de parentes e amigos. Segundo microdados da Pnad Contínua, cerca de 82% dos estudantes de ensino médio de escolas particulares vêm de famílias com renda per capita de até três salários mínimos. São mais de 998 mil alunos que, antes, eram penalizados, mesmo atendendo aos critérios de renda do programa.

Quanto à alegada flexibilização da fiscalização, cabe lembrar que, em lugar da autodeclaração do próprio aluno, caberá ao governo federal fiscalizar sua elegibilidade, possibilitando maior rigor na checagem de informações por meio da declaração de Imposto de Renda e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Por fim, em relação à pretensa dispensa das contrapartidas em troca das isenções fiscais, é preciso esclarecer que para as IES com fins lucrativos nada muda: elas continuam a ter que oferecer uma bolsa Prouni para cada 10,7 alunos pagantes. Já as IES filantrópicas passam a cumprir o mesmo percentual, lembrando que o projeto de lei complementar 134, já sancionado, prevê que, para obter a certificação como entidade beneficente, elas concedam um adicional de bolsas, além de outras exigências.

Em meio ao debate sobre o Prouni, é ingênuo achar que apenas essas mudanças resolverão os problemas de acesso da população ao ensino superior. O Brasil ainda tem muito a avançar em relação ao aumento do número de matrículas e de profissionais efetivamente formados na educação superior. A medida provisória 1.075 é um pequeno e necessário passo nesse sentido. Algo precisava ser feito.

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